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 Assunto Jurídico


 


Fiscal Pernambuco

 

Consumidor Pernambuco


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PROCESSO DE CONHECIMENTO - GERAL

 

PROCESSO DE CONHECIMENTO

 

PETIÇÃO INICIAL

 

CONCEITO

É o ato do autor pelo qual ele provoca o exercício da jurisdição (inerte) e traduz em juízo a sua pretensão resistida, requerendo a tutela jurisdicional (sentença) e a sujeição do réu à decisão que eventualmente acolher seu pedido. É a peça que inaugura o processo, estabelecendo a relação jurídica processual entre o autor e o juiz, gerando o direito de resposta ao pedido imediato formulado, nem que seja para indeferi-la de plano, por ausência de um ou mais requisitos formais essenciais (CPC, art. 282).

 


 

REQUISITOS

 

A petição inicial é ato formal escrito em língua pátria, com os requisitos previstos no art. 282 do Código de Processo Civil.

 

São eles:

 

a) Juiz ou tribunal a que é dirigida. Também conhecido como endereçamento, serve como critério de fixação de competência, principalmente nos casos em que ao autor é facultado o ajuizamento da ação perante mais de um juízo.

 

b) Nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu. A qualificação das partes é dado de vital importância para o processo, pois serve para individualizar os participantes da relação jurídica processual, possibilitando a comunicação dos atos processuais e até mesmo a aferição da legitimidade das partes (condição da ação). A ausência de algum dos elementos da qualificação previstos na lei não gera o indeferimento da inicial, pois nem sempre é possível ao autor saber dados pormenorizados daquele que resiste à sua pretensão, como ocorre nos casos de invasão de terras por grupo numeroso de pessoas. O que se releva para o preenchimento do requisito é a perfeita individualização das partes na inicial, nem que para isso tenha o autor de socorrer-se de descrição física do réu ou do local onde possa ser encontrado.

 

c) Fatos e fundamentos jurídicos do pedido. A causa de pedir, tanto próxima quanto remota, é elemento essencial da petição inicial.

 

Todo direito alegado está ligado necessariamente a um fato gerador. Para que o autor formule sua pretensão em juízo será necessário demonstrar a existência dos fatos geradores do seu alegado direito. Tais fatos constitutivos do direito do autor devem ser narrados pormenorizadamente, sob pena de impedir o julgamento de mérito e causar o indeferimento da inicial (causa de pedir fática ou remota).

 

 

Mas não basta o autor, entretanto, limitar-se a narrar os fatos, sendo obrigatório que eles tenham gerado em sua órbita jurídica um direito de natureza subjetiva, embasador do pedido condenatório, declaratório ou constitutivo formulado ao Estado-juiz (causa de pedir jurídica ou próxima). Não se pode, entretanto, confundir a causa de pedir próxima com a enunciação do artigo de lei que fundamenta o pedido, elemento não essencial de uma petição inicial.

 

Conforme já visto, adotada entre nós a teoria da substanciação da causa de pedir, na qual os fatos narrados sobrepõem-se ao direito subjetivo violado, pode o juiz acolher o pedido do autor baseado em fundamentação jurídica distinta daquela trazida na inicial.

 

d) Pedido, com suas especificações. Toda inicial traz consigo dois pedidos. O imediato, referente à sentença esperada pelo autor, e o mediato, correspondente à pretensão de direito material alegado pelo autor e negado pelo réu (bem da vida).

 

O art. 286 exige que o pedido seja certo e determinado, de modo que outorgue aos demais sujeitos do processo (juiz e réu) a certeza e clareza quanto à pretensão do autor com o processo, principalmente no que se refere ao pedido imediado (modalidade de provimento jurisdicional esperado). Entretanto, nosso ordenamento comporta a formulação de pedido mediato genérico quando:

 

   a) nas ações universais não puder o autor individuar na petição os bens demandados;

 

   b) não for possível determinar, de modo definitivo, as consequências do ato ou fato ilícito; e

 

   c) a determinação da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (CPC, art. 286). Nesses casos o juiz proferirá uma decisão ilíquida, remetendo o autor ao procedimento de liquidação de sentença, antes do início da fase de cumprimento da sentença (CPC, arts. 475-A a 475-H).

 

É facultado ainda ao autor formular na inicial pedidos cumulativos, alternativos ou sucessivos.

 

Pedidos cumulativos são aqueles formulados em adição contra o réu, em decorrência de um mesmo fato constitutivo do direito do autor. Têm como requisitos de admissibilidade a compatibilidade entre si (coerência lógica na cumulação), a competência absoluta do juízo para todos os pedidos (a relativa comporta cumulação, ante a possibilidade de prorrogação), a adequação do procedimento escolhido para todos os pedidos (pode o autor cumular pedidos com ritos distintos, contanto que faça a escolha pelo ordinário) e suas deduções contra o mesmo réu (art. 292).

 

Necessária se faz a distinção entre cumulação de ações e pedidos cumulados. Enquanto na cumulação de pedidos existe um único fato constitutivo gerando vários pedidos contra o mesmo réu, há cumulação de ações quando temos vários fatos constitutivos distintos originando vários pedidos distintos. Nesse caso, cada fato constitutivo poderia originar uma ação própria, autônoma e independente, mas nossa legislação, atenta ao princípio da economia processual, permite a cumulação de demandas desde que haja entre elas algum dos elementos exigidos para a conexão. Ademais, não é necessário que as ações sejam cumuladas contra o mesmo réu (litisconsórcio passivo facultativo).

 

 

Por sua vez concurso de ações é a existência de várias opções em lei para a defesa do direito violado, como por exemplo nas ações ex empto (redibitória e quanti minoris), ficando ao arbítrio do autor qual ação irá ajuizar.

 

Pedidos alternativos são formulados quando o autor se encontra diante de uma obrigação alternativa, na qual o devedor se exonera pelo cumprimento de uma das opções existentes.

 

Competindo a escolha ao credor, pode o autor desde logo na inicial formular um pedido simples, presumindo-se feita a sua opção. Entretanto, se a escolha pertencer ao réu, mesmo que o autor omita a alternatividade na inicial, competirá ao juiz, de ofício, assegurar a exoneração do devedor mediante o cumprimento de qualquer uma das opções (CPC, art. 288, parágrafo único).

 

Pedidos sucessivos têm cabimento quando o autor formula uma pretensão principal, mas traz na inicial pedidos subsidiários, a serem analisados no caso de impossibilidade de acolhimento de sua preferência. Ao contrário dos pedidos cumulados, em que o autor pretende o acolhimento de todos, ou dos alternativos, nos quais a satisfação do autor se realiza pelo acolhimento de qualquer um dos pedidos formulados, o pedido sucessivo estabelece uma ordem de preferência, sujeitando-se a análise dos pedidos subsidiários à impossibilidade material de atendimento do pedido principal.

 

Na dúvida sobre a natureza jurídica dos pedidos de uma inicial, em virtude de utilização do termo “ou”, cabível tanto nos pedidos alternativos quanto nos sucessivos, presumir-se-á serem eles formulados sem qualquer ordem de preferência (alternatividade), por ser essa a interpretação mais benéfica ao réu.

 

e) Valor da causa. A atribuição de valor à causa que se instaura tem reflexos importantes em três campos distintos, quais sejam, o cálculo da taxa judiciária (fixada em percentual sobre o valor da causa), a competência (em determinados Estados existem foros regionais que têm sua competência fixada pelo valor) e a fixação das verbas de sucumbência (de 10 a 20% sobre o valor da causa — art. 20).

 

Muito embora o art. 259 estabeleça critérios específicos para diversas ações, pode-se fixar como parâmetro geral que o valor da causa deve sempre corresponder ao proveito econômico esperado pelo autor na demanda. Por vezes determinadas ações, como as referentes às questões de estado, não têm valor econômico imediato, comportando o valor da causa fixação por estimativa.

 

Pode o réu insurgir-se contra o valor indicado, no prazo para contestação, através da sua impugnação, defesa essa de natureza processual autuada em apenso ao processo principal. Ressalte-se que a impugnação ao valor da causa não diz respeito ao acolhimento ou não da pretensão do autor, matéria essa atinente ao mérito, mas simplesmente à não correspondência entre a pretensão deduzida na inicial e o valor atribuído à demanda.

 

 

Ponto controverso diz respeito à possibilidade de correção de ofício do valor da causa pelo juiz. A melhor posição é aquela que entende ser facultado ao juiz agir de ofício apenas nos casos de previsão legal expressa sobre qual valor deve ser atribuído à causa (CPC, art. 259), e não nas hipóteses de mera estimativa pela parte.

 

Entretanto, admite-se sua intervenção de ofício quando a estimativa é completamente desproporcional ao proveito econômico esperado pelo autor com a demanda.

 

f) As provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados. Compete ao autor especificar as provas com que pretende demonstrar a veracidade dos fatos constitutivos de seu direito (oral e testemunhal). Apenas se advirta que a prova documental tem seu momento de produção para o autor na própria inicial, a qual deve estar acompanhada de todos os documentos essenciais à sua propositura.

 

No rito sumário não basta o requerimento genérico de provas, sendo obrigatório ao autor apresentar, desde logo, o seu rol de testemunhas, formular quesitos e indicar assistente técnico, caso deseje participar da produção das provas oral e pericial (CPC, art. 276).

 

g) O requerimento de citação do réu. É o ato pelo qual o autor requer seja o réu chamado a participar da relação jurídica processual.

 


 

EMENDA E INDEFERIMENTO DA INICIAL

 

Uma vez distribuída a inicial, compete ao juiz examinar o preenchimento dos requisitos formais essenciais e, estando ela em ordem, determinar a citação do réu.

 

Entretanto, não se encontrando presentes os requisitos do art. 282, abrem-se dois caminhos possíveis ao juiz da causa.

 

a) Emenda à inicial (CPC, art. 284). Se a inicial trouxer consigo lacunas, omissões ou contradições, capazes de dificultar o futuro julgamento do mérito, pode o juiz conceder o prazo de dez dias para que o autor a conserte, de modo que receba o deferimento, com determinação da citação do réu. São exemplos típicos a insuficiência da explanação da causa de pedir ou a falta de algum dos documentos essenciais (CPC, art. 283).

 

Não se pode negar a existência de uma zona cinzenta entre a determinação da emenda e o indeferimento de plano da inicial, ficando ambas sujeitas a certa dose de subjetivismo do juiz da causa.

 

Entretanto, uma vez determinada a emenda, compete ao juiz indicar onde se encontra a falha e não se limitar a ordenar a emenda de forma genérica, sob pena de impossibilitar a parte de corrigir o vício.

 

Questiona-se a faculdade de se determinar a emenda da inicial mais de uma vez no mesmo processo. Muito embora o art. 284 imponha o indeferimento da inicial, caso não haja cumprimento da determinação judicial, a economia processual e a busca da efetividade do processo têm feito com que a jurisprudência seja parcimoniosa com a emenda malfeita ou extemporânea, tornando possível mais de uma chance de conserto à mesma inicial.

 

b) Indeferimento da inicial. Por vezes o vício apresentado na inicial é insanável, caracterizando alguma das hipóteses já estudadas do art. 295, nas quais o indeferimento deve ser realizado, independentemente de determinação de emenda, sobrevindo a extinção do processo, sem resolução de mérito. Embora o momento oportuno para o indeferimento seja o do recebimento da inicial, poderá ele ser determinado em qualquer etapa do processo, por versar sobre vício substancial, reconhecível a qualquer tempo e grau de jurisdição.

 


 

MATÉRIA UNICAMENTE DE DIREITO

 

Quando a petição inicial tratar de matéria unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

 

Essa regra está veiculada no art. 285-A do Código de Processo Civil, que faz parte de uma tendência legislativa de se valer da economia processual para tornar a prestação jurisdicional mais rápida e mais eficaz.

 

 


 

ANTECIPAÇÃO DA TUTELA

 

CONCEITO

 

A preocupação com a celeridade do processo tem sido uma constante desde os mais remotos tempos. Não raramente a demora no curso do procedimento destinado à satisfação do direito violado acaba gerando maiores injustiças do que a cometida por aquele que resiste injustificadamente à pretensão. A nova redação do art. 273 do Código de Processo Civil introduziu em nosso sistema processual a antecipação de tutela, visando conceder aos sujeitos do processo meio capaz de afastar os danos materiais decorrentes da sua demora.

 

Tal instituto possibilita ao autor, desde que preenchidos os requisitos legais, obter antecipadamente os efeitos do provimento jurisdicional que somente seriam alcançados com o trânsito em julgado da sentença definitiva de mérito.

 

Essa antecipação dos efeitos da tutela, hoje autorizada em qualquer procedimento comum, já existia em nossa legislação, sob a forma de especialização de determinados procedimentos, como, por exemplo, nas ações possessórias e na ação especial de alimentos. Essas situações especiais de direito material demandavam resposta jurisdicional urgente, motivo pelo qual se autorizava, preenchidos os requisitos formais, a concessão da liminar da reintegração ou manutenção da posse, ou ainda dos alimentos provisórios, antes mesmo de prolatada a sentença de mérito. E o acúmulo dos processos no Judiciário, com a consequente demora no reconhecimento de direitos às vezes patentes, demandou a adoção dessa possibilidade, anteriormente reservada aos procedimentos especiais, a todos os procedimentos comuns.

 

É a antecipação de tutela, portanto, uma medida que atende a pretensão de direito material do autor antes do momento normal, concedida liminarmente e mediante simples cognição sumária, baseada na prova documental trazida pelo autor na inicial. Entretanto, nada impede a antecipação de tutela no curso do processo, antes de prolatada a sentença.

 

Tem ela características de provisoriedade, com validade determinada até o proferimento da sentença de mérito definitiva ou qualquer outra forma de extinção anômala do processo.

 

Seus limites são idênticos aos da sentença de mérito.

 

Objetivamente só pode ser antecipado aquilo que será, eventualmente, concedido pela sentença, ou seja, não será objeto de antecipação provisória provimento não pedido de forma definitiva. Sob o aspecto subjetivo, só pode sujeitar-se à antecipação de tutela aquele que futuramente será sujeito do processo (réu).

 

Pode ela, ainda, ser total, quando se antecipa a totalidade do provimento final postulado pelo autor, ou parcial, quando a antecipação limita-se a alguns dos efeitos da tutela definitiva.

 

Frise-se não ser a antecipação de tutela violadora do contraditório ou da ampla defesa. A provisoriedade do instituto possibilita ao réu impugnar sua concessão quando da resposta, contanto que traga novos elementos aos autos que alterem a anterior cognição sumária realizada (contraditório diferido).

 

A efetivação coativa da tutela antecipada, por força do § 3º do art. 273, deverá observar as mesmas regras procedimentais previstas para os processos de execução por quantia certa, de obrigação de fazer ou não fazer (arts. 461 e 475 do CPC), inclusive com fixação de multa pecuniária.

 

Para que não haja conflito entre o processo de conhecimento ainda em desenvolvimento e a execução provisória da tutela antecipada, será esta autuada em apenso aos autos nos quais se desenvolverão os atos coativos visando a satisfação da medida de urgência concedida.

 

Muito embora com objeto e finalidade distintos, inegável que as tutelas de urgência de natureza cautelar e antecipatória têm requisitos de concessão bem assemelhados.

 

Por força dessa semelhança, não raramente as partes viam seus pedidos visando a concessão de liminares indeferidos pela interpretação de que a tutela pleiteada não correspondia à natureza antecipatória, mas sim à cautelar, e vice-versa. Tais situações eram incompatíveis com a preservação do bem da vida, e, por várias vezes, danos irreparáveis eram gerados pela não coincidência de interpretação quanto a qual tutela de urgência e qual procedimento seria cabível na espécie.

 

O § 7º do art. 273 veio solucionar tais conflitos de interpretação, possibilitando ao juiz a concessão de providência de natureza cautelar, em caráter incidental ao processo ajuizado, mesmo que tenha sido ela requerida a título de antecipação de tutela. É o reconhecimento do princípio da instrumentalidade das formas, pelo qual o processo deve guardar preocupação com sua finalidade e não apenas com a roupagem que se apresenta em juízo.

 

Razoável crer que o legislador pretendeu criar uma verdadeira fungibilidade entre as tutelas cautelares e as de antecipação de tutela, cabendo ao juiz que as analisa afastar-se da forma utilizada pelo interessado e aproximar-se da finalidade que este pretende.

 

Dessa forma, forçosa a conclusão de que tal autorização legal é uma via de duas mãos, ou seja, possível hoje a concessão de tutela antecipada em procedimentos equivocadamente rotulados como “ações cautelares”, tudo visando impedir o prejuízo real irreparável àqueles que procuram o Poder Judiciário para a defesa de seus direitos.

 


 

REQUISITOS

 

REQUISITOS OBRIGATÓRIOS

 

São aqueles exigidos de forma cumulada pela legislação.

 

PROVA INEQUÍVOCA DA VEROSSIMILHANÇA

 

A expressão “prova inequívoca da verossimilhança” é, no mínimo, contraditória. A mais correta interpretação dada aos requisitos é a de juízo de probabilidade de acolhimento das alegações deduzidas pelo autor em sua inicial; é mais forte do que uma simples possibilidade, inerente às liminares de cautela, mas menos contundente do que a certeza, esta só obtida com o desenvolvimento completo do processo e a prolação da sentença definitiva de mérito (cognição exauriente).

 

Como o legislador não autorizou a realização de audiência de justificação para a demonstração da probabilidade de acolhimento das alegações do autor (como feito no art. 84 do Código de Defesa do Consumidor), essa “prova inequívoca” deve ser eminentemente documental (prova pré-constituída). Pode ocorrer, entretanto, que a antecipação de tutela, indeferida quando da análise da inicial, venha mostrar-se cabível após a contestação oferecida pelo réu ou até mesmo durante a fase instrutória, momento no qual poderá a parte reformular sua pretensão e receber o deferimento pelo juiz da causa.

 

REVERSIBILIDADE

 

Só se concederá a antecipação dos efeitos da tutela se eventual sentença de improcedência puder reverter os efeitos concretos gerados pela decisão provisória, fazendo retornar as partes ao status quo anterior. Caso contrário estaríamos transformando a defesa do réu em ato totalmente desnecessário e sem finalidade prática alguma, pois não poderia ele impedir que a antecipação de tutela gerasse efeitos definitivos, próprios apenas da sentença de mérito transitada em julgado, obtida através do desenvolvimento do processo e da cognição plena do juiz.

 

Para garantir a reversibilidade, o legislador remete o beneficiário da tutela antecipada aos procedimentos da fase de execução provisória, com vedação a atos que importem em alienação de domínio de bens de propriedade do réu e levantamento de eventual depósito sem a oferta de caução. Entretanto, não se exige para o cumprimento da decisão que antecipa a tutela o oferecimento da caução inicial, própria das execuções provisórias, iniciadas por conta e risco do credor.

 

Diante dessa necessária reversibilidade e da remessa explícita do beneficiado pela decisão às regras da execução provisória, não se ode negar razão aos doutrinadores que afirmam ser a antecipação de tutela pertinente, como regra, apenas aos processos de natureza condenatória (obrigação de dar, fazer, não fazer ou pagar quantia certa em dinheiro), encontrando dificuldades de concessão nas de cunho meramente declaratório ou constitutivo (positivo ou negativo).

 

As sentenças condenatórias são as únicas que comportam execução provisória, por demandarem posterior fase de satisfação do credor. Logo, são elas as únicas dotadas de reversibilidade plena, inerente às sentenças que comportam execução não definitiva e preenchedoras das exigências do art. 273 do Código de Processo Civil.

 

Já as sentenças constitutivas têm força executiva imediata, sendo cumpridas por mandado, e as meramente declaratórias não são exequíveis, pois esgotam a jurisdição pela simples declaração pretendida pelo autor. Portanto, forçoso o reconhecimento de que a antecipação da tutela, nestas modalidades de processo de conhecimento, encontra dificuldades em observar o requisito da irreversibilidade, presente apenas quando antecipados parcialmente os efeitos da tutela final pretendida pelo requerente.

 

De outro lado, inafastável que determinadas situações impõem ao julgador o afastamento do requisito legal da irreversibilidade concreta, mediante a aplicação da teoria da proporcionalidade. Se o pedido de antecipação tiver como fundamento o risco de grave lesão aos bens essenciais do cidadão (como, p. ex., a vida), o seu confronto com um interesse menos relevante do requerido (como, p. ex., o econômico) indicará para o deferimento a antecipação de tutela solicitada. Nesta hipótese, a desproporção entre os interesses põe por terra o requisito legal da reversibilidade concreta, remetendo aquele que suportar os seus efeitos à recomposição por perdas e danos, caso venha a sair vencedor na demanda.

 

REQUISITOS ALTERNATIVOS

 

Além dos dois requisitos obrigatórios analisados, deve o interessado na antecipação de tutela preencher ao menos um dos alternativos, quais sejam:

 

FUNDADO RECEIO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO

 

O dano que se evita com a antecipação de tutela não é de natureza processual nem diz respeito à eficácia da futura sentença aser proferida, direitos esses tutelados pelo processo cautelar. É ele, sim, de natureza eminentemente material, consistente em impor ao autor um prejuízo decorrente do não exercício de seu direito desde já, mesmo quando presentes provas ensejadoras do juízo de probabilidade referido. E, se reversível o provimento solicitado, ou cabível o juízo da proporcionalidade, não existe justo motivo para que o autor aguarde o longo e custoso desenrolar do processo se desde logo já é possível constatar a grande razoabilidade de seu direito. Portanto, é a demonstração de que a demora da tutela jurisdicional acarretará ao titular do direito provável dano material irreparável ou de difícil reparação.

 

  

ABUSO DE DIREITO DE DEFESA OU MANIFESTO PROPÓSITO PROTELATÓRIO DO RÉU

 

A formalidade dos atos do processo, exigida como garantia do justo julgamento, é por vezes utilizada pelo réu com finalidade protelatória, mesmo quando diante de um direito muito provável do autor (litigância de má-fé). Em tais casos era o processo desvirtuado pelo manifesto abuso do direito à ampla defesa que visa a Constituição Federal proteger. Portanto, permitida agora a concessão antecipada do provimento final como forma de punição ao réu que abusa do seu direito de defesa.

 

INCONTROVÉRSIA DOS PEDIDOS FORMULADOS

 

A antecipação de tutela poderá ser concedida toda vez que um ou mais dos pedidos cumulativos feitos pelo autor na inicial permaneçam incontroversos após a contestação. Ademais, poderá ser deferida parcialmente quanto à parcela do pedido que eventualmente reste incontroversa.

 


 

 

DA CITAÇÃO

 

CONCEITO E GENERALIDADES

 

Deferida a inicial, determinará o juiz a citação do réu, ato pelo qual este é chamado a juízo para, querendo, apresentar sua defesa (CPC, art. 213). Através de seu cumprimento de modo válido, a relação jurídica processual torna-se completa com a integração do réu ao processo, sendo, portanto, ato obrigatório em qualquer modalidade de processo ou procedimento (CPC, art. 214).

 

A ausência ou invalidade da citação gera nulidade absoluta do processo, possibilitando ao réu que permaneceu revel, por força desse vício, ajuizar a querela nullitatis a qualquer momento.

 

Pode ocorrer, entretanto, o comparecimento espontâneo do réu ao processo, hipótese em que a ausência de citação será suprida. No mesmo sentido, se o réu comparecer para apenas arguir a nulidade do ato citatório, esta será reconhecida no processo e considerar-se-á ele citado na data da publicação da decisão que reconhecer o vício (CPC, art. 214, §§ 1º e 2º).

 

A citação deve ser realizada sempre na pessoa do réu ou de quem detenha poderes específicos para recebê-la em seu lugar. Os §§ 1º e 2º do art. 215 abrem exceções à citação pessoal quando o réu, pessoa física, ausentar-se injustificadamente do local de seu domicílio. Nestes casos, pode o ato ser praticado na pessoa do mandatário, administrador, feitor ou gerente, quando a lide se originar de atos por eles praticados. Exemplo típico é o locador ausente do Brasil ser citado na pessoa da sua administradora de imóveis.

 

O art. 217 cria impedimentos legais para a realização da citação, salvo se necessária para evitar o perecimento do direito. Por serem situações temporárias, ultrapassado o impedimento ocasional, poderá a citação ser normalmente feita.

 

 

Por fim, havendo suspeita de demência ou incapacidade do réu, deverá o oficial de justiça certificar a ocorrência, sobrevindo nomeação de médico para elaboração de laudo, e, reconhecida a impossibilidade de compreensão da citação pelo requerido, nomear-se-á em seu favor um curador para a prática do ato.

 


 

MODALIDADES

 

DAS CITAÇÕES REAIS

 

Citações reais são aquelas recebidas pessoalmente pelo réu ou por quem o represente, outorgando a certeza nos autos de que o ato foi realizado em quem de direito. São essas modalidades de citação as que podem gerar os efeitos da revelia, quando da ausência de resposta do réu ao chamamento feito pelo juízo

 

PELO CORREIO (CPC, ARTS. 222 E 223)

 

A citação pelo correio é faculdade concedida ao autor e poderá ser feita para qualquer comarca do País, com exceção das ações de estado, quando o réu for incapaz, pessoa de direito público, residir em local não atendido pela entrega domiciliar do correio e nos processos de execução. Sua validade está ligada à assinatura do réu ou de quem o represente no aviso de recebimento (CPC, art. 223, parágrafo único).

 

A jurisprudência tem adotado a teoria da aparência nas citações pelo correio, validando o recebimento da carta registrada por quem destinado pela pessoa jurídica ao recebimento das correspondências. Para tanto, basta o carimbo da empresa no local destinado ao recebimento, acompanhado da assinatura do funcionário incumbido da função. Tal teoria não tem sido aceita em casos de pessoa física residente em condomínio de apartamentos, não sendo válido o recebimento do aviso pelo porteiro ou outro funcionário.

 

POR OFICIAL DE JUSTIÇA (CPC, ARTS. 225 E 226)

 

Tem ela cabimento quando o autor não optar pela citação pelo correio, esta for frustrada ou nos casos vedados em lei.

 

O oficial de justiça, longa manus do juízo, recebe um mandado de citação, o qual deve conter obrigatoriamente os nomes do autor e do réu; seus domicílios; cópia da petição inicial; a advertência de que serão presumidos verdadeiros os fatos alegados pelo autor, caso não seja contestada a ação (desde que versando a lide sobre direitos disponíveis); a cominação pleiteada pelo autor, se houver; a data da audiência, se for o caso; a cópia do despacho determinando a citação; o prazo para a defesa e a assinatura do juiz.

 

Encontrado o réu pelo oficial de justiça, este lerá o mandado e entregará a contrafé, colhendo a assinatura do réu no mandado. Em caso de recusa do recebimento da contrafé ou aposição do ciente, deverá o oficial certificar o ocorrido no mandado, descrevendo fisicamente a pessoa do réu.

 

Essa certidão do oficial tem fé pública, contando com presunção relativa de veracidade. À parte interessada competirá a comprovação de eventual falsidade ou incorreção da certidão.

 

POR MEIO ELETRÔNICO

 

A Lei n. 11.419/2006 introduziu no sistema processual civil a possibilidade de a citação ser feita por meio eletrônico, na forma por ela estabelecida.

 

Tem ela cabimento em todas as demandas reguladas pelo Código de Processo Civil, inclusive em relação à Fazenda Pública.

 

O seu primeiro requisito de validade é a acessibilidade ao citando da íntegra dos autos que compõem a demanda para a qual está sendo chamado. A citação eletrônica deve disponibilizar ao réu o conhecimento integral da inicial, de todos os documentos que a instruíram e de todas as decisões e despachos até então proferidos.

 

O segundo requisito é que o requerido se encontre cadastrado junto ao tribunal responsável pelo feito. Enviada a citação ao requerido cadastrado, a qual poderá ser acompanhada de e-mail ao requerido comunicando o seu envio, tem ele o prazo de até dez dias corridos para efetivar a sua consulta eletrônica quanto ao teor da citação.

 

O prazo para a contestação começa a correr a partir do primeiro dia útil após a sua consulta à citação eletrônica. Caso essa consulta seja realizada em dia não útil, considerar-se-á efetuada no primeiro dia útil seguinte.

 

Se o requerido não efetuar a consulta em até dez dias, a citação será dada como feita no término desse prazo, iniciando-se o prazo para a sua resposta.

 

CITAÇÕES FICTAS OU PRESUMIDAS

 

Nestas espécies de citação não existe a certeza de que o ato tenha realmente chegado ao conhecimento do réu, sendo estabelecida simples presunção de seu conhecimento da existência da ação. Logo, não sofrerá o réu os efeitos da revelia, sendo obrigatória a constituição em seu favor de um curador especial, o qual passa a ter a incumbência de formular a sua defesa nos autos (defesa formal obrigatória — CPC, art. 9º, II).

 

POR EDITAL (CPC, ARTS. 231 A 233)

 

Tem cabimento sempre que o réu se encontre em lugar incerto (é impossível sua localização precisa na região em que se encontra), não sabido (total desconhecimento de onde se encontre o réu) ou nos casos expressos em lei (usucapião, inventário, divisória etc.).

 

São requisitos de validade do edital a afirmação do autor ou a certidão do oficial que ateste estar o réu em local incerto ou não sabido; a afixação do edital na sede do juízo e certificada pelo escrivão; a publicação do edital no prazo máximo de quinze dias, uma vez em órgão oficial e outras duas vezes em jornal local; e o prazo para contestar, variável de vinte a sessenta dias, conforme determinação judicial, passando a correr a partir da primeira publicação.

 

O autor responderá por perdas e danos se informar desconhecer o paradeiro do réu dolosamente, ensejando invalidamente a citação por edital.

 

 

POR HORA CERTA (CPC, ARTS. 227 A 229)

 

Por vezes o réu se furta à citação com o intuito de prejudicar o autor, que se vê impedido de formar a relação jurídica processual e obter a satisfação de seu direito. Então, permite a lei, nestas hipóteses extremas, ser ela realizada em outra pessoa que não o réu.

Para a validade da citação deve o oficial de justiça procurar o réu por três vezes em seu domicílio, em dias e horários diferentes, sem localizá-lo. Havendo suspeita de ocultação, o oficial deverá informar qualquer pessoa da família do réu, ou, na ausência destas, qualquer vizinho, do seu retorno no dia imediato para efetuar a citação, na hora que designar. No dia agendado, não encontrando o réu, efetuará a citação e deixará a contrafé com os familiares ou vizinhos, lavrando certidão pormenorizada de todos os atos e circunstâncias do evento. Por fim, feita a citação por hora certa, enviará o escrivão carta registrada ao réu dando-lhe ciência do ocorrido, mas sem necessidade de prova do efetivo recebimento.

 


 

EFEITOS

 

A citação válida tem o condão de gerar efeitos processuais (prevenção, litispendência e litigiosidade do objeto discutido em juízo) e materiais (constituição do devedor em mora), além de ser o ato marcante na retroação da interrupção da prescrição à data da inicial.

 

EFEITOS PROCESSUAIS

 

Prevenção, que é gerada pelo primeiro juiz a realizar a citação válida e que serve como solução do conflito entre juízes de competência territorial distinta (comarcas diversas), conforme já visto no Capítulo VI, item 21.

 

Litispendência, ou seja, a existência de duas ações idênticas em andamento. O primeiro processo a realizar a citação válida prossegue, sobrevindo a extinção dos demais.

 

Litigiosidade do objeto da demanda. Eventual alienação da coisa discutida em juízo, após a citação válida, é ineficaz para o processo, não gerando a alteração das partes e vinculando seu destino à futura sentença. A citação não torna o objeto do litígio inalienável.

 

Entretanto, o adquirente assume os riscos do eventual sucesso do alienante na ação, pois ele somente será o titular do objeto litigioso se este vencer a demanda. Ao adquirente se abre a possibilidade de adentrar ao processo na qualidade de assistente simples do alienante.

 

Os efeitos processuais da citação não serão gerados se ordenada por juízo absolutamente incompetente.

 

EFEITO MATERIAL

 

A citação tem o condão de constituir em mora o devedor de uma obrigação ex persona, surtindo os efeitos equivalentes a uma interpelação. Já as obrigações ex res têm sua mora caracterizada pelo simples vencimento da prestação.

 

 

PRESCRIÇÃO

 

A lei processual adota a data da distribuição da ação como marco interruptivo da prescrição. Muito embora a redação do caput do art. 219 leve a crer ser a citação válida o ato que marca esse efeito material, isto só ocorrerá na hipótese de sua não realização no prazo fixado em lei.

 

Ordenada a citação do réu, compete ao autor providenciar em cartório todo o necessário para o ato, no prazo de dez dias, não sendo prejudicado por eventual atraso gerado pela burocracia judiciária. O prazo de dez dias pode ser prorrogado por até o máximo de noventa dias. Realizada a citação neste período, a interrupção da prescrição será considerada como ocorrida na data da propositura da ação (efeitos retroativos). Não obtendo êxito o autor em citar o réu no prazo de noventa dias, a interrupção da prescrição só será considerada a partir do momento em que a citação se realizar validamente.

 

Os efeitos materiais (constituição em mora e interrupção da prescrição) são gerados mesmo quando ordenada a citação por juiz absolutamente incompetente.


 

 

INTIMAÇÃO E NOTIFICAÇÃO

O Código de Processo Civil não estabelece distinção entre notificação e intimação, limitando-se a utilizar a última expressão como gênero da comunicação dos atos processuais, ao invés de simples espécie (CPC, art. 234). A doutrina, entretanto, define a intimação como sendo a forma pela qual se dá ciência a alguém dos atos ou termos do processo (ato já praticado), enquanto a notificação é a comunicação da prática de um ato a ser realizado, convocando alguém para que faça ou deixe de fazer alguma coisa (ato futuro).

 


 

DA RESPOSTA DO RÉU

 

GENERALIDADES E ESPÉCIES

 

Uma vez efetuada a citação válida, a relação jurídica processual está completa, surgindo o ônus do réu de oferecer a defesa contra os fatos e direito sustentados pelo autor na inicial. É um ônus processual porque não está o réu obrigado a defender-se, já que lhe é facultado até mesmo o reconhecimento jurídico do pedido formulado pelo autor (CPC, art. 269, II). Entretanto, conforme se verá, a ausência de contestação à pretensão do autor importa na aplicação dos efeitos decorrentes da revelia (CPC, arts. 319 a 322).

 

Nosso Código de Processo Civil prevê três espécies distintas de defesa, quais sejam, a contestação, a exceção e a reconvenção.

 

No rito ordinário a resposta do réu será efetivada no prazo de quinze dias, contados a partir da juntada do mandado de citação aos autos, sempre sob a forma escrita e em petições autônomas. Havendo um litisconsórcio passivo, o prazo para resposta será comum, contado da citação do último corréu, e em dobro nos casos de réus defendidos em juízo por procuradores distintos (CPC, art. 191). Por fim, em eventual desistência com relação a algum réu ainda não citado, o prazo iniciar-se-á da publicação da decisão que a homologar.

 

Já no rito sumário só são possíveis a contestação, com eventual pedido contraposto, e a exceção, sendo vedado o cabimento de reconvenção. A resposta poderá ser formulada por escrito ou oralmente, em audiência de tentativa de conciliação. Ressalte-se que o mandado de citação deve ser juntado aos autos dez dias antes da audiência, a fim de possibilitar prazo razoável para a formulação da defesa.


 

CONTESTAÇÃO

 

É o ato pelo qual o réu resiste em juízo à pretensão do autor deduzida na inicial. É a defesa propriamente dita, consistente na antítese da tese até então existente nos autos, mediante a dedução de toda a matéria possível, e na exposição dos motivos de fato e de direito do porquê da resistência à pretensão. Considerando que o processo regula duas relações distintas e independentes, a primeira envolvendo o juiz e as partes, de cunho estritamente processual, e a segunda envolvendo apenas autor e réu, de natureza material, a contestação pode desenvolver defesas processuais e materiais.

 

CONTESTAÇÃO PROCESSUAL (DEFESA FORMAL OU PRELIMINAR DE MÉRITO)

 

Como já visto no capítulo da ação, todo juiz desenvolve dois raciocínios distintos ao julgar um processo. O primeiro consiste na análise do preenchimento dos requisitos formais de admissibilidade do mérito, concluindo pela existência ou não do direito de ação do autor e pela validade do processo desenvolvido. O segundo é juízo de mérito e consiste na apreciação do direito subjetivo material discutido nos autos. Logo, pode o réu questionar não só a carência do direito do autor a uma sentença de mérito, como também a existência, validade ou regularidade da relação jurídica processual e, por consequência, do próprio processo, como instrumento capaz de compor litígios.

 

Tais defesas processuais estão previstas no art. 301 e devem ser sempre alegadas antes da abordagem do mérito pela contestação (preliminar de contestação), subdividindo-se em defesas processuais dilatórias e peremptórias. Enquanto nas defesas peremptórias visa o réu a extinção do processo sem resolução de mérito, nas dilatórias busca ele apenas um retardo na marcha processual, um ganho de tempo. Vejamo-las em espécie:

 

a) Inexistência ou nulidade de citação (pressuposto de existência).

Como regra estamos diante de uma defesa dilatória, pois o comparecimento espontâneo e a regularização do vício geram o prosseguimento do processo. Toda alegação de falta de pressuposto processual, se constatada sua veracidade, não gera a imediata extinção do processo, mas sim a concessão de prazo para sua regularização. Somente após vencido tal prazo é que a defesa, a princípio dilatória, pode transformar-se em peremptória, como, por exemplo, no caso de alegação da nulidade de citação de litisconsorte necessário formulada por corréu, determinada a regularização pelo juízo e não realizada pelo autor no prazo fixado.

 

b) Incompetência absoluta (pressuposto de validade). Também de natureza dilatória, já que compete ao juízo absolutamente incompetente reconhecer o vício e determinar a remessa dos autos a quem deva julgar o processo e não extingui-lo. Saliente-se que a incompetência relativa tem forma própria de arguição prevista em lei, qual seja, a exceção, sob pena de prorrogação.

 

c) Inépcia da inicial. É peremptória, pois busca a extinção do processo, sem resolução de mérito (CPC, art. 267, I, c/c o art. 295, I, parágrafo único).

 

d) Perempção. Peremptória (CPC, art. 267, V).

 

e) Litispendência. Peremptória (CPC, art. 267, V).

 

f) Coisa julgada. Peremptória (CPC, art. 267, V).

 

g) Conexão. Defesa dilatória visando à reunião de dois ou mais processos para julgamento em conjunto, perante o juiz prevento, evitando decisões conflitantes.

 

h) Incapacidade da parte, defeito de representação ou falta de autorização (pressupostos processuais). Todas elas defesas dilatórias. Conforme já estudado, a falta de pressupostos processuais não gera a imediata extinção do feito, mas sim a concessão de prazo ao autor para a regularização. Somente após é que a defesa em tela pode transformar-se em defesa peremptória.

 

i) Convenção de arbitragem. Peremptória (CPC, art. 267, VII).

 

j) Carência de ação. Peremptória (CPC, art. 267, VI). A carência de ação ocorrerá toda vez que ausente alguma das condições da ação (legitimidade, possibilidade jurídica do pedido e interesse de agir).

 

k) Falta de caução ou de outra prestação (pressuposto de regularidade). Defesa a princípio dilatória, mas que poderá transformar-se em peremptória se não regularizado o feito pelo autor no prazo fixado. O exemplo típico de caução é a necessidade de o autor domiciliado no exterior, sem bens no Brasil, garantir o juízo das futuras e eventuais condenações às verbas de sucumbência.

 

Estas defesas processuais, com exceção da convenção de arbitragem, devem ser conhecidas de ofício pelo juiz, posto versarem sobre matéria de ordem pública, qual seja, a validade do instrumento estatal de composição de litígios da qual um agente político, o juiz, faz parte. Entretanto, nada impede que o réu levante, em preliminar de mérito, questões de natureza exclusivamente processual, impeditivas do conhecimento do mérito pleiteado pelo autor.

 

 


 

DEFESA DE MÉRITO

 

O réu pode também deduzir defesa contra os fatos constitutivos alegados pelo autor e seu pedido mediato, quando então teremos a defesa de mérito, respeitante exclusivamente ao direito material trazido com a inicial.

 

Rege-se por dois princípios:

 

a) Impugnação específica. Todos os fatos constitutivos do direito alegado pelo autor na inicial devem ser impugnados pelo réu em contestação, sob pena de transformarem-se em incontroversos e serem presumidos como verdadeiros. Fato não impugnado é equiparado a fato confessado, já que a ausência de controvérsia sobre sua veracidade tem o mesmo valor para o processo que a sua assunção expressa.

 

Existem apenas três exceções ao princípio:

 

I — se o fato não contrariado não comportar confissão;

 

II — quando o fato deveria ser provado por instrumento público juntado já com a inicial (CPC, art. 366); ou

 

III — se o fato não impugnado especificamente estiver em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.

 

Com base nesse princípio, a contestação por negativa geral só é facultada ao advogado dativo, ao curador especial, à Fazenda Pública e ao Ministério Público.

 

b) Eventualidade. Compete ao réu levantar em contestação todas as teses de direito possíveis e congruentes entre si, sob pena de preclusão. Formulada a contestação, eventual tese de direito não levantada no momento oportuno não poderá mais ser arguida pelo réu naquele processo.

 

Novamente o Código de Processo Civil abre três exceções a esse princípio, facultando nova chance ao réu de deduzir alegações de direito fora do momento da contestação quando:

 

I — forem relativas a direito superveniente (surgido no transcorrer da lide);

 

II — competir ao juiz conhecer delas de ofício (prescrição e decadência); e

 

III — por expressa disposição legal puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo (condições da ação, falta de pressupostos processuais de existência ou validade).

 

A defesa material ou de mérito pode ser classificada de duas formas:

 

a) Defesa de mérito direta. Nesta modalidade o réu se opõe diretamente ao fato constitutivo ou direito alegado pelo autor. Tal negativa nada traz de novo ao processo, apenas visa incutir no convencimento do juízo a inexistência do fato ou, muito embora este tenha existido, a inexistência do direito dele decorrente, como a consequente improcedência do pedido do autor.

 

Em sendo formulada uma defesa de mérito direta compete ao autor comprovar a veracidade dos fatos constitutivos, posto que contrariados pelo réu em sua resposta (ônus da prova de quem alega).

 

b) Defesa de mérito indireta. Ocorre no reconhecimento pelo réu da existência do fato jurídico alegado pelo autor, mas com sequente afirmação de algum fato novo, modificativo, extintivo ou impeditivo do direito deste. Como exemplos de fato extintivo do direito do autor temos as formas de extinção de obrigação, como o pagamento, a compensação, a novação etc. Como fato modificativo temos a compensação parcial. Por fim, como fato impeditivo temos, or exemplo, o não implemento de uma condição suspensiva ou termo inicial de uma obrigação.

 

A defesa indireta implica a assunção pelo réu da veracidade quanto aos fatos constitutivos do direito do autor, passando a ser seu o ônus de demonstrar a ocorrência do fato novo trazido na contestação (inversão do ônus da prova).

 


 

EXCEÇÃO

É forma de defesa (no sentido amplo) contra o órgão jurisdicional ao qual foi a causa distribuída, em virtude de possível parcialidade (impedimento ou suspeição) ou de incompetência relativa para julgar a demanda.

 

As exceções podem ser oferecidas a qualquer tempo ou grau de jurisdição, desde que observado o prazo de quinze dias, contado do fato ocasionador do vício.

 

EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA (EXCEÇÃO DECLINATÓRIA DE FORO)

 

A incompetência relativa é exceção exclusiva do réu, pois compete ao autor a escolha inicial do juízo territorialmente competente.

 

Deve ser oferecida em petição escrita, no prazo de quinze dias, contados da juntada do mandado de citação aos autos, sob pena de prorrogação, mesmo porque vedado o reconhecimento da incompetência relativa de ofício.

 

Uma vez oferecida e deferida pelo juiz, será autuada em apenso, com suspensão do processo até julgamento final em primeira instância. Caso seja ela manifestamente improcedente, não estando instruída na forma devida ou ausente indicação do juízo para o qual se declina, será a inicial indeferida in limine, hipótese em que não ocorrerá a suspensão do feito.

 

O excepto será intimado a manifestar-se no prazo de dez dias, seguindo-se instrução, se necessário, e prolação de decisão em igual prazo e remessa dos autos ao juiz competente, em havendo procedência da exceção.

 

EXCEÇÃO DE IMPEDIMENTO OU SUSPEIÇÃO

 

Os motivos de impedimento e suspeição estão previstos nos arts. 134 e 135 e devem ser objeto de reconhecimento de ofício pelo juiz.

 

O impedimento é vício de natureza objetiva, gerador da presunção absoluta de parcialidade e de nulidade insanável, motivadora de ação rescisória, caso não tenha sido reconhecido no processo de origem.

 

Ao juiz é defeso exercer suas funções no processo:

 

a) De que for parte.

 

b) Em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha. Visa evitar o pré-julgamento do juiz da causa em virtude do contato anterior com os fatos versados nos autos.

 

c) Que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão. Garante a isenção do juízo recursal, interessado que estaria em manter sua própria decisão.

 

d) Quando o advogado da parte for seu cônjuge ou qualquer parente seu, consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na colateral até segundo grau. Ponto interessante diz respeito a eventual impedimento do juiz em atuar em feito no qual sua concubina seja advogada de uma das partes. A melhor interpretação, muito embora o Tribunal Superior Eleitoral já tenha decidido pelo impedimento, é aquela que veda a extensão da norma proibitiva, não sendo lícito criar-se novo impedimento não previsto expressamente em rol legal taxativo. A solução encontra-se no reconhecimento de suspeição por motivo íntimo pelo próprio magistrado.

 

É importante frisar que, com relação ao advogado, só existe hipótese de impedimento, não havendo previsão legal de suspeição. Ademais, o impedimento só surge quando o advogado patrocinava a causa antes da assunção da presidência do processo pelo juiz. Caso contrário, é vedado ao advogado assumir patrocínio de causa ajuizada perante juiz que esteja dentro dos limites traçados pelo inciso IV.

 

e) Quando cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau. O impedimento em virtude de parentesco com a parte é idêntico ao do advogado, com extensão até o terceiro grau de parentesco na linha colateral.

 

f) Quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. O juiz tem hoje impedimento constitucional de exercer funções outras que não a judicatura, salvo uma única atividade docente.

 

A suspeição tem natureza subjetiva, dependendo de comprovação pela parte que a argui. São hipóteses de sua ocorrência quando:

 

a) O juiz for amigo íntimo ou inimigo capital da parte. Conforme já afirmado, a inimizade ou amizade com o advogado não gera qualquer suspeição, mesmo porque não é dele o interesse em discussão.

 

b) Alguma das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau.  Não é qualquer relação de crédito ou débito que torna a suspeita válida. Pelo contrário, numa sociedade em que o juiz mantém relacionamento comercial com instituições financeiras, cartões de crédito etc., impossível autorizar sua retirada do processo se eventual crédito ou débito não for suficiente para lhe atingir a imparcialidade.

 

c) For o juiz herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes. Também se exige que o benefício auferido pelo juiz seja capaz de torná-lo parcial.

 

d) O juiz receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou subministrar meios para atender às despesas do litígio.

 

Os procedimentos da exceção de impedimento ou suspeição são idênticos sempre que o juiz ou membro dos tribunais não se declarar suspeito ou impedido (CPC, art. 137).

 

A parte deverá especificar os motivos da recusa em petição escrita endereçada ao juiz da causa, com documentos e eventual rol de testemunhas. Ao despachar a inicial pode o juiz declarar-se impedido ou suspeito, ordenando a remessa dos autos a seu substituto legal. Caso contrário, no prazo de dez dias dará suas razões, também acompanhada de documentos e eventual rol de testemunhas, ordenando a remessa dos autos ao tribunal. Reconhecida a procedência da recusa, será o juiz condenado nas custas, remetendo-se os autos ao seu substituto legal.

 

Percebe-se que em ambos os casos o juiz assume a posição de parte da exceção, a qual, muito embora prevista como forma de defesa do réu, pode ser oferecida por qualquer das partes.

 


 

 

RECONVENÇÃO

 

Pelo princípio da economia processual, possibilita-se ao réu o ajuizamento de uma demanda contra o autor, aproveitando-se do processo já instaurado e desde que preenchidos os requisitos legais. É essa resposta mera faculdade do réu, funcionando como verdadeiro contra-ataque à inicial, cujo não exercício não impede a sua propositura como ação independente.

 

O prazo para a apresentação da reconvenção em juízo é simultâneo ao da contestação. Isso significa dizer que, uma vez apresentada a contestação no quinto dia do prazo para resposta, deve a reconvenção ser oferecida na mesma data, muito embora restem ainda dez dias para o seu escoamento, sob pena de preclusão consumativa.

 

São requisitos de admissibilidade da reconvenção:

 

a) Ser proposta contra um ou mais dos autores, mas nunca contra quem não seja parte original do feito. Logo, não comporta ela a extensão subjetiva dos polos do processo, limitando-se a demandar contra apenas um ou alguns de seus integrantes.

 

b) Ter conexão com a ação ou com o fundamento da defesa. A conexão decorre da identidade da causa de pedir ou do pedido. Já a conexão com o fundamento de defesa existe quando o réu-reconvinte deseja dar efeito ativo à sua tese de defesa, ou seja, pretende o reconhecimento por sentença do que alega como fundamento de sua contestação. Temos como exemplo a contestação em que se alega o descumprimento de um contrato por ser ele nulo (ausência de requisito formal) oferecendo-lhe reconvenção que pretenda a declaração da nulidade do instrumento.

 

c) A identidade de rito. A reconvenção só pode ser oferecida quando seguir o mesmo rito da ação principal.

 

d) A competência do juízo. A admissão da reconvenção demanda que o juízo da ação principal seja detentor de competência para a sua análise.

 

A inicial da reconvenção deve observar os mesmos requisitos de uma petição inicial comum (CPC, art. 282), em peça autônoma da contestação e juntada ao próprio processo já instaurado. O autor-reconvindo será intimado para contestá-la no prazo de quinze dias, seguindo o feito a partir daí com as duas demandas, para julgamento de ambas numa única sentença. Por fim, qualquer causa extintiva da ação não obsta o prosseguimento da reconvenção.

 

 


 

PONTOS POLÊMICOS

 

O instituto da reconvenção gera diversas interpretações jurisprudenciais, cumprindo ser analisadas as mais relevantes:

 

a) É vedada a emenda à reconvenção. Muito embora seja ela uma inicial autônoma, o que levaria a crer ser possível a sua correção após seu oferecimento, a exigência de simultaneidade com a contestação impede tal providência. Ademais, o indeferimento liminar da reconvenção não gera qualquer prejuízo ao réu-reconvinte, à medida que pode este ajuizar ação própria para a obtenção do mesmo resultado.

 

b) É incabível reconvenção de reconvenção. O art. 315 torna claro ser a reconvenção forma de defesa exclusiva do réu. O autor-reconvindo não se torna réu no processo, e como ele deve trazer todas as teses e alegações possíveis já na inicial, sob pena de preclusão (princípio da eventualidade), não se concebe venha a reconvir ao contra-ataque do réu. Ademais, o art. 316 afirma que o autor será intimado da reconvenção para contestar, negando qualquer outra forma de resposta prevista para o réu.

 

c) A regra geral é que a reconvenção não exime o réu de contestar a inicial. Muito embora seja a contestação a defesa correta contra a pretensão do autor e a sua ausência gere a incontrovérsia dos fatos alegados na inicial, em algumas hipóteses a reconvenção pode servir como substitutivo da própria contestação. Ela pode às vezes servir como forma de tornar controversos os fatos e o direito alegados pelo autor. É o exemplo típico do réu que se limita a reconvir postulando o despejo em ação consignatória de aluguel. Como o efeito da presunção da veracidade dos fatos não pode ser tido como absoluto, deve o juiz considerar a controvérsia no seu todo, incluindo a demanda principal.

 

d) Existem outras formas legais de contra-ataque ao autor distintas da reconvenção, como, por exemplo, as ações de caráter dúplice (possessórias e prestação de contas) e as que comportam apenas pedido contraposto (rito sumário).

 

As ações possessórias têm caráter dúplice, ou seja, possibilitam ao réu demandar em contestação a mesma proteção possessória solicitada pelo autor na inicial, surgindo a desnecessidade e o não cabimento da reconvenção (CPC, art. 922). Entretanto, a faculdade concedida ao réu na ação dúplice é menos ampla do que ocorre com a reconvenção, já que se limita à dedução de pretensão idêntica à contida na inicial (pedidos imediato e mediato), enquanto a segunda pode ser formulada havendo conexão pelo pedido ou causa de pedir ou até mesmo pelo fundamento de defesa.

Já o pedido contraposto é ainda mais restrito, posto que se faculta ao réu deduzir pretensão em contestação, desde que fundada na mesma causa de pedir fática trazida com a inicial. O Código de Processo Civil estabelece a possibilidade de pedido contraposto no rito sumário. O mesmo ocorre com o Juizado Especial Cível (Lei n. 9.099/95, art. 31).

 


 


 

 

DA FASE ORDINATÓRIA

 

Esta é a fase na qual o juiz analisa o processo e determina as providências necessárias para o julgamento conforme o estado do processo. Tais determinações nem sempre precisarão ser realizadas, configurando situações especiais no processo.


 

DA REVELIA

 

Findo o prazo para resposta do réu, o escrivão fará a conclusão dos autos ao juiz para que, no prazo de dez dias, sejam determinadas as providências preliminares necessárias (CPC, art. 324).

 

A primeira dessas providências é a constatação dos efeitos da revelia.

 

A revelia ocorre quando o réu não responde à citação, deixando de comparecer em juízo e oferecer resposta (conceito doutrinário). Entretanto, a revelia recebeu definição mais restrita no art. 319, o qual afirma sua ocorrência apenas quando o réu deixar de contestar a ação (conceito legal).

 

Tal distinção é de extrema relevância quando se analisam os dois efeitos da revelia.

 

PRESUNÇÃO DA VERACIDADE DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL

Este efeito não está propriamente ligado ao conceito correto de revelia (doutrinário), mas sim à ausência de contestação (revelia pelo CPC). A ausência de contestação faz com que os fatos constitutivos do direito do autor não se tornem controversos, gerando a presunção relativa de sua veracidade.

Mas não se mostra conceitualmente correto afirmar ser esse efeito próprio da revelia, pois até mesmo o réu não revel pode suportar a presunção de veracidade dos fatos não impugnados, ao oferecer contestação incompleta (princípio da impugnação específica). Reportamo-nos, ainda, à já explicada possibilidade de a reconvenção servir, em casos raros, como substitutivo da própria contestação.

Mesmo ausente a contestação, não induzirá a revelia à presunção de veracidade em três hipóteses (CPC, art. 320):

 a) havendo pluralismo de réus, algum deles contestar a ação;

b) o litígio versar sobre direitos indisponíveis; e

c) a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público que a lei considere indispensável à prova do ato (mesmo casos em que o princípio da impugnação específica não é aplicado).

 

 

DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO DOS ATOS DO PROCESSO

 

Este efeito, por sua vez, não está ligado à ausência de contestação pelo réu, mas sim ao seu não comparecimento ao processo, após a citação. Se, por exemplo, o réu opta apenas por oferecer uma exceção de incompetência relativa, deixando escoar o prazo para contestação, suportará o efeito da presunção de veracidade, mas jamais poderá deixar de ser intimado dos atos do processo ao qual compareceu. Tanto isso é verídico que o próprio art. 322, em seu parágrafo único, autoriza a entrada do réu no curso do processo, recebendo-o no estado em que se encontra. Se o réu não contestante pode afastar sua revelia pelo comparecimento superveniente, passando a ser intimado dos atos processuais subsequentes, o que dizer daquele que opta por responder à citação não pela contestação, mas por qualquer outra das formas de defesa ou apenas pela juntada de procuração de advogado constituído nos autos?

 

Ao autor é vedada a alteração da causa de pedir, do pedido ou o ajuizamento de declaração incidente se o réu for revel, salvo se providenciar nova citação, com novo prazo para resposta (CPC, art. 321). Em não sendo caso de aplicação dos efeitos da revelia, determinará o juiz ao autor a especificação de provas.

 

DECLARAÇÃO INCIDENTE

 

Toda vez que houver dúvida quanto à existência ou inexistência de relação jurídica, abre-se a possibilidade de o interessado ajuizar ação de cunho meramente declaratório para obter do Judiciário a declaração da certeza (CPC, art. 5º).

 

Para o réu, pretendendo ele a declaração referida, deve formulá-la através da reconvenção, defesa própria à obtenção de um provimento jurisdicional pelo requerido.

 

Para o autor, por sua vez, a dúvida pode surgir em decorrência da contestação do réu, na qual este se insurge contra o direito que constitui o fundamento do pedido. Nessa hipótese, autoriza o art. 325 que o autor, no prazo decadencial de dez dias, contados da intimação da juntada da contestação aos autos, requeira ao juiz a declaração da existência ou da inexistência do direito controverso, se dela depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide. Tal requerimento independe de forma legal, funcionando como uma espécie de aditamento posterior à inicial, em decorrência da contestação apresentada, sendo processada dentro dos próprios autos, com sentença única solucionando as duas pretensões.

 

Pesar da clareza do referido artigo, a jurisprudência tem aceito a formulação de declaração incidente pelo réu tanto por motivo preexistente como posterior à contestação. Entendemos não ser essa a melhor conduta, pela complicação de duas ações propostas pelo réu contra o autor (reconvenção e declaração incidente), ainda mais quando a lei estipula forma condizente com a pretensão declaratória do réu, qual seja, a reconvenção. Ademais, nada impede que as partes, não observada a forma restrita prevista no Código, façam uso de ação declaratória autônoma, a qual seria reunida para julgamento em conjunto com a principal, por força da conexão. Tal equivocada interpretação tem implicado exigir da parte que requer a declaração incidente verdadeira propositura de ação incidental, com inicial observando os requisitos do art. 282, como se fosse possível, além da reconvenção do réu e da declaração incidente facultada ao autor, comportar o processo, a qualquer momento, o ajuizamento de nova ação, processada em seu próprio bojo.

 


 

 

DOS FATOS IMPEDITIVOS, MODIFICATIVOS OU EXTINTIVOS DO DIREITO DO AUTOR (CPC, ART. 326)

 

É equivocado pensar ser a réplica do autor à contestação do réu ato obrigatório do processo. Pelo contrário, somente nas hipóteses expressamente previstas em lei é possível falar-se em vistas ao autor para manifestação sobre a resposta do réu.

 

A primeira delas é justamente a defesa de mérito indireta, já objeto de estudo (Capítulo XIX, item 68.2). Uma vez formulada, deve o juiz conceder o prazo de dez dias para manifestação do autor.


 

 

DAS ALEGAÇÕES DO RÉU

 

A segunda hipótese de réplica é a formulação pelo réu de defesas processuais (preliminares de mérito — CPC, art. 301).

 

Podemos concluir ser a réplica fruto das providências preliminares e da análise do teor da contestação. Ainda é possível constatar que a permissão para juntada de documentos diz respeito àqueles necessários à contraposição das alegações da contestação e não aos que deveriam ter acompanhado a inicial (documentos essenciais).

 

O art. 327 ainda impõe ao juiz a determinação do necessário para, se possível, sanar irregularidades ou nulidades relativas, fixando prazo não superior a trinta dias para tal fim.


 

 

DO JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO

CONCEITO

 

Vencida a fase das providências preliminares ou não sendo elas necessárias, passará o juiz ao julgamento conforme o estado do processo, consistente no raciocínio sobre a necessidade de provas (saneamento do feito) ou na possibilidade de se proferir desde já uma sentença que ponha fim ao processo, seja extinguindo-o sem resolução de mérito (decisão meramente terminativa), seja abordando a relação jurídica de direito material (decisão definitiva).

 


 

 

DA EXTINÇÃO DO PROCESSO

 

Vislumbrando o juiz alguma das hipóteses do art. 267 do Código de Processo Civil, deve extinguir o processo desde logo, por não se justificar o prosseguimento do feito que carece de algum dos requisitos de admissibilidade do mérito da lide (sentença terminativa).

 

Da mesma forma, tendo ocorrido alguma das formas de autocomposição, decadência ou prescrição, previstas no art. 269, de II a V, deve o juiz desde logo extinguir o processo, com resolução de mérito (decisão definitiva). Ressalte-se que em todos esses casos não existe o normal exercício da jurisdição, com aplicação do direito ao caso concreto pelo juiz, mas sim formas alternativas de composição de litígio (vide Capítulo XIV, item 53.2), demonstrativas da desnecessidade de produção de provas.


 

 

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

 

Vimos serem todas as hipóteses de extinção do processo previstas nos arts. 267 e 269, II a V, geradoras de simples decisão declaratória de extinção do processo (CPC, art. 329).

 

Entretanto, por vezes o processo preenche todos os requisitos de admissibilidade de mérito, não comportou nenhuma forma de autocomposição, não estão presentes os fenômenos da prescrição e decadência e prescinde de produção de provas em audiência. Nestes casos deve ele contar com o proferimento de uma sentença de mérito propriamente dita, através do desenvolvimento do raciocínio lógico do julgador ante as alegações e provas documentais roduzidas pelas partes (tutela jurisdicional).

 

Essa decisão pode, em alguns casos, ser proferida sem que haja no processo a fase probatória autônoma, surgindo o que conhecemos como julgamento antecipado da lide, ou julgamento de mérito antecipado.

 

São três as hipóteses permissivas, previstas no art. 330 do Código de Processo Civil:

 

a) Quando a questão de mérito for unicamente de direito. Pode uma demanda não ter controvérsia com relação aos fatos, pois o réu concorda com a descrição dos acontecimentos trazidos com a inicial, limitando-se a discordar quanto à interpretação jurídica dada pelo autor e suas consequências de direito material. Deve o juiz, portanto, proferir desde já sentença definitiva, aplicando o direito aos fatos incontroversos entre as partes, pondo fim ao litígio.

 

b) Quando a questão é de direito e de fato, mas não demanda produção de prova em audiência ou perícia. A fase probatória, conforme se verá, tem como finalidade a produção de prova oral e pericial, já que a documental deve ter sido produzida nos autos antes da fase do julgamento antecipado da lide. Portanto, se os documentos juntados aos autos ou a própria lei, através do estabelecimento de presunções, já são suficientes para formar o convencimento do juiz, deve o processo receber imediata sentença definitiva.

 

c) Quando ocorrer a revelia. Caso se tornem incontroversos os fatos narrados nos autos e não sendo a questão submetida a juízo uma das exceções do art. 320, comporta o processo julgamento antecipado.


 

 

SANEAMENTO DO PROCESSO

 

Em demandando o feito prova oral ou pericial e vedadas as hipóteses de sua extinção ou de julgamento antecipado da lide, mister se faz o saneamento do processo, ato pelo qual o juiz fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas. Interessante notar que a intimação para comparecimento à audiência do art. 331 implica afirmar às partes que suas questões processuais não serão objeto de acolhimento, muito embora a fundamentação do porquê só seja dada no ato futuro designado pelo juiz, pois, caso contrário, estaríamos diante de uma das hipóteses de extinção do processo (CPC, art. 329).

 

O saneamento do processo pode ser realizado de duas formas:

 

a) Pela audiência do art. 331 do Código de Processo Civil. Versando a lide sobre direitos disponíveis, designará o juiz audiência de conciliação, no prazo máximo de trinta dias, à qual deverão comparecer as partes ou seus procuradores, com poderes para transigir.

 

Muito embora alguns doutrinadores a vislumbrem como obrigatória, essa audiência só tem lugar e cabimento quando não presente alguma das hipóteses de julgamento antecipado ou extinção do processo, conforme pacífica interpretação jurisprudencial.

 

Instaurada a audiência tentará o juiz obter a conciliação das partes, a qual, sendo frutífera, será tomada por termo e homologada por sentença. Não sendo esta possível, compete ao juiz, ainda oralmente em audiência, afastar as preliminares de mérito, fixar quais são os pontos controversos da lide e sobre os quais recairá a prova a ser realizada, distribuindo seu ônus.

 

b) Por escrito. Toda vez que o direito em litígio não admitir transação, deve o juiz sanear o feito desde logo, independentemente de audiência, ordenando a produção de provas. No mesmo sentido, se as circunstâncias da causa indicarem ser improvável a obtenção da transação, faculta-se ao juiz o saneamento por escrito.

 


 

TEORIA GERAL DAS PROVAS

CONCEITO

 

Provas são os elementos de convicção do julgador, produzidos nos autos para tentar demonstrar a veracidade dos fatos alegados pelas partes (CPC, art. 332). Além dos exemplos de meios de prova elencados pelo Código (documental, oral, pericial e inspeção judicial), todos os legais ou moralmente legítimos são admitidos no processo civil.

 

Nesse aspecto, o estudo referente à prova obtida de forma ilícita é de fácil interpretação no processo civil. Se hoje é pacífica a aplicação da teoria da proporcionalidade às provas obtidas de forma ilícita no direito penal, através da análise dos bens em jogo e conclusão pela sua admissibilidade ou não conforme mais relevante for o interesse tutelado pela prova, no processo civil, considerando ser esse instrumento de composição de litígios privados, sempre a ilicitude da prova será superior ao interesse que ela pretende tutelar. Nem mesmo diante da coletivização dos interesses (consumidor) ou em caso de indisponibilidade do direito (incapazes) mostra-se possível utilizar prova obtida mediante a violação das garantias constitucionais do cidadão.


 

 

 

OBJETO DA PROVA

 

Como regra quase absoluta deve a prova ter como objeto os fatos alegados pelas partes. Entretanto, a lei dispensa, por desnecessária, a prova relativa aos fatos notórios (de conhecimento do homem médio), os afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária (a confissão é o reconhecimento da veracidade dos fatos alegados pela parte adversa), os admitidos como incontroversos no processo (seja em decorrência da confissão real, seja através dos efeitos da revelia ou inobservância da impugnação específica) e os em cujo favor milita presunção de existência ou veracidade (sistema de prova legal, em que a lei estipula qual a prova a ser feita na espécie) (CPC, art. 334).

 

Ademais, deve o fato objeto da prova ser dotado de duas características essenciais, quais sejam, a relevância e a pertinência.

 

A relevância é de natureza subjetiva e está ligada ao que deimportante para o julgador proferir sentença. É importante ao juiz singular ter em mente não ser ele o único destinatário da prova, ante a probabilidade efetiva de sua decisão ser recorrida pelas partes, surgindo sempre a necessidade de não se indeferir prova possivelmente relevante a outro agente que receberá o processo em grau de recurso, sob pena de cerceamento de defesa. Tal circunstância ocorre comumente em ações nas quais uma das teses jurídicas sustentáveis não demanda dilação probatória (p. ex.: ocorrência de prescrição ou não em seguro por acidente de trabalho), enquanto a outra dependerá de produção de prova relevante para a sua conclusão (perícia médica da incapacidade). Mesmo que o juiz singular entenda estar prescrita a ação, deve realizar a prova pericial, sob pena da instância superior, entendendo de forma diversa, ver-se impossibilitada de proferir julgamento, gerando o retardo desnecessário no processo.

 

A pertinência, por sua vez, é de análise objetiva, estando preenchida toda vez que a prova for recair sobre fato constitutivo do direito do autor ou sobre os fatos modificativos, impeditivos ou extintivos desse direito, trazidos com a defesa de mérito indireta.

 

PROVA SOBRE DIREITO

 

O art. 337 estipula os casos em que o juiz poderá determinar a prova de teor e vigência do direito alegado pela parte. São os casos de pretensão fundada em direito estrangeiro, estadual, municipal ou consuetudinário.

 

A vastidão legislativa em nosso país por vezes torna impossível ao juiz o conhecimento de leis e normas de conduta de Estados e Municípios diversos daqueles onde exerce a jurisdição, competindo à parte interessada trazer cópias autenticadas ou certidões dos entes públicos, a fim de demonstrar a existência da lei ou direito em que se funda sua pretensão, assim que determinado. Não se pode negar a extrema dificuldade da prova de vigência da lei estadual ou municipal ante o fenômeno da revogação tácita, competindo à parte adversa trazer aos autos a lei superveniente que entende ter retirado a força vigente da anterior.

 

O direito estrangeiro deverá ser provado mediante a juntada de documentos, com tradução juramentada, seguindo, no restante, as mesmas regras acima enunciadas.

 

 

Por fim, o direito consuetudinário (costumes) demanda prova eminentemente oral, surgindo a possibilidade de designação de audiência de instrução a fim de que o interessado demonstre o costume embasador de sua pretensão.


 

 

FINALIDADE E DESTINATÁRIO DA PROVA

 

Toda a prova produzida nos autos tem como destinatário o juiz da causa e como finalidade a formação de seu convencimento. A ampla defesa visa justamente assegurar a utilização pelas partes de todos os meios legais à obtenção de uma sentença favorável, passando rigorosamente pela produção das provas necessárias à consecução desse fim.

 

Essa qualidade de destinatário exige do juiz a análise da pertinência, relevância e necessidade da prova a ser realizada, impondo, por outro lado, que o julgamento seja proferido apenas com base naquelas produzidas nos autos, vedada a decisão pelo conhecimento próprio do julgador dos fatos em litígio (o que não está nos autos não está no mundo).


 

 

ÔNUS DA PROVA

 

O art. 333 estabelece as regras gerais relativas à distribuição do ônus da prova, partindo da premissa básica de que quem alega deve provar a veracidade do fato. Dessa forma, impõe-se ao autor a comprovação dos fatos constitutivos de seu direito, enquanto do réu exige-se a prova dos modificativos, impeditivos ou extintivos do direito do autor.

 

O Código de Processo Civil possibilita a convenção das partes em contrato a respeito da distribuição do ônus da prova, salvo se recair o acordo sobre direito indisponível ou tornar excessivamente difícil o exercício do direito pela parte (prova diabólica).

 

Não raramente estipula o legislador a inversão das regras do ônus da prova, procurando facilitar a defesa do direito de uma das partes em litígio, tais como no Código de Defesa do Consumidor ou em diversos casos de responsabilidade civil (p. ex.: transporte ferroviário).

 

O Código do Consumidor exige, em seu art. 6º, dois requisitos para a inversão do ônus da prova:

 

a) Hipossuficiência. Elemento de difícil definição, não decorre simplesmente da condição de consumidor, mas sim da análise da desproporcionalidade na relação existente entre quem presta o serviço ou produto e aquele que o adquire ou o recebe.

 

b) Verossimilhança. É o juízo de probabilidade da alegação deduzida pela parte ser verdadeira, mediante a aplicação das máximas de experiência.

A soma desses dois critérios (hipossuficiência + verossimilhança) permite a inversão do ônus.

 

Outro ponto relevante é a fixação do momento em que esta inversão deve ser feita, existindo três correntes doutrinárias.

 

A primeira afirma ser a inversão necessária desde a inicial. A crítica que se tece a esse entendimento repousa no fato de a análise dos requisitos da hipossuficiência e erossimilhança ser feita de forma unilateral, sem o devido contraditório, com base apenas nas alegações do autor. Ademais, antecipar o juízo de como o ônus da prova será distribuído, sem se ter conhecimento até mesmo quanto à necessidade de prova oral ou pericial, é precipitar a decisão.

 

A segunda, contando com seguidores de peso, afirma ser a inversão do ônus da prova mera regra de julgamento, aplicável quando do sentenciamento e apenas se necessária para a solução da lide. Respeitado tal posicionamento, não se mostra justo desenvolver toda a atividade probatória sem que as partes tenham conhecimento de quais são seus ônus e sobre quais fatos devam produzir os elementos de convicção do juiz, podendo ser surpreendidas ao final pela sentença.

 

A terceira, que entendemos justa e correta, fixa como momento de análise da inversão o saneamento do processo, ato no qual deverá o juiz fixar os pontos controversos e indicar às partes aquem compete a demonstração da veracidade dos fatos. É a única forma de outorgar validade ao procedimento, impondo desde o início da fase probatória os ônus processuais e levando ao conhecimento das partes o porquê da admissibilidade ou não da inversão.

 

Também no campo do ônus probatório relevante se torna o estudo das presunções, consistente nas conclusões lógicas decorrentes de um fato base incontroverso. São elas de duas formas:

 

a) Presunção legal. É aquela previamente prevista em lei. Subdivide-se em absoluta (iure et de iure), a qual não admite prova em contrário, e relativa (iures tantum), que comporta prova em contrário, ou seja, sinônimo de inversão do ônus da prova.

 

b) Presunção “hominis”. Não decorre da lei, mas sim da aplicação das máximas de experiência pelo juiz (CPC, art. 335). Estas são obtidas através da observação do que ordinariamente acontece no mundo jurídico, na falta de normas jurídicas específicas do caso em análise.


 

 

MOMENTOS DA PROVA

 

O processo de requerimento e deferimento das provas apresenta-se da seguinte maneira:

 

a) Proposição ou requerimento da prova. Como regra, para o autor a prova deve ser requerida na inicial e para o réu, na contestação.

 

Exceções ocorrem quando é trazido fato novo em contestação, possibilitando ao autor requerer provas em réplica, ou no surgimento de fato superveniente no curso do processo.

 

Questiona-se muito na doutrina quanto à atividade probatória do juiz no processo. A resposta situa-se entre a necessária imparcialidade do juiz e a busca da justiça pelo processo.

 

Quanto mais o juiz age de ofício na atividade probatória, mais se afasta da imparcialidade, na medida em que supre os ônus impostos às partes. De outro lado, quanto mais inerte permanece, mais se distancia da verdade real e da justiça de sua decisão. A conclusão atual é a demanda de um juiz mais ativo que outrora, muito embora deva agir com extrema cautela para não violar a exigida equidistância daquele que irá julgar as pretensões das partes, atuando sobretudo numa atividade supletiva a estas (determinação de segunda perícia, oitiva de testemunhas referidas etc.), e não só determinando de ofício realização de prova não requerida pela parte.

 

b) Admissão. Juízo quanto ao cabimento, pertinência, relevância e necessidade da prova. Como regra tem lugar na fase do saneamento do processo, muito embora a admissibilidade dos quesitos ao perito ocorra quando da sua formulação pelas partes nos autos e cada repergunta à testemunha passe pelo crivo de admissão do juiz presidente da audiência.

 

c) Produção. Momento em que a prova adentra ao processo, visando formar o convencimento do juízo. A prova pericial é produzida por escrito, mediante a apresentação de um laudo pelo expert. Já a testemunhal é produzida em audiência.

 

d) Valoração. É a atribuição do valor da prova produzida pelo juiz em sentença. São três os critérios conhecidos para valoração da prova:

 

d.1) Prova legal. É a própria lei quem fornece o valor da prova, não outorgando ao juiz discricionariedade ao julgar. Muito embora seja um sistema em desuso, nosso Código de Processo Civil ainda traz alguns resquícios de prova legal quando impede a prova exclusivamente testemunhal em contratos verbais com valor superior a dez salários mínimos, fixa limite máximo de dez testemunhas por processo etc.

 

d.2) Convicção íntima. Nosso sistema constitucional veda expressamente o julgamento não fundamentado, com base apenas na convicção íntima. Por isso a existência do impedimento previsto no art. 134, III, e o contido no art. 409, I. A única exceção, também de nível constitucional, é o julgamento soberano do Tribunal do Júri, em que o jurado não é obrigado a fundamentar o porquê de sua conclusão quanto à autoria e materialidade do delito doloso contra a vida.

 

d.3) Livre convencimento motivado (persuasão racional). É exigência constitucional que toda decisão seja devidamente motivada pelo que consta dos autos, limitada ao pedido formulado pela parte, eobtida mediante a aplicação das regras processuais formais. É o sistema adotado pelo ordenamento pátrio.


 

 

 

DEPOIMENTO PESSOAL

CONCEITO E PROCEDIMENTO

 

Depoimento pessoal é a prova requerida pela parte adversa, visando a obtenção da confissão sobre os fatos controversos.

 

Sua admissibilidade está ligada à possibilidade de o fato ser objeto de confissão, não ocorrente quando for exigido documento público como substância do ato (CPC, art. 366), quando versar sobre direitos indisponíveis (CPC, art. 351) ou quando se tratar de representante de pessoa jurídica de direito público, o qual não detém o poder de dispor do interesse público.

 

O momento de seu requerimento é o da inicial, para o autor, e o da contestação, para o réu. Sua admissibilidade é feita no saneador; sua produção, em audiência de instrução e julgamento (CPC, art. 343).

 

Deferido o depoimento pessoal, será a parte intimada pessoalmente, constando do ato que se presumirão confessados os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, se recuse a depor. A parte intimada que deixar de comparecer ou se recusar a depor sofrerá a aplicação da pena de confissão.

 

O depoimento pessoal será tomado da mesma forma prevista para a inquirição de testemunhas, sem a presença das partes que ainda não depuseram nos autos e com perguntas apenas do advogado da parte adversa. A parte que deixar de responder ou empregar evasivas poderá suportar a pena de confissão em sentença, mediante a apreciação das demais circunstâncias e elementos de prova dos autos.

 

A parte não é obrigada a depor sobre fatos criminosos ou torpes a ela imputados e a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo, salvo se versar a demanda sobre ações de filiação, separação ou divórcio, anulação ou nulidade de casamento.

 

O depoimento poderá ser produzido e armazenado de modo integralmente digital e em arquivo eletrônico inviolável, sendo assinado digitalmente pelo juiz, escrivão e advogados das partes. Eventuais contradições na transcrição deverão ser suscitadas oralmente, no momento da realização do ato, sob pena de preclusão, devendo a decisão ser proferida de plano, com registro das alegações e decisão no próprio termo de audiência.


 

 

DIFERENÇA ENTRE INTERROGATÓRIO JUDICIAL E DEPOIMENTO PESSOAL

 

O art. 342 faculta ao juiz, em qualquer momento do processo, determinar o interrogatório das partes, ato este diverso em sua finalidade e consequências do depoimento pessoal.

 

O interrogatório não é propriamente uma modalidade de prova, mas sim meio de convencimento do juiz, o qual não visa a obtenção de confissão. Portanto, a ausência da parte intimada para interrogatório não gera a aplicação da pena de confissão.


 

CONFISSÃO

 

Confissão é o ato pelo qual a parte admite a verdade de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao adversário (CPC, art. 348).

 

Pode ser:

 

a) extrajudicial, quando formulada fora do processo, através de forma escrita ou oral, perante a parte contrária ou terceiros; e

 

b) judicial, que pode ser provocada (depoimento pessoal) ou espontânea (CPC, art. 349).

 

Ambas têm a mesma validade e eficácia probatória, desde que a extrajudicial seja feita por escrito à parte ou a quem a represente. Seus efeitos podem ser rescindidos por ação anulatória, se ainda pendente o processo, ou por rescisória, contanto que seja a confissão o único fundamento da sentença desfavorável ao confitente.

 

A confissão é indivisível, não podendo a parte beneficiada aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável (CPC, art. 354).

 

Por fim, eventual retratação no próprio processo não invalida a confissão anteriormente firmada, sendo ambas elementos de prova cujo valor será atribuído em sentença pelo julgador.


 

 

 

PROVA DOCUMENTAL

CONCEITO

 

É qualquer coisa capaz de demonstrar a existência de um fato.

 

Ultrapassa o conceito de documento a prova escrita, sua forma mais comum de apresentação. É considerada a prova mais forte do processo civil, apesar de o princípio da persuasão racional facultar ao juiz o seu afastamento pelos demais meios (testemunhal e pericial) produzidos nos autos.

 

Fazem a mesma prova que os originais:

 

a) os traslados e as certidões extraídas por oficial público, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas;

 

b) as cópias reprográficas do próprio processo judicial declaradas autênticas pelo próprio advogado sob sua responsabilidade pessoal (de vital importância no agravo, em que hoje as peças que formam o instrumento já não demandam autenticação pelo cartório ou secretaria judicial);

 

c) os extratos digitais de bancos de dados, públicos e privados, desde que atestados pelo seu emitente, sob as penas da lei, que as informações conferem com o que consta na origem; e

 

d) as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados, públicos ou privados. Neste caso os originais devem ser preservados pelo seu detentor até o prazo final para ajuizamento da ação rescisória.


 

 

DOCUMENTO PÚBLICO

 

É o escrito que goza de fé pública não só da sua formação, mas também dos fatos ocorridos na presença da autoridade perante a qual foi ele lavrado. Dessa forma, estabelece uma presunção relativa de veracidade do que nele consta, extensível às certidões, traslados e suas reproduções fiéis, desde que provenientes da autoridade administrativa respectiva e atingível apenas mediante a declaração de falsidade material do documento. Enquanto permanecer íntegro em sua formalidade, não pode o juiz decidir contra o que dele consta. E até mesmo sendo incompetente a autoridade, o documento público, embora perca a presunção de veracidade, tem plena validade como documento particular.

 


 

 

DOCUMENTO PARTICULAR

 

Documento particular é aquele emitido sem a participação de um oficial público, vinculada sua força probante à sua natureza e conteúdo.

 

A assinatura do documento particular faz presumir ser o conteúdo do documento emanado de quem a apôs, independentemente da forma de sua confecção. O “ciente” é mera declaração de conhecimento quanto à existência do documento, sem implicar reconhecimento de validade de seu conteúdo. Já a assinatura lavrada à frente do escrivão, autenticada por este, faz presumir ser autêntico o documento.

 

O mesmo acontece com o documento sem reconhecimento de firma juntado aos autos e não impugnado no que se refere à assinatura ou conteúdo, no prazo de dez dias contados da intimação, salvo se em posterior alegação a parte deduzir algum dos vícios de consentimento (erro, dolo ou coação — CPC, art. 372, parágrafo único). Não havendo dúvida quanto à sua autenticidade, o documento particular prova que o seu autor fez a declaração que lhe é atribuída (CPC, art. 373).


 

 

FALSIDADE DE DOCUMENTO

 

O documento é presumido autêntico, salvo no caso de rasuras, borrões, entrelinhas e emendas (CPC, art. 386). Essa presunção só será considerada cessada se declarada judicialmente a falsidade documental (CPC, art. 387).

 

No que se refere à assinatura firmada, entretanto, basta à parte interessada contestá-la para gerar a suspensão da presunção de autenticidade, competindo a quem juntou o documento aos autos a prova de sua veracidade (CPC, art. 388, I).

 

Para retirar a força probante do conteúdo de um documento cuja autenticidade da assinatura não se discute, compete à parte alegar dois vícios distintos:

 

a) o primeiro, respeitante à discordância entre sua vontade e o que consta do conteúdo do documento (falsidade ideológica), motivador de ação anulatória autônoma, fundada em um dos vícios de consentimento (erro, dolo ou coação), e nunca de declaração de falsidade;

 

b) o segundo, de natureza formal, consistente em formar documento não verdadeiro ou alterar documento verdadeiro (CPC, art. 390).

 

São eles sempre objeto de incidente de falsidade.

 

É esta arguição de falsidade verdadeira declaração incidente, processada no bojo e com suspensão do processo (CPC, art. 394).

 

Observação relevante é a autorização legal de retirada dos autos do documento acusado de falso pela parte que o juntou, desde que contando com a concordância da parte adversa (CPC, art. 392, parágrafo único).

 

Finda a instrução necessária à apuração do falso, o juiz sentenciará o incidente, declarando ou não a invalidade do documento. Desta decisão, considerando o prosseguimento do processo, é cabível o recurso de agravo.


 

 

PRODUÇÃO DA PROVA DOCUMENTAL

 

A prova documental tem seus momentos de produção fixados para a petição inicial e contestação, abrindo o Código de Processo Civil chance para juntada de documento novo no curso da lide, considerando assim aquele não existente à época da inicial ou da contestação ou só levado ao conhecimento da parte após vencido esse momento.

 

Entretanto, a jurisprudência tem mitigado o rigor da lei, pacificando-se no sentido de só serem exigidos nos momentos referidos os documentos essenciais à propositura da ação e à contestação, deixando ao arbítrio do juízo (CPC, art. 130) a análise da conveniência da relevância e pertinência da nova prova. O entendimento corrente é impedir apenas a juntada de documento ocultado de forma maliciosa pela parte.

 

Este posicionamento vem de encontro à busca, cada vez maior, da verdade real e sua correspondência com a aplicação da Justiça, mesmo no processo civil.

 

Por fim, determinados documentos pertencentes ao Poder Público não podem ser obtidos diretamente pelas partes, detendo o juiz o poder e dever de requisitá-los se assim requerido nos autos (CPC, art. 399). O fornecimento desses documentos poderá ser feito por meio eletrônico, certificando tratar-se de extrato fiel do que consta em seu banco de dados ou documento digitalizado.


 

PROVA TESTEMUNHAL

CONCEITO

 

Testemunha é o terceiro, estranho e isento com relação às partes, que vem a juízo trazer as suas percepções sensoriais a respeito de um fato relevante do qual tem conhecimento próprio.

 

A prova testemunhal é sempre admissível, salvo se a lei dispuser de modo contrário. Considerando ser o homem falho na captação de suas percepções, o legislador trata a prova testemunhal com o resguardo necessário, sendo esse o campo de maior incidência do sistema da prova legal no Código.

 

Tal cautela se reflete em inúmeras restrições à sua admissibilidade, tais como:

 

a) quando o fato já for provado por documento ou confissão da parte;

 

b) se só por documento ou perícia puder o fato ser provado (CPC, art. 400);

 

c) na comprovação de contratos de valor superior ao décuplo do salário mínimo (CPC, art. 401), salvo se existente início de prova documental;

 

d) fixando o limite máximo de dez testemunhas no total e três para cada fato controverso, podendo o juiz dispensar o excesso; e

 

e) determinando a inadmissibilidade para provar pagamento e remissão (CPC, art. 403).

 

 


 

 

A TESTEMUNHA

 

É requisito essencial para ser testemunha a isenção e a capacidade sensorial de percepção dos fatos ocorridos.

 

O art. 405 estipula as hipóteses em que algum desses requisitos se encontra ausente, impossibilitando a oitiva da pessoa como testemunha.

 

São incapazes de prestar depoimento:

 

a) o interdito por demência;

 

b) os doentes mentais que não possuam capacidade perceptiva no momento dos fatos ou na época de sua oitiva em audiência;

 

c) o menor de 16 anos; e

 

d) o cego e o surdo, quando a ciência do fato depender dos sentidos faltantes.

 

São impedidos (objetivo) de depor:

 

a) o cônjuge, ascendente e descendente, em qualquer grau ou colateral até o terceiro grau, salvo se o exigir o interesse público ou, em questão de estado, não possa o juiz obter a prova de outra maneira;

 

b) o que é parte na causa;

 

c) o que intervém como tutor ou representante legal da pessoa jurídica; e

 

d) o juiz, advogado e outros que tenham assistido ou assistam à parte.

 

São suspeitos (subjetivo):

 

a) o condenado por crime de falso testemunho;

 

b) o que por seus costumes não for digno de fé;

 

c) o inimigo capital ou amigo íntimo da parte; e

 

d) o que tiver interesse no litígio.

 

O § 4º autoriza a oitiva dos impedidos e suspeitos como informantes do juízo, sem o compromisso legal de dizer a verdade, demonstrada a absoluta necessidade. Tal permissão tem sido estendida aos incapazes, principalmente os menores de 16 anos, conforme indique a peculiaridade do caso concreto.

 

A parte pode oferecer arguição de ocorrência de algum dos vícios acima referidos, que atinjam a isenção ou a capacidade da testemunha arrolada pelo adversário, pelo instituto nominado de contradita.

 

 

São direitos legais da testemunha:

 

a) recusar-se a depor quando o depoimento lhe acarretar dano grave, bem como a seu cônjuge e aos seus parentes, até a linha colateral em segundo grau, ou sobre fatos a cujo respeito deva guardar sigilo;

 

b) ser tratada com urbanidade pelas partes, as quais não lhe devem formular perguntas ou considerações impertinentes ou vexatórias (CPC, art. 416);

 

c) ser reembolsada pela despesa efetuada para comparecimento à audiência, devendo a parte pagá-la ou depositar o valor em no máximo três dias (CPC, art. 419); e

 

d) não sofrer perda de salário, nem desconto no tempo de serviço, pelo comparecimento à audiência.

 

São seus deveres comparecer obrigatoriamente a juízo quando intimada, sob pena de condução coercitiva e desobediência, e dizer a verdade nas respostas às perguntas formuladas, sob pena de falso testemunho.


 

 

PRODUÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL

 

O momento para requerimento da prova testemunhal também é o da petição inicial e o da contestação. Todavia, no rito sumário as testemunhas já devem ser arroladas quando da prática desses atos, enquanto no rito ordinário o rol pode ser juntado até dez dias antes da audiência de instrução, salvo se fixado expressamente prazo diverso pelo juiz, quando da sua designação. Esse prazo visa justamente outorgar à parte contrária o conhecimento prévio de quem serão as testemunhas ouvidas no futuro ato, possibilitando a preparação de eventual contradita. O limite máximo de testemunhas para cada parte é de dez, enquanto para cada fato controverso o juiz poderá dispensar as que excederem o número de três.

 

A substituição da testemunha, uma vez arrolada, só pode ser feita em caso de falecimento, por enfermidade e por mudança de residência, após não ter sido encontrada por oficial de justiça.

 

A regra geral é a oitiva das testemunhas em audiência, salvo as ouvidas antecipadamente (produção antecipada de provas), as inquiridas por carta precatória (testemunha fora da terra), as enfermas, impossibilitadas de comparecer ao ato, e as previstas no art. 411, autoridades que gozam do privilégio de serem ouvidas em sua residência ou onde exercem sua função.

 

A testemunha será qualificada, nos termos do art. 414, momento oportuno para o oferecimento de contradita. Se a testemunha negar os fatos que lhe são imputados, poderá a parte provar sua alegação de incapacidade, impedimento ou suspeição por até três testemunhas, a serem apresentadas no ato, sobrevindo decisão do juiz.

 

Primeiramente serão ouvidas as testemunhas do autor, depois as comuns e por último as do réu, enquanto a inquirição é feita primeiro pelo juiz, após o compromisso da testemunha de dizer a verdade, depois pela parte que a arrolou e, a seguir, pela parte contrária. Sempre que houver a participação do Ministério Público, na qualidade de fiscal da lei, pergunta ele após as partes. Nosso sistema de inquirição não é direto, como ocorre no Tribunal do Júri, cabendo à parte formular sua indagação ao juiz para que este, analisando a pertinência e relevância da questão, submeta-a à testemunha. Eventual indeferimento deverá constar do termo de audiência, obrigatoriamente (arts. 413 a 416), e poderá ser agravado oralmente pela parte.

 

Por fim, pode o juiz de ofício determinar a oitiva de testemunha referida por outra em seu depoimento e a acareação entre testemunhas e partes (art. 418).


 

 

PROVA PERICIAL E INSPEÇÃO JUDICIAL

CONCEITO E MODALIDADES

 

O juiz é o técnico em direito cuja profundidade do conhecimento é auferida, via de regra, por concurso público de provas e títulos. Considerando ser o processo destinado à composição de litígios dos mais diversos campos do conhecimento humano, por vezes o sentenciamento do feito exige análise de questões técnicasque refogem à órbita meramente jurídica. É a perícia, portanto, o meio de prova destinado a trazer aos autos elementos de convicção dependentes de conhecimento técnico não possuído pelo juiz.

 

O art. 420 declara as modalidades de perícia conhecidas, as quais podem consistir em:

 

a) Avaliação. Visa atribuir valor monetário a alguma coisa ou obrigação. O arbitramento, espécie de avaliação, terá cabimento sempre que necessário estimar o valor de um serviço ou indenização sobre bens e obrigações abstratas (p. ex.: dano moral).

 

b) Vistoria. Destina-se a analisar o estado de um bem imóvel. A conhecida vistoria ad perpetuam rei memoriam é realizada para tornar certo o estado de um imóvel, perpetuando a situação fática nos autos.

 

c) Exame. Visa a análise do estado em que se encontra um bem móvel, semovente ou pessoas.


 

 

PERITO

 

O perito é o auxiliar da justiça, nomeado por força da confiança do juiz da causa, sempre que a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico fora da área jurídica (CPC, art. 145). Essa nomeação independe de qualquer compromisso formal de fiel cumprimento das atribuições a ele destinadas, pois sua responsabilidade decorre pura e simplesmente da lei.

 

Por exercer função pública, submete-se o perito às recusas decorrentes de impedimento ou suspeição, além de sujeitar-se aos delitos próprios dos funcionários públicos.

 

Ele poderá ser substituído quando carecer do conhecimento técnico ou científico demandado pela prova ou, sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo assinalado pelo juiz, hipótese na qual será comunicada sua desídia à corporação profissional, fixando o juiz multa proporcional ao valor da causa e ao possível prejuízo decorrente do atraso (CPC, art. 424). Muito embora a lei não explicite, o melhor raciocínio é aquele no sentido de se converter a multa eventualmente fixada em favor da parte prejudicada.

 

 

O perito que, por dolo ou culpa, prestar falsas informações (falsa perícia), será responsabilizado civilmente pelos danos causados à parte, além de permanecer inabilitado por dois anos para funcionar em outras perícias, sem prejuízo da responsabilidade penal, no caso o delito de prevaricação (CPC, art. 147).


 

 

ASSISTENTE TÉCNICO

 

Atenta ao contraditório, permite a lei às partes a indicação de assistentes técnicos de sua confiança para acompanhar a perícia e realizar pareceres, se entenderem necessários.

 

O Código de Processo Civil trata os assistentes, antes considerados também auxiliares da justiça, como simples auxiliares das partes, funcionando nos autos como pareceristas e não mais através de laudos divergentes ou concordantes.

 

Dessa forma, não são mais eles sujeitos às recusas decorrentes de impedimento e suspeição, sendo seus atos dolosos ou culposos, em detrimento das partes, considerados como delitos praticados por particulares.

 

PROCEDIMENTO

 

A perícia deve ser requerida pela parte na petição inicial e na contestação, respectivamente. No rito sumário é necessária ainda, desde já, a formulação de quesitos e indicação de assistentes técnicos.

 

Sua admissibilidade deverá ser objeto da fase de saneamento do processo (CPC, art. 331), não sendo permitida a perícia quando a prova do fato não depender de conhecimento especial, for desnecessária em vista das outras provas produzidas (confissão) ou a verificação do fato for impraticável (CPC, art. 420, parágrafo único).

 

Outras previsões existentes são:

 

a) a hipótese de dispensa da prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos suficientes para o julgamento e

 

b) a dispensa da formalidade do laudo pericial quando a natureza do fato permitir seja ela realizada mediante simples inquirição do perito e assistentes pelo juiz, por ocasião da audiência de instrução e julgamento, após o exame ou avaliação informal realizados pelos técnicos referidos (CPC, arts. 421, § 2º, e 427).

 

Em sendo necessária a prova pericial formal, sua realização será determinada por decisão judicial, na qual se fixará o prazo de cinco dias às partes para indicação de assistentes técnicos e formulação de quesitos, além do prazo para realização da perícia.

 

É permitida aos técnicos a utilização de todos os meios necessários (oitiva de testemunhas, solicitação de documentos em poder das partes ou repartições públicas) para o desempenho da função (CPC, art. 429).

 

As partes serão cientificadas da data e local designados pelo juiz ou perito para o início da produção da prova.

 

Apresentando a perícia complexidade que gere a necessidade de mais de uma área de conhecimento especializado, poderá o juiz nomear mais de um perito, facultada às partes a indicação de mais de um assistente técnico.

 

No prazo fixado, o qual poderá ser prorrogado por uma vez, a pedido do perito e por motivo justificado, e pelo menos vinte dias antes da audiência de instrução e julgamento, será o laudo apresentado em cartório. Os assistentes técnicos têm o prazo de dez dias, contados da intimação das partes quanto à apresentação do laudo oficial.

 

A lei processual firma preferência pelos estabelecimentos oficiais especializados quando a perícia versar sobre autenticidade de documento ou sobre fato de natureza médico-legal.

 

Se as partes desejarem esclarecimento do perito ou assistentes técnicos, requererão ao juiz a sua intimação para comparecimento em audiência, formulando desde logo suas perguntas, sob a forma de quesitos. O comparecimento fica vinculado à intimação do perito e/ou assistente cinco dias antes da audiência.

 

Pelo princípio da persuasão racional, não está o juiz vinculado ao resultado do laudo, sendo este apenas mais um dos elementos de sua convicção, podendo o julgamento ser contrário às conclusões do perito.

 

Via de regra somente uma perícia é feita sobre o fato controverso, abrindo exceção a lei quando o laudo não esclarecer suficientemente a matéria, hipótese na qual deverá o juiz determinar uma segunda perícia, sobre os mesmos fatos e com a finalidade de corrigir omissão ou inexatidão da primeira. Frise-se ser este segundo laudo mais um dos elementos de convicção nos autos, não substituindo o primeiro laudo realizado.


 

 

QUESITOS E PAGAMENTO DA PERÍCIA

 

Quesitos são perguntas feitas pelas partes para resposta do perito, a fim de buscar o esclarecimento do ponto objeto da perícia.

 

Tais indagações, entretanto, não escapam ao controle jurisdicional de pertinência e relevância, feito através de um juízo de admissibilidade do seu conteúdo. Daí por que se exigir sejam elas feitas por escrito nos autos, no prazo de cinco dias contados da nomeação do perito, para deferimento ou não pelo juiz.

 

Já os quesitos suplementares são aqueles formulados pelas partes em virtude de fatos novos surgidos no decorrer da perícia. Importante frisar não serem eles nova chance para a parte que perdeu a oportunidade de oferecer quesitos no prazo legal, mas sim possibilidade de indagar ao perito sobre novos elementos fáticos relevantes surgidos durante a prova, de desconhecimento das partes quando da formulação dos quesitos normais.

 

O juiz pode determinar à parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito (quem a requereu ou o autor, caso seja ela requerida por ambas as partes) o depósito do valor correspondente à remuneração estimada pelo expert, em conta à disposição do juízo e

 

com correção monetária, para ser entregue ao perito após a apresentação do laudo ou liberado, parcialmente, quando necessário (CPC, art. 33, parágrafo único).


 

 

INSPEÇÃO JUDICIAL

CONCEITO E PROCEDIMENTO

 

Não é a inspeção judicial modalidade de perícia técnica, posto ser exame realizado pelo próprio julgador da causa.

 

A inspeção judicial, muito mais que um meio de prova, é elemento de convicção unilateral do juiz, através de exame pessoal sobre fato relevante para o sentenciamento do processo. Tal exame tem a finalidade de gerar no íntimo do julgador percepções pessoais, ausentes na prova pericial. Pode ser ela determinada de ofício ou a requerimento da parte, em qualquer fase do processo, consistindo em inspeção de pessoas ou coisas (CPC, art. 440).

 

Apesar de o Código de Processo Civil tentar outorgar-lhe características de prova submetida ao contraditório, através da garantia de assistência das partes ao ato, facultando-lhes a prestação de esclarecimentos e observações que reputem de interesse para a causa, não há como negar a natureza íntima da “prova” a ser realizada (CPC, art. 443).

 

A lei faculta ao juiz ser acompanhado de um ou mais peritos, visando facilitar a sua compreensão do fato, determinando a ida ao local onde se encontre a pessoa ou coisa quando julgar necessário para melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar, ou se a coisa não puder ser apresentada em juízo sem consideráveis despesas ou graves dificuldades (CPC, art. 442).

 

Feita a inspeção, mandará o juiz lavrar auto circunstanciado de tudo o que entender útil para o julgamento da causa (CPC, art. 443), já que a jurisprudência entende ser este requisito essencial para outorgar validade de prova à inspeção.


 

 

 

AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

CONCEITO

 

A audiência é ato processual complexo, público, solene e formal, em que o juiz irá fazer a coleta da prova oral (peritos, testemunhas e depoimento pessoal), ouvir os debates das partes e proferir sentença.

 

É ato complexo, visto que nela se realizam atos probatórios, postulatórios e decisórios.

 

É público, porque será realizada a portas abertas, com exceção do previsto no art. 155.

 

É formal, por encontrar forma expressa em lei, descrevendo esta em detalhes todos os procedimentos e sequência de atos a serem observados pelas partes e pelo juiz.

 

 

Solene, por ser presidida por uma autoridade pública, o juiz, detentor de poder de polícia, competindo-lhe manter a ordem e o decoro, ordenar que se retirem da sala da audiência todos aqueles que se comportarem inconvenientemente, requisitando, quando necessário, força policial (CPC, art. 445).

 

Como presidente da audiência, compete ao juiz dirigir os trabalhos, proceder diretamente à colheita das provas, exortando os advogados e Ministério Público a discutir a causa com elevação e urbanidade (CPC, art. 446).

 

Importante lembrar a previsão legal de proibição de intervenção dos advogados enquanto estiverem depondo partes, perito ou testemunhas, salvo autorização do juiz (CPC, art. 446, parágrafo único).

 

Terminada a audiência, deverá ser lavrado pelo escrivão termo que conterá um resumo do ocorrido e a íntegra das eventuais decisões e sentenças proferidas. Em se tratando de processo eletrônico, observar-se-á o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 169.

 


 

 

PROCEDIMENTO

ATOS PREPARATÓRIOS

 

A audiência de instrução tem a designação de dia e hora na fase do saneamento do processo. Se possível a conciliação, por versar a demanda sobre direitos privados, determinará de ofício o juiz o comparecimento das partes, mediante simples intimação pelo Diário Oficial, independentemente de ter ou não ter sido frutífera a anterior conciliação do art. 331.

 

As testemunhas deverão ter sido intimadas para comparecimento, desde que arroladas no prazo legal (10 dias antes da audiência). As partes só serão compelidas ao depoimento pessoal se intimadas pessoalmente, sob pena de confesso.

 

Na data aprazada, o juiz declarará aberta a audiência, mandando apregoar as partes e seus advogados (CPC, art. 450). O ato poderá ser adiado por convenção das partes, desde que uma só vez, e pela ausência de comparecimento, por motivo justificado, do perito, partes, testemunhas ou advogados (CPC, art. 453).

 

O advogado tem a obrigação de comprovar o justo impedimento até a abertura da audiência, sob pena de prosseguimento do ato com a instrução, sendo facultado ao juiz dispensar a produção da prova requerida pela parte cujo patrono não compareceu à audiência.

 

A ausência injustificada da testemunha acarreta sua condução coercitiva (CPC, art. 412). O Código de Processo Civil é silente quanto às consequências da ausência não motivada do perito, devidamente intimado com a antecedência legal (5 dias antes da audiência). Não vislumbramos o porquê destes, auxiliares da justiça, como as testemunhas, e com o dever legal de comparecimento, não poderem também ser conduzidos, coercitivamente. Já para os assistentes, sendo eles hoje meros auxiliares das partes, a consequência será a preclusão da força probante do parecer efetuado pelo faltante.

 

 

Por fim, a ausência justificada dos que irão participar da audiência não gera seu adiamento integral, podendo o ato ser praticado até o momento em que o ausente deveria ser ouvido pelo juiz.

 

CONCILIAÇÃO

 

A princípio devem as partes estar presentes à audiência, sempre que possível for a conciliação, mas nada impede a sua representação por advogado constituído e com poderes específicos para transigir.

 

A falta de conciliação não gera a nulidade do processo, por ser ela mera tentativa de autocomposição das partes, não existindo prejuízo se o processo vier a ser extinto por sentença de mérito, ainda mais quando ele deverá ter comportado anterior tentativa na fase do art. 331. Ademais, a conciliação, por ser ato de disposição material de direito, pode ser tentada inclusive quando uma das partes, maior e capaz, comparece sem advogado, pois a participação deste é requisito essencial apenas das fases probatória e decisória realizadas na audiência.

 

Uma vez frutífera a conciliação, será lavrada por termo e homologada, adquirindo valor de sentença definitiva, com força executiva.

 

INSTRUÇÃO E JULGAMENTO

 

Não sendo obtida a conciliação, deverá o juiz iniciar a instrução, mas não sem antes fixar os pontos controversos de incidência da prova, a fim de não se perder tempo com inutilidades ou arguições irrelevantes (CPC, art. 451).

 

A ordem de produção da prova oral está prevista no art. 452, qual seja, o perito e assistentes técnicos, depoimentos pessoais, primeiro do autor e depois o do réu e testemunhas arroladas pelo autor e, após, pelo réu.

 

Ponto polêmico é eventual nulidade decorrente da inversão da ordem referida. A jurisprudência tem-se fixado no sentido de exigir comprovação de efetivo prejuízo pela parte recorrente, não podendo a nulidade ser presumida.

 

Das decisões proferidas na audiência de instrução e julgamento cabe o recurso do agravo retido, a ser interposto oral e imediatamente pelo agravante, mediante apontamento no termo e com exposição sucinta das suas razões.

 

Encerrada a instrução, dará o juiz a palavra ao autor, ao réu e depois ao Ministério Público, pelo prazo sucessivo de vinte minutos, prorrogáveis por mais dez a critério do juiz. Na existência de litisconsortes o prazo será de trinta minutos, divididos por igual entre os integrantes do grupo, se estes não dispuseram de modo contrário.

 

A comum substituição dos debates por memoriais, adotada nos juízos sem qualquer motivo, deveria ser reservada apenas para casos com questões de fato ou de direito complexas, designando o juiz dia e hora para as suas apresentações. A doutrina e atualmente a jurisprudência têm começado a aplicar a sucessividade de memoriais, pela observância do contraditório e pela necessidade de o réu falar sempre após o autor, à semelhança dos debates orais.

 

Encerrados os debates, proferirá oralmente o juiz a sentença desde logo ou chamará os autos à conclusão, para proferimento de decisão por escrito, no prazo de dez dias.

 


 

 

 

SENTENÇA E COISA JULGADA

CONCEITO

 

Uma vez procurada pelas partes para compor litígios, deve sempre a tutela jurisdicional ser exercitada pelo instrumento estatal de garantia, que é o processo.

 

Retirada a inércia da jurisdição pela iniciativa da parte, desenvolve-se esse instrumento pelo impulso oficial, pois é de interesse público o fim do processo, não podendo ele perpetuar-se indefinidamente no tempo. Em observância a tais regras estabelece o Código de Processo Civil diversas formas de extinção do processo.

 

A primeira delas é a extinção sem resolução de mérito, obtida pelo proferimento de sentença terminativa (CPC, art. 267), meramente declaratória da inexistência do direito do autor a uma sentença de mérito, pela ausência dos requisitos de admissibilidade da abordagem da relação jurídica de direito material existente entre as partes (condições da ação ou pressupostos processuais). É ela forma anômala de extinção do processo, pois não aplica o direito ao caso concreto e, portanto, não pacifica socialmente nem compõe definitivamente o litígio entre as partes.

 

A segunda forma de extinção é aquela decorrente da autocomposição entre as partes, através da renúncia, reconhecimento jurídico do pedido ou transação (CPC, art. 269, II, III e V). Esta extinção também não é obtida pela tutela jurisdicional plena, pois o acordo de vontades dispensa o órgão jurisdicional da abordagem do mérito da lide, funcionando ele como simples homologador. Difere da decisão terminativa pela definitividade decorrente da homologação judicial, característica essa que levou o legislador a equipará-la à sentença de mérito propriamente dita, pois serve como forma final de composição de litígios, com força plena de pacificação social.

 

Outra forma de extinção do processo é o reconhecimento da prescrição e decadência. Novamente o legislador outorgou a tais decisões força equivalente àquela que analisa o mérito da lide, muito embora não exista por parte do juiz real aplicação do direito material ao caso concreto. Tal opção justifica-se pela força definitiva das decisões que reconhecem a decadência (fenômeno extintivo do direito material alegado pela parte) ou a prescrição (fenômeno extintivo do direito de ação, o qual atinge indiretamente o direito material), também pacificadoras do conflito de interesses entre as partes (CPC, art. 269, IV).

 

 

Por fim, temos na sentença de mérito (CPC, art. 269, I) a forma normal de extinção do processo, por ser o ato do juiz pelo qual ele aplica o direito material genérico ao caso concreto, com base nas alegações de fato e de direito existentes no processo. Tal providência decorre do acolhimento ou não do pedido mediato formulado pelo autor, através do exercício pleno da jurisdictio.

 

Nosso Código optou por assim definir sentença: é ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta Lei (CPC, art. 162, § 1º).

 

Proferida e publicada a sentença, esgota o juiz sua atividade jurisdicional no processo, só podendo modificá-la para corrigir, de ofício, erro de cálculo e inexatidão material, ou por meio de embargos de declaração.

 

A primeira hipótese diz respeito à ausência de correspondência entre a vontade do julgador e o texto reproduzido na decisão. A segunda será objeto de estudo mais aprofundado no capítulo dos recursos (Capítulo XXIX). Entretanto, o mesmo diploma frisa a necessidade da distinção acima feita, pelas evidentes consequências em todo o estudo desse tópico.


 

 

REQUISITOS FORMAIS DA SENTENÇA

 

Vêm eles previstos no art. 458, consistindo no relatório, na fundamentação (motivação) e no dispositivo (decisão). Por esses requisitos depreende-se ser a sentença ato formal e lógico do juiz, baseada nas teses e antíteses das partes, desenvolvida e fundada em premissas legais.

 

Já a correta exegese do art. 459 aponta para a desnecessidade de as sentenças terminativas (CPC, art. 267) e definitivas, previstas no art. 269, II a V, serem proferidas contendo os três elementos formais referidos, impostos estes apenas à sentença definitiva que acolha ou rejeite o pedido do autor (CPC, art. 269, I).

 

RELATÓRIO

 

É mera descrição fática do sucedido no processo, consistindo no nome das partes, na suma do pedido, na resposta do réu e no registro das principais ocorrências. A sua ausência é causa de nulidade da sentença, mas eventual imperfeição, omissão ou irregularidade não gera qualquer prejuízo à parte, contanto que todos os pontos necessários para a decisão sejam objeto da fundamentação.

 

FUNDAMENTAÇÃO

 

É a parte da sentença na qual o juiz analisará os motivos de fato e de direito que justificarão sua conclusão, demonstrando seu raciocínio lógico, outorgando às partes o conhecimento do porquê da decisão e dando amparo à interposição de recursos. Sem ser ordem obrigatória, geralmente a fundamentação aborda primeiro as preliminares de mérito, depois as questões prejudiciais internas e, por fim, o mérito da demanda, sendo irrelevante a ordem de análise das questões de fato ou de direito.

 

A ausência de fundamentação é causa de nulidade absoluta da sentença, enquanto a omissão, obscuridade ou contradição podem ser sanadas pelos embargos de declaração.

 

DISPOSITIVO

 

É a conclusão do raciocínio lógico, a decisão propriamente dita. A ausência de dispositivo é motivo de inexistência de sentença, ausência de coisa julgada. É a parte da sentença que declara o porquê da extinção do processo, seja pelo reconhecimento de carência, seja pelo acolhimento ou não da pretensão de direito material do autor.

 

No âmbito geral deve a sentença ser clara, de modo que não deixe margem para interpretações dúbias, proferida em língua pátria e precisa, consubstanciando certeza ainda quando a relação jurídica for condicional (CPC, art. 460, parágrafo único).


 

 

VÍCIOS DA SENTENÇA

 

Os vícios da sentença estão intimamente ligados à inobservância do pedido formulado pelo autor, limite legal à abrangência do julgado. Não se justifica a jurisdição conceder mais do que foi pedido ou o que não foi pedido, sob pena de se proferir julgamento de ofício (inércia da jurisdição) e deixar de decidir sobre o que foi requerido (indeclinabilidade da jurisdição).

 

Os vícios referidos são:

 

a) Extra petita. O juiz decide sobre causa não proposta ou não deduzida sob forma de pedido. Neste vício o pedido do autor permanece sem resposta jurisdicional, já que o provimento reconhece ou afasta pretensão jamais formulada nos autos. A nulidade nesses casos é absoluta, atingindo todo o julgado.

 

b) Ultra petita. O juiz decide além do que foi formulado nos autos. Em tal julgamento o pedido do autor foi objeto de análise, mas o sentenciante, extrapolando sua função no processo, incluiu no julgamento algo não pedido. A nulidade só atinge o que de excessivo constar da sentença, permanecendo esta íntegra na parte referente à análise do pedido solicitado nos autos.

 

c) Citra petita. O julgamento é aquém do solicitado pelo autor, deixando o juiz de analisar parte do pedido ou algum dos diversos formulados. A superior instância tem oscilado no que respeita ao reconhecimento da nulidade dessa decisão viciada. Para uns a sentença é validada em relação aos pedidos abordados, remetendo-se o recorrente à ação autônoma quanto às pretensões não analisadas. Já para outros a decisão é nula na integralidade, implicando devolução dos autos ao primeiro grau, para julgamento completo dos pedidos.

 

Questão relevante é a constatação de ausência de coisa julgada à parte do pedido não objeto de decisão. Se, por exemplo, em ação de reintegração de posse, cumulada com perdas e danos, o julgador deixa de apreciar este último, sobrevindo o trânsito em julgado da sentença com tal vício, nada impede a propositura de nova ação com o pedido de perdas e danos não apreciado (ausência de coisa julgada sobre o que não foi objeto de decisão).

  

 


 

 

CLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS PELA NATUREZA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL

 

Diversas são as classificações conhecidas das sentenças, sendo a mais relevante a estabelecida em relação à natureza do provimento jurisdicional postulado nas ações de conhecimento, ou seja, qual o tipo de sentença de mérito esperada pelo interessado.

 

Podem ser elas:

 

a) Meramente declaratórias (art. 4º). Nestas o autor limita-se a pedir ao Judiciário que estabeleça a existência ou não da relação jurídica alegada na inicial, sem qualquer outra consequência prática a ser suportada pelo réu. São exemplos típicos de sentenças declaratórias as de nulidade de casamento, as de usucapião e investigação de paternidade. Uma vez declarado o estado jurídico da relação existente ou não entre as partes, esgota-se a atividade jurisdicional ante a plena satisfação do autor, com retroação de seus efeitos à data em que a relação jurídica se formou (existência) ou à data em que jamais deveriater sido considerada como formada (inexistência). É a produção do efeito ex tunc. Deve ser observado, ainda, serem todas as sentenças de improcedência (não acolhimento da pretensão de direito material do autor) meramente declaratórias da inexistência da relação jurídica afirmada pelo autor em sua inicial.

 

b) Condenatórias. São aquelas nas quais o sentenciante, após certificar-se da existência do direito da parte vencedora, profere decisão condenando o adverso a uma obrigação de fazer ou não fazer, pagar quantia certa em dinheiro ou dar coisa certa ou incerta. Não se esgota a jurisdição com a simples declaração do direito, sendo necessário o cumprimento espontâneo da obrigação fixada na sentença pelo perdedor ou, caso haja recusa, o prosseguimento do processo, com adoção de medidas coercitivas visando o cumprimento da decisão e a satisfação do credor. Se antes era necessária a instauração de uma ação autônoma de execução, como formação de uma nova e independente relação jurídica processual, após a sua entrada em vigor todo e qualquer ato visando a satisfação do credor é praticado no próprio processo de conhecimento, na fase de cumprimento da sentença. Têm elas também efeito ex tunc, retroagindo a condenação à data de constituição do devedor em mora. Como exemplos temos a cobrança de despesas de condomínio, a demolitória etc.

 

c) Constitutivas. Visam à modificação, criação ou extinção de uma relação jurídica preexistente. Diversamente das declaratórias, destinadas à outorga de certeza jurídica, e das condenatórias, as quais fixam prestação à parte perdedora, as sentenças constitutivas vão gerar novos efeitos sobre situações jurídicas pretéritas, através de sua alteração, desconstituição ou criação de uma nova. Têm tais decisões força executiva própria e imediata, independente do processo de execução, valendo como marco inicial do novo status jurídico, ou seja, com efeitos ex nunc. São exemplos as sentenças anulatórias de casamento, as de divórcio, as de separação e as que versem sobre direitos reais (direito de sequela).


 

 

 

EFEITOS DA SENTENÇA

 

O principal efeito da sentença, sob a análise meramente processual, é o de extinguir o processo (efeito formal).

 

As sentenças terminativas são aquelas que possuem apenas esse efeito formal, ou seja, por não abordar a questão de mérito da lide, têm como efeito principal e único a extinção do processo.

 

Já as sentenças definitivas (de mérito), além de trazerem consigo o efeito formal de extinção do processo, geram efeitos materiais, na medida em que abordam a lide submetida a julgamento. Esses efeitos materiais, projetados para fora do processo, são inúmeros, conforme seja a natureza do provimento jurisdicional obtido pelo vencedor. Assim, a condenatória tem o condão de impor ao devedor uma prestação; a declaratória outorga certeza jurídica sobre a relação deduzida em juízo; a constitutiva determina a constituição ou desconstituição de situações jurídicas.

 

Como efeito secundário da sentença condenatória que impõe ao réu pagamento de prestação consistente em dinheiro ou em entrega de coisa, pela probabilidade de ela ser satisfeita apenas através de medidas estatais coercitivas, temos a hipoteca judicial.

 

Incide esta sobre bens imóveis, com inscrição na forma prescrita pela Lei de Registros Públicos, mesmo sendo a condenação genérica, pendente arresto de bens do devedor ou ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença (CPC, art. 466). Tem ela efeito de garantia real, com direito de sequela, mas sem a preferência incluída na hipoteca convencional, e pode ser determinada de ofício pelo juiz.


 

 

CONCEITO DE COISA JULGADA

 

Muito embora definida antigamente como efeito da sentença, a mais moderna doutrina a conceitua como sendo dela uma simples qualidade. Essa qualidade é a imutabilidade dos seus efeitos. Logo, coisa julgada é a imutabilidade da própria sentença e de seus efeitos formais e materiais.

 

Essa imutabilidade é criada pela impossibilidade da decisão ser atingida por eventual recurso da parte, ou seja, ela é gerada pelo trânsito em julgado da sentença.

 

Todas as sentenças transitadas em julgado geram um efeito específico, que é a extinção do processo, sendo elas definitivas outerminativas. É o fenômeno da coisa julgada formal, consistente na imutabilidade do efeito formal de extinção dentro do próprio processo, pelo fato de a sentença não estar mais sujeita a nenhum recurso ordinário ou extraordinário.

 

As sentenças terminativas fazem apenas coisa julgada formal, pois não analisada a questão de direito material, ante a ausência de algum dos requisitos de admissibilidade do mérito. Uma vez sanado o vício, nada impede a propositura de nova ação.

 

Já a sentença de mérito, além do efeito formal de extinção do processo e conforme já analisado no tópico anterior (efeitos das sentenças), uma vez transitada em julgado, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas (CPC, art. 468), tornandoimutáveis seus efeitos materiais, projetáveis para fora do processo. É a coisa julgada material, portanto, a imutabilidade dos efeitos materiais exclusiva da sentença de mérito, a qual impede o reexame da lide em qualquer outro processo.

 

O remédio correto para a retirada (desconstituição) da imutabilidade dos efeitos materiais da sentença é a ação rescisória.

 

Logo, descabida a ação rescisória de decisão meramente terminativa, geradora de simples efeito formal de extinção do processo, por ser possível à parte ajuizar nova demanda. Frise-se apenas não ser a enunciação legal contida no dispositivo da sentença o que lhe outorga características de decisão de mérito ou não, mas sim o seu próprio conteúdo, não podendo a parte suportar prejuízos em decorrência do emprego de termos equivocados pelo julgador.


 

 

LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

LIMITES OBJETIVOS

 

A coisa julgada tem seus limites objetivos fixados conforme a análise dos próprios elementos objetivos da ação (pedido e causa de pedir).

 

Só é atingida pela imutabilidade a parte dispositiva da sentença, não fazendo coisa julgada os motivos do raciocínio lógico desenvolvido pelo juiz na sentença, por mais importantes que sejam. Da mesma maneira, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença e as questões prejudiciais decididas incidentemente no processo também estão excluídas da imutabilidade (CPC, art. 469).

 

Uma mesma causa de pedir fática ou jurídica pode servir de embasamento a várias ações. Não se conceberia um julgador permanecer vinculado à análise dos fatos ou do direito feita por outro juiz, em processo diverso, de modo a vedar o exercício de sua jurisdição.

 

Entretanto, por falta de técnica processual, não raramente são encontradas na fundamentação matérias que deveriam fazer parte do dispositivo da sentença. Por não ser a colocação formal da decisão a razão de sua imutabilidade, é forçoso concluir serem tais decisões, trazidas equivocadamente na fundamentação, atingidas pela coisa julgada material.

 

Devemos lembrar aqui a importância da declaração incidente. É ela o instrumento do interessado para alterar a natureza da questão prejudicial interna, fazendo com que o julgador traga sua decisão para a parte dispositiva da sentença, de modo que seja atingida pela coisa julgada material.

 

A exceção de coisa julgada só pode ser alegada quando entre as ações houver identidade dos seus três elementos (igualdade de partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido).

 

O art. 471 abre possibilidade de rediscussão sobre questões já objeto de sentença de mérito quando a relação jurídica for continuativa e sobreveio modificação no estado de fato ou de direito utilizado pelo julgador na anterior decisão. Em tais hipóteses a parte poderá pedir a revisão da sentença (ex.: ação de alimentos). São os casos de julgamento rebus sic stantibus, comportando a anterior sentença alteração por nova ação, ajuizada perante o juiz de primeiro grau. É importante ter em mente não ser esta hipótese exceção ao limite material da coisa julgada, pois a nova ação versará sobre questões de fato ou de direito diversas da anterior, refugindo à exigência da identidade dos elementos (nova causa de pedir), muito embora sirva como forma de revogação da sentença anterior, proferida com base em situações fáticas não mais existentes.

 

Outro limite objetivo é o do duplo grau de jurisdição obrigatório ou reexame necessário. Por vezes o interesse público exige, obrigatoriamente, o reexame da sentença pela instância superior, independentemente do recurso voluntário das partes, não produzindo efeitos (coisa julgada) a sentença:

 

a) proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

 

b) que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, enquanto não observado o duplo grau de jurisdição obrigatório.

 

Tal exigência fica dispensada sempre que a condenação ou o direito controvertido não exceder a sessenta salários mínimos ou quando a sentença estiver fundada em súmula ou jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou do tribunal superior competente.


 

 

LIMITES SUBJETIVOS

 

O limite subjetivo da coisa julgada está ligado ao elemento subjetivo da ação, as partes. A coisa julgada não pode beneficiar nem prejudicar terceiros, fazendo lei apenas entre as partes, conforme disposição do art. 472.

 

Nesse ponto torna-se necessária a diferenciação entre eficácia da sentença e autoridade da coisa julgada. A imutabilidade dos efeitos materiais da sentença de mérito só atinge as partes. Entretanto, impossível se torna o não atingimento indireto de terceiros pela decisão, como ocorre no caso do credor de uma nota promissória que vê seu devedor ser vencido em ação movida por terceiro, sobrevindo desfalque de seu patrimônio.

 

Logo, a eficácia da sentença, por ser ato emanado do Poder Público, exige respeito de todos os cidadãos, mesmo que ela surta prejuízo fático, e não jurídico (perda de um direito), na esfera pessoal de terceiros.

 

Já a autoridade da coisa julgada, como imutabilidade dos efeitos e impossibilidade de rediscussão, só é oposta contra quem participou do processo (partes).

 

Se um devedor solidário é acionado pelo credor e, após condenado, paga em juízo a dívida, adquire direito regressivo proporcional com relação aos demais devedores solidários excluídos pelo credor da ação. Entretanto, no novo processo sujeitar-se-á ele a todas as alegações dos demais codevedores, como, por exemplo, a prescrição, não sendo atingidos pela imutabilidade do efeito material da condenação aqueles que não foram parte no feito originário.

 

Nas causas relativas ao estado das pessoas, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produzirá coisa julgada em relação a terceiros (erga omnes) (art. 472).

 

Suponha-se uma ação de investigação de paternidade ajuizada por filho concebido fora da constância do casamento. A legitimidade passiva é exclusiva do pretenso pai, e nenhum herdeiro ou cônjuge poderá participar do processo, por ausência de vínculo jurídico com a questão proposta. Uma vez reconhecida a paternidade, será ela oposta a qualquer pessoa, por ser a sentença declaratória outorgante de status jurídico inerente à própria pessoa. Logo, estas sentenças demandam não só respeito quanto à sua eficácia (inerente a todas as sentenças e de todos exigido), como também obediência à sua autoridade (imutabilidade do status reconhecido em sentença oposta a todos).


 

 

EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA

 

A coisa julgada restringe-se ao deduzido pelas partes em juízo e ao objeto da decisão de mérito.

 

Entretanto, o art. 474 do Código de Processo Civil estipula serem presumidas como deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido, o que pode fazer crer ser a coisa julgada extensível inclusive ao que não foi objeto de análise nos autos. A própria etimologia da expressão “coisa julgada” (objeto de julgamento) indica ser tal raciocínio equivocado.

 

A regra mencionada precisa ser analisada em confronto com o princípio da eventualidade, a teoria da substanciação e o conceito de preclusão.

 

Pelo princípio da eventualidade, todas as teses de direito possíveis e condizentes com a lide devem ser deduzidas pelas partes no momento oportuno (inicial e contestação), sob pena de preclusão (perda da faculdade processual de trazer aos autos suas deduções anteriormente omitidas).

 

Se a coisa julgada só faz lei entre as partes no que se refere às questões decididas e nos limites da lide, mister se faz resolver qual a natureza da proibição de rediscussão em outro processo das questões e defesas não levantadas nos autos em momento oportuno e que serviriam para o acolhimento ou rejeição do pedido.

 

Coisa julgada inexiste, simplesmente pela ausência de decisão sobre a alegação ou defesa omitida. Preclusão, na acepção normal da palavra, também não explica o instituto, por ser esse fenômeno endoprocessual, ocorrente apenas dentro do próprio processo, sem projeções externas que atinjam a órbita do direito material das partes.

 

A solução reside na conjugação dos dois conceitos, surgindo o que a doutrina nomina de eficácia preclusiva da coisa julgada. É ela espécie de preclusão, decorrente do trânsito em julgado da sentença, diversa das demais, pois se projeta para fora do processo, impedindo à parte omissa que rediscuta em novo processo alegação ou defesa que deveria ter trazido aos autos no momento correto (princípio da eventualidade).

 

Vejamos o seguinte exemplo: A ajuíza ação visando o cumprimento de um contrato firmado com B. A ação é julgada procedente, condenando-se B ao cumprimento de suas obrigações contratuais. Após o trânsito em julgado da sentença, B propõe ação, com base no mesmo contrato, visando compelir A ao cumprimento de suas obrigações contratuais. Estaria essa ação vedada em seu exercício pela existência de coisa julgada?

 

O fato jurídico versado nos autos (os fatos constitutivos do direito do autor e sua interpretação jurídica) é o mesmo do antigo processo, e competia ao réu alegar em sua defesa a exceção de contrato não cumprido, como forma de impedir sua condenação. Em sendo essa defesa passível de alegação no processo por B para se opor ao acolhimento do pedido de A e não formulada no momento oportuno, com o trânsito em julgado da condenação tornou-se preclusa a faculdade dessa alegação, consubstanciada a eficácia preclusiva da coisa julgada. E esta eficácia de preclusão decorrente do trânsito em julgado se projeta para fora do processo.

 

Portanto, a ação deixará de ser admitida pela ausência de interesse de agir na espécie, ante a desnecessidade de nova manifestação do Judiciário sobre o mesmo fato jurídico. A alegação deveria ter sido deduzida no processo original, e não mediante nova provocação da jurisdição. Muito embora não exista coisa julgada no caso em tela, pois a análise dos elementos da ação indica para a divergência de pedidos, o art. 474 torna clara a carência de ação de B nessa nova demanda (CPC, art. 295, III), exigindo a inicial pronto indeferimento.


 

 

 

TEORIA GERAL DOS RECURSOS

CONCEITO

 

Recurso é o ato pelo qual a parte demonstra seu inconformismo com uma decisão proferida nos autos, postulando a sua reforma ou modificação.

 

Tem ele a finalidade de outorgar maior certeza quanto à decisão emanada do Judiciário e evitar erros, gerando maior força de pacificação social ao processo.

 

São recorríveis todos os atos do juiz que caracterizem decisões interlocutórias ou sentenças e admissíveis os recursos de apelação, agravo, embargos infringentes, de declaração, recurso ordinário, especial, extraordinário e embargos de divergência em recurso especial e extraordinário (CPC, art. 496).

 

Os despachos, atos referentes ao normal andamento do processo, não são recorríveis. Em casos de inversão tumultuária do processo, justamente pela ausência de observância da ordem legal instituída para o procedimento, com determinações equivocadas de atos de mero expediente, tem lugar a correição parcial. Esta não é recurso na correta acepção da palavra, posto não visar a reforma ou invalidação de alguma decisão, mas apenas trazer de volta os autos à sua marcha normal.

 

Para o recurso ser admitido e processado normalmente deve ele preencher prévios requisitos legais, nominados como pressupostos subjetivos e objetivos dos recursos.

 

Se ausentes tais requisitos não será o recurso analisado em seu mérito, ou seja, não será apreciado o pedido de reforma ou invalidade da decisão proferida, em raciocínio muito semelhante ao feito com as condições e mérito da ação.


 

 

PRESSUPOSTOS SUBJETIVOS

 

Levam em consideração a qualidade necessária à pessoa do recorrente.

 

LEGITIMIDADE

 

É pressuposto analisado abstratamente, bastando ao recorrente afirmar ter sofrido prejuízo jurídico em decorrência da decisão. São legítimos para recorrer as partes, o Ministério Público, o terceiro interveniente e o terceiro prejudicado.

 

INTERESSE

 

O interesse em recorrer está ligado ao conceito de sucumbência. Sucumbir consiste em não receber da decisão tudo o que dela se esperava.

 

Para as decisões interlocutórias o interesse em recorrer surge quando gerada ao recorrente uma situação de desvalia no processo.

 

Já para as sentenças, o autor sucumbe quando não tem o acolhimento integral de sua pretensão, na forma como deduzida na inicial. O réu, por sua vez, sucumbe quando o pedido do autor é atendido, mesmo que parcialmente.

 

O recurso do terceiro prejudicado é forma de intervenção de terceiros em fase recursal, sendo seu interesse caracterizado pela qualidade de assistente que poderia ter ostentado no processo em primeiro grau. Portanto, seu recurso visa a vitória de seu assistido e não o amparo a direito próprio.

 

O interesse do Ministério Público em recorrer está vinculado à natureza da sua função exercida no processo. Por vezes sua intervenção é determinada pela matéria objeto do processo, cuja relevância do interesse público demanda a participação da instituição defensora da sociedade. Nestas hipóteses seu interesse surge pela simples discordância com o teor da decisão proferida. Já nos casos em que sua intervenção é determinada pela qualidade especial de hipossuficiência de uma das partes (incapazes), não tem ele interesse em recorrer de decisão que favoreça quem devia defender, vinculada a admissibilidade de seu recurso à sucumbência do hipossuficiente.


 

 

PRESSUPOSTOS OBJETIVOS

 

Estão ligados às exigências legais para o conhecimento do recurso.

 

TEMPESTIVIDADE

 

Todo nosso sistema processual é baseado em preclusões (sistema rígido), com perda de faculdades processuais pelo seu não exercício no momento oportuno.

 

Portanto, toda decisão tem um prazo legal peremptório para ser recorrida, sob pena de preclusão, sendo a tempestividade exatamente tal análise.

 

O prazo comum para recorrer é de quinze dias, com exceção do agravo (dez dias) e dos embargos de declaração (cinco dias). Sua contagem inicia-se da leitura da sentença em audiência ou da intimação das partes, quando essa não for proferida naquele ato, ou da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial, em decisões proferidas pelo tribunal. No prazo legal deverá a petição de interposição do recurso estar protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária (CPC, art. 506).

 

O prazo para interposição pode ser interrompido quando falecer uma das partes, seu advogado ou ocorrer motivo de força maior, correndo pela integralidade quando da habilitação de herdeiro ou sucessor (CPC, art. 507).

 

CABIMENTO

 

Para cada decisão deve haver um único recurso apropriado àsua reforma ou invalidação. É o princípio da unirrecorribilidade das decisões, que comporta duas aparentes exceções. A primeira é a interposição conjunta de recurso especial e extraordinário contra um mesmo acórdão. A outra é a possibilidade da interposição de ambos ou algum deles juntamente com os embargos infringentes. São exceções meramente aparentes, já que na realidade não são dois ou mais recursos cabíveis contra a mesma decisão, mas recursos distintos contra partes diversas do mesmo julgado.

 

Se a lei tem previsão expressa quanto a qual recurso cabível, a parte que não observar essa disposição cometerá erro grosseiro, gerando o não conhecimento de sua pretensão à reforma ou invalidade da decisão.

 

Se, em caso inverso, for a lei omissa, abre-se azo à aplicação do princípio da fungibilidade, autorizante do recebimento de um recurso por outro, quando não cometido erro grosseiro e observado o prazo de interposição do recurso correto.

 

PREPARO

 

É o pagamento das despesas de processamento do recurso, cuja prova de recolhimento deve vir aos autos juntamente com a petição de interposição.

 

A lei dispensa o recolhimento nos recursos de agravo retido, nos embargos de declaração e em todos os demais, quando interpostos pelo Ministério Público, Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, autarquias e beneficiários da assistência judiciária. O valor do preparo depende de regulamentação em lei estadual.

 

O recolhimento do preparo deve ser comprovado no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção.

 

GENERALIDADES

 

Todo recurso após interposto pode contar com a desistência do recorrente, exercitável a qualquer tempo e independentemente de anuência do recorrido ou litisconsorte. Sua diferença em relação à renúncia é que esta é formulada nos autos previamente à interposição do recurso.

 

Ela pode ser expressa, manifestada oralmente ou por escrito nos autos, ou tácita, pelo transcurso do prazo para recorrer (CPC, art. 502). Já a parte que aceitar, tácita ou expressamente a sentença, não poderá dela recorrer (CPC, art. 503). A aceitação expressa é feita também por escrito ou oralmente nos autos, enquanto a tácita decorre da prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (p. ex.: cumprimento voluntário da sentença).


 

 

RECURSO ADESIVO

 

Tem ele cabimento quando houver sucumbência recíproca das partes, como forma de desestímulo para recursos desnecessários.

 

A parte que deixar de recorrer de sua sucumbência poderá aderir ao eventual recurso interposto pela parte adversa (CPC, art. 500). Cabe apenas nos recursos de apelação, embargos infringentes, extraordinário e especial, sendo interposto no mesmo prazo conferido

 

às contrarrazões (quinze dias), com conhecimento de seu mérito sujeito à admissibilidade e à não desistência ou deserção do recurso principal.

 

O recurso adesivo não pode ser interposto por terceiro prejudicado ou pelo Ministério Público, já que a lei faz referência apenas a “autor” e “réu”, e deve seguir as mesmas regras pertinentes ao recurso independente e principal.

 

Ponto interessante é a análise do prazo dado à Fazenda Pública para recorrer adesivamente. Embora a lei estipule em seu favor prazo em dobro para recorrer, não estipula prazo certo para o recurso adesivo e remete o recorrente para o mesmo prazo da resposta ao recurso principal interposto. Supondo a Fazenda Pública na qualidade de sucumbente parcial e intimada a formular contrarrazões numa apelação, teria ela o prazo simples de quinze dias para recorrer adesivamente ou aplicar-se-ia a regra especial do prazo em dobro?

 

A melhor exegese é fixar seu prazo em apenas quinze dias. O legislador deixou claro ser sua vontade que o recurso adesivo viesse aos autos não em prazo determinado, como costumeiramente fixa nos demais recursos, mas sim no mesmo prazo das contrarrazões. Logo, se este prazo da Fazenda Pública é de quinze dias, não há como aplicar a regra especial, utilizada apenas quando previsto prazo certo em lei.

 

Dúvidas existem quanto à possibilidade de se aderir ao recurso ordinário. Como este recurso é cabível nos feitos originários dos tribunais, funcionando como espécie de apelação, a melhor interpretação é a que autoriza o seu cabimento, muito embora sem expressa previsão legal.


 

 

 

DOS RECURSOS EM ESPÉCIE

APELAÇÃO

 

É o recurso cabível contra as decisões terminativas ou definitivas (sentenças), as quais põem fim ao processo, exaurindo a jurisdição do juiz de primeiro grau.

 

As decisões interlocutórias mistas, consistentes na alteração da relação jurídica processual, sem extingui-la por completo, não são apeláveis, pois não põem fim ao processo nem esgotam a jurisdição. São os exemplos do indeferimento liminar da reconvenção e exclusão de uma das partes da relação jurídica, por carência de ação reconhecida em saneador, com o prosseguimento do feito com as partes restantes.

 

É ela um recurso ordinário, de primeiro grau, com a petição de interposição dirigida ao próprio juiz prolator da sentença recorrida, contendo os nomes e qualificações das partes, os fundamentos de fato e de direito em que se funda o pedido de nova decisão. Tem por finalidade principal evitar o trânsito em julgado da sentença e serve como forma de obtenção da garantia do duplo grau de jurisdição.


 

 

EFEITOS DA APELAÇÃO

DEVOLUTIVO

 

A apelação do interessado pode versar sobre toda a decisão (total) ou apenas sobre alguns de seus aspectos (parcial).

 

No primeiro caso, o tribunal conhece de toda a matéria objeto da lide, abordando completamente as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

 

Isso não significa ter sido citra petita a sentença de primeiro grau. Ao juiz singular é possível, dentro de seu raciocínio lógico, afastar pedidos cumulativos pelo indeferimento daquele que é causa em relação aos demais, que são efeitos. Além disso, pode ele convencer-se por uma das teses de direito deduzida pela parte, ocasionando a dispensa de análise das restantes. Daí a fixação de amplos limites à devolutividade da matéria impugnada ao tribunal de apelação, com a autorização de conhecimento dos demais fundamentos do pedido ou da defesa, quando o juiz tiver acolhido apenas algum deles. Até mesmo questões anteriores à sentença, ainda não apreciadas, serão submetidas ao tribunal (CPC, art. 516). As já decididas foram objeto de preclusão, vedada a reapreciação de ofício pelo tribunal, sem provocação do recorrido via recurso de agravo, com exceção das matérias de ordem pública (ausência das condições da ação e pressupostos processuais), as quais devem ser conhecidas a qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de provocação das partes.

 

Se parcial o recurso, encontra-se o tribunal limitado em seu conhecimento, sob pena de proferir acórdão ultra ou extra petita. Entretanto, para conhecimento da pretensão específica do recorrente, tem ele amplos poderes para analisar todas as questões ligadas ao limite estabelecido.

 

À parte é vedada a inovação fática em fase de apelação, salvo se deixou de fazê-lo em primeiro grau por motivo de força maior (CPC, art. 517).

 

O § 3º do art. 515 faculta ao tribunal o julgamento imediato do mérito da causa quando da apreciação do recurso de apelação, mesmo nos casos em que a sentença de primeiro grau limitou-se a extinguir o processo sem resolução de mérito (art. 267), desde que a causa verse exclusivamente sobre questão de direito, ou seja, não demande produção de prova.

 

Se presente essa necessidade, o caminho correto continua a ser o da anulação da sentença extintiva, com o retorno dos autos ao primeiro grau, para que lá seja produzida a prova e julgada a demanda pelo seu mérito.

 

115.1.1.1. Conhecimento de ofício de matérias não objeto da apelação A regra geral de que o conteúdo da apelação limita o tribunal ad quem encontra algumas exceções:

 

a) Questões processuais do art. 301. Conforme já analisado, a ausência dos requisitos de admissibilidade do mérito da demanda (condições da ação e pressupostos processuais) pode ser objeto de conhecimento de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau de jurisdição (objeções processuais). Logo, passível de análise pelo tribunal tais questões, mesmo que não objeto do recurso de apelação.

 

b) Questões de mérito de ordem pública. A decadência também é passível de reconhecimento de ofício, a qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de levantamento da questão na apelação. Isto porque é ela instituto de direito público, afastado do poder de disponibilidade das partes, cujo beneficiário não pode dela abrir mão pela renúncia.

 

Já no que se refere à prescrição, existe aparente contradição entre as regras do § 5º do art. 219 do Código de Processo Civil e a do art. 191 do Código Civil.

 

Para o direito civil, a prescrição sempre foi entendida como pertencente ao âmbito privado das partes, cuja arguição deveria ser imposta como um ônus à parte por ela favorecida. O fato de o credor não possuir mais a sua disposição tutela jurisdicional, capaz de coagir o devedor ao adimplemento da obrigação, não afastava a possibilidade da sua satisfação voluntária (conceito de obrigação natural). Daí porque a lei civil estabelecer a possibilidade de renúncia, expressa ou tácita, à prescrição, bem como a impossibilidade de se exigir a repetição da dívida prescrita eventualmente paga.

 

A norma processual hoje vigente, ao autorizar que a prescrição seja reconhecida de ofício pelo juízo, sem a imposição do ônus de arguição pelo seu beneficiário (princípio da eventualidade da contestação), nega a possibilidade da renúncia tácita no curso do processo.

 

Entretanto, apesar desta aparente incongruência, a jurisprudência tem entendido pela aplicabilidade do reconhecimento de ofício da prescrição pelos juízos de primeiro e segundo grau.

 

Já na esfera do recurso especial, em se tratando de direito patrimonial, o STJ firmou entendimento da necessidade de observância de prequestionamento da matéria na instância inferior, sob pena de não conhecimento, mesmo se presente a prescrição.

 

SUSPENSIVO

 

A apelação tem ainda, normalmente, o efeito de suspender a executividade dos efeitos da decisão (formais e materiais), enquanto não julgado o recurso.

 

O art. 520 excepciona as hipóteses em que a apelação será recebida somente no efeito devolutivo, possibilitando ao recorrido a instauração de uma execução provisória enquanto pendente o recurso, mediante a extração de carta de sentença.

 

São as sentenças que:

 

a) homologarem a divisão ou demarcação;

 

b) condenarem à prestação de alimentos;

 

c) decidirem processo cautelar;

 

d) rejeitarem liminarmente ou julgarem improcedentes os embargos opostos à execução;

 

e) julgarem procedente o pedido de instituição de arbitragem; e

 

f) confirmarem a antecipação dos efeitos da tutela. Esta última hipótese foi incluída para esclarecer que a apelação não interrompe os efeitos provisórios da tutela antecipada eventualmente concedida no curso do processo.

 

PROCEDIMENTO

 

A petição de apelação é interposta para o próprio juiz prolator da sentença de primeiro grau. A ele compete fazer o juízo de preenchimento dos pressupostos recursais, sem prejuízo da reanálise pelo tribunal ad quem. Estando regular e em ordem o recurso, deverá o juiz declarar os efeitos em que recebe a apelação e determinar a apresentação de contrarrazões, no prazo de quinze dias (CPC, art. 518).

 

O juiz, entretanto, não a receberá sempre que a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal (art. 518, § 1º).

 

Apresentada a resposta é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos recursais (art. 518, § 2º), ante a possibilidade de alteração do juízo anteriormente formulado pelas alegações trazidas pelo recorrido.

 

A pena de deserção (falta de preparo) pode ser relevada provando o apelante justo impedimento, fixando o juiz novo prazo para o recolhimento. Essa decisão não é recorrível, cabendo ao tribunal analisar a sua correção ou não.

 

DO JUÍZO DE RETRATAÇÃO NA APELAÇÃO

 

Outrora exclusividade do recurso de agravo, comporta hoje a apelação, tirada contra decisão que indeferiu a inicial, juízo de retratação, ou seja, a possibilidade de o juiz reconsiderar o indeferimento e determinar o prosseguimento normal do feito (CPC, art. 296).

 

Interposto o recurso, terá o juiz o prazo de quarenta e oito horas para se retratar. Caso assim não proceda, remeterá os autos ao juízo ad quem, sem a citação do réu, posto ainda não estar formada a relação jurídica processual.

 

Críticas têm sido tecidas no que respeita a esta última disposição. Questiona-se quanto à eventual violação ao contraditório, pela possibilidade de uma questão processual relevante para o réu ser afastada em recurso de apelação, do qual ele não fez parte, como, por exemplo, uma inicial indeferida por manifesta ilegitimidade passiva, cuja sentença é reformada no tribunal. Entendemos não haver prejuízo qualquer ao réu, o qual não se encontra impedido de alegar a ilegitimidade, em preliminar de contestação, nem o juiz está impedido de acolhê-la, mesmo porque a relação jurídica não estava formada quando do proferimento do acórdão e não gera efeitos contra quem dela não fazia parte.

 

Já o art. 285-A dispõe que “quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada”.

 

Se o autor apelar dessa decisão, o juiz poderá decidir, no prazo de cinco dias, se mantém a sentença ou se determina o prosseguimento da ação (art. 285-A, § 1º).

 

Caso seja mantida a sentença, o § 2º do art. 285-A determina que seja ordenada a citação do réu para que responda ao recurso.


 

 

AGRAVO

 

É o recurso cabível contra as decisões interlocutórias simples e mistas (art. 522). Pode ser interposto por qualquer parte, Ministério Público ou terceiro interveniente que acredita estar em posição de desvalia processual, por força da decisão recorrida, no prazo de dez dias, contados da publicação da decisão. Sua finalidade principal é evitar a preclusão e tem duas formas, retido e de instrumento.

 

AGRAVO RETIDO

 

A forma ordinária de interposição do recurso de agravo é a retida, salvo quando a decisão agravada for capaz de gerar lesão grave ou de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão de apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando então poder-se-á adotar a forma de instrumento, sujeita a análise desses requisitos excepcionais ao crivo do relator do recurso.

 

Se antes a lei facultava ao interessado a escolha entre as duas formas previstas para o agravo, hoje impõe ela, como regra geral, a adoção da forma retida, permanecendo o inconformismo do agravante nos autos para conhecimento do tribunal, preliminarmente, quando do julgamento de eventual apelação.

 

Tem ele sua forma em simples petição juntada ao processo, facultada a apresentação de razões, no prazo de dez dias da intimação da decisão e sem preparo, manifestando a parte sua discordância e seu desejo de não vê-la precluir. Mas seu conhecimento pelo tribunal fica condicionado a expresso pedido do interessado nas razões ou contrarrazões de apelação.

 

A presença dos pressupostos recursais não será analisada pelo juiz de primeiro grau (seguimento forçado do agravo), pois apenas o tribunal pode negar o seu conhecimento, no momento oportuno. Portanto, mesmo que intempestivo ou descabido, o agravo retido deverá permanecer obrigatoriamente nos autos, com anotação na capa dos autos.

 

Interposto o agravo retido, poderá o juiz reformar sua decisão, desde que ouvida a parte contrária no prazo de dez dias (efetividade do contraditório). Ademais, será ele a única forma possível quando interposto contra decisões:

 

a) proferidas em audiência de instrução e julgamento, sob a forma oral e imediatamente, devendo constar do termo e com exposição sucinta das razões do inconformismo; e

 

b) posteriores à sentença, salvo nos casos de inadmissão da apelação ou relativas aos efeitos em que a apelação é recebida.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO

 

O agravo de instrumento é a forma para que a parte possa obter, desde logo, o reexame da decisão interlocutória a ele contrária, desde que presente risco de lesão grave e de difícil reparação.

 

É ele, recurso de segundo grau, interposto diretamente perante o tribunal competente, mediante petição escrita, com exposição de fato e de direito, as razões do pedido de reforma da decisão e o nome e endereço dos advogados, constantes do processo, no prazo de dez dias. No prazo do recurso, a petição será protocolada no tribunal ou postada no correio sob registro com aviso de recebimento, ou, ainda, interposta por outra forma prevista na lei local.

 

Além do preenchimento dos pressupostos objetivos e subjetivos ordinários, é obrigatório que o agravante demonstre ao relator do recurso a existência do risco de lesão grave e de difícil reparação, sob pena de conversão do agravo de instrumento em agravo retido, com envio do recurso ao juiz da causa.

 

Tais razões deverão ser instruídas, obrigatoriamente, com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado (obrigatórias) e com outras peças que o agravante entende úteis (as facultativas). A incorreção formal do agravo, como a falta de peças obrigatórias ou a não observância do rigor técnico nas razões, é causa de não conhecimento do recurso.

 

Nos Estados onde se exige o preparo a petição se fará acompanhar do comprovante do pagamento das respectivas custas e do porte de retorno, quando devidos, conforme tabela que será publicada pelos tribunais.

 

No prazo de três dias, contado da interposição, deverá a parte comunicar ao juiz recorrido a interposição, com cópia do recurso e relação dos documentos de instrução (CPC, art. 526). Tal previsão visa possibilitar ao juiz da causa o juízo de retratação e a prestação das informações eventualmente requisitadas pela instância superior.

 

O não cumprimento desse ônus por parte do agravante importará na inadmissibilidade do agravo de instrumento, desde que arguido e provado pelo agravado.

 

Se o juiz comunicar a reforma integral da decisão, o relator considerará prejudicado o agravo (CPC, art. 529), restando ao agravado interpor seu recurso caso não se conforme com a reconsideração.

 

O agravo de instrumento possibilita ao relator do recurso vários caminhos, a saber:

 

a) Negar seguimento ao agravo liminarmente, nos casos do art. 557 do Código de Processo Civil.

 

b) Converterá o agravo de instrumento em retido e remeterá os autos ao juiz da causa, salvo se houver risco de lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e de decisão sobre os efeitos em que essa foi recebida.

 

c) Poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso, sustando os efeitos da decisão agravada, ou deferir, total ou parcialmente, a antecipação de tutela pretendida no recurso, comunicando, em ambas as hipóteses, ao juiz de primeiro grau sua decisão.

 

d) Requisitar informações ao juiz da causa, as quais deverão ser prestadas no prazo de dez dias. O agravado será intimado por publicação no órgão oficial para resposta no prazo de dez dias, facultada a juntada da documentação que entender conveniente. Nos locais onde não haja imprensa oficial, o agravado será intimado na pessoa de seu advogado, por meio de ofício registrado e com aviso de recebimento.

Ultimadas as providências, deverá ser ouvido o Ministério Público, se cabível for, para manifestação em dez dias.

 


 

 

EMBARGOS INFRINGENTES

 

Trata-se de recurso da parte visando a prevalência do voto minoritário em acórdão não unânime que tenha reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou haja julgado procedente ação rescisória. O art. 530 ainda preceitua que nos casos de desacordo apenas parcial os embargos infringentes serão restritos à matéria objeto da divergência.

 

O prazo para sua interposição é de quinze dias, contados da intimação do acórdão não unânime. Apesar de a lei não estipular expressamente, tem-se entendido possuir esse recurso efeito suspensivo, não comportando execução provisória o acórdão recorrido enquanto não julgados os embargos infringentes contra ele interpostos.

 

A divergência ensejadora do recurso não precisa dizer respeito apenas ao mérito do julgamento, podendo versar sobre questões processuais preliminares do julgamento. Ademais, o dissenso necessário é o da parte dispositiva (decisão) do acórdão, não comportando embargos infringentes decisão unânime tomada por cada julgador por fundamentos diversos.

 

No novo julgamento participam cinco julgadores, os três participantes do primeiro e mais dois, chamados para possibilitar a transformação do voto minoritário em majoritário. Entretanto, por se tratar de novo julgamento, não ficam os que participaram do acórdão recorrido vinculados ao conteúdo de seu primeiro voto, sendo facultada a reformulação do posicionamento anterior.

 

O juízo quanto à presença dos pressupostos recursais compete ao relator do acórdão recorrido, não sendo passível de insurgimento o seu juízo positivo de admissibilidade. Sendo ele inadmitido, caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso.

 

Uma vez admitidos os embargos infringentes, proceder-se-á ao sorteio do novo relator, cuja escolha deve recair, quando possível, em juiz que não haja participado do julgamento da apelação ou da ação rescisória. Será dada vista ao embargado para impugnação no prazo de quinze dias, após os quais serão os autos remetidos à conclusão do relator e do revisor pelo prazo sucessivo de quinze dias, seguindo-se o julgamento. Interpostos embargos adesivos, observarão eles o mesmo rito previsto para os embargos principais.

 

Polêmica existe quanto à admissibilidade de embargos infringentes em acórdão proferido em reexame necessário (CPC, art. 475). Tal previsão visa defender o interesse público eventualmente lesado por sentença contrária à Fazenda Pública, obrigando o juiz a submeter sua decisão a duplo grau de jurisdição obrigatório, sem o qual não há trânsito em julgado. Ora, se a parte prejudicada não interpõe o recurso voluntário, não há como falar-se em oportunidade para os embargos infringentes, mesmo quando o reexame necessário gera acórdão não unânime. Em primeiro lugar a interpretação gramatical restringe o cabimento às apelações e ações rescisórias, não se concebendo estender a norma a outros recursos. Ademais, se a própria Fazenda não recorreu da decisão originária, o interesse público se contenta com a aplicação do duplo grau obrigatório, não se dando azo a outro recurso voluntário, já atingida a manifestação das partes pela preclusão.


 

 

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

Em que pese previstos como espécie de recurso, não visam os embargos de declaração a reforma ou invalidade da sentença ou acórdão, mas sim o suprimento de sua eventual omissão, obscuridade ou contradição.

 

Não existe a possibilidade de oposição de embargos de declaração da sentença ou acórdão possuidor de dúvida, sendo essa possibilidade mantida apenas nos juizados especiais cíveis. A justificativa decorre da natureza subjetiva e da pouca relevância do termo “dúvida” anteriormente previsto.

 

A mesma lei unificou os prazos para os embargos declaratórios de primeiro e segundo grau, hoje fixados em cinco dias, mediante petição escrita dirigida ao juiz ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso, não estando sujeitos a preparo.

 

A oposição desses embargos interrompe o prazo para interposição de qualquer outro recurso, retornando-se o prazo na íntegra para ambas as partes após o seu julgamento.

 

Os embargos declaratórios de cunho protelatório geram a imposição de multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa, mediante declaração fundamentada do juiz ou relator. Em caso de reiteração, a multa é elevada até dez por cento, condicionando a interposição de qualquer outro recurso do depósito desse valor (pressuposto extraobjetivo de admissibilidade do recurso). Tal disposição pôs fim à celeuma quanto ao cabimento de embargos de declaração de decisão proferida em primeiros embargos de declaração.

 

Outra dúvida é quanto ao cabimento de embargos de declaração contra decisão interlocutória, já que o art. 535 menciona apenas sentença ou acórdão. A melhor jurisprudência orienta-se pela permissão da parte pretender a correção ou integração de decisão interlocutória por embargos de declaração, pois inconcebível o processo comportar pronunciamentos jurisdicionais obscuros, omissos ou contraditórios.

 

Também vem sendo admitida a concessão de natureza infringente aos embargos de declaração, em casos especiais.

 

A princípio destinados apenas a corrigir a sentença viciada, e não a modificá-la, podem os embargos versar sobre omissão de tamanho grau que sua sanação gerará a modificação de sua partedispositiva. É o exemplo da ausência de análise de uma das teses de defesa, como, por exemplo, prescrição, num processo com sentença de procedência. A sentença citra petita deve ser objeto de embargos de declaração, a fim de demandar do juiz a análise de todas as teses de direito levantadas pelo réu e que poderiam levar ao não acolhimento do pedido do autor. Suponha-se, nesta hipótese, que o juiz constate, em sede de embargos declaratórios, não só a omissão referida, como também a ocorrência efetiva da prescrição arguida pelo embargante: a declaração da sentença obrigatoriamente implicará alteração da decisão (natureza infringente), pois o recolhimento da prescrição acarretará a alteração da procedência para a improcedência do pedido.


 

 

UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

 

É incidente provocável pelas partes ou pelos juízes e encaminhado para julgamento pelo plenário do tribunal, nos julgamentos perante turmas, câmaras ou grupo de câmaras, seja em processo originário, seja em recurso oriundo de decisão de primeiro grau.

 

Tem ele cabimento quando acerca de interpretação do direito se verificar que a seu respeito ocorre divergência ou no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que lhe haja dado outra turma, câmara ou grupo de câmaras cíveis reunidas (CPC, art. 476).

 

A primeira hipótese pode versar sobre questões de mérito ou processuais de cuja solução dependa o julgamento da causa. É de conteúdo genérico e amplo, levantado antes do julgamento, não cogitando a lei sequer das decisões confrontadas para cogitação da divergência.

 

Já a segunda tem cabimento quando no curso do julgamento, após os votos de alguns juízes, os últimos provocam a uniformização (julgamento recorrido).

 

A uniformização requerida pela parte deve ser feita ou nas razões do recurso ou em petição avulsa, enquanto aquele estiver pendente.

 

Requerida pelo juiz ou pela parte, compete ao órgão julgador, mediante a suspensão do processo original, analisar a existência ou não da divergência. Rejeitada sua existência, prosseguirá o julgamento do processo principal. Admitida a divergência por acórdão, serão os autos remetidos ao presidente do tribunal para designação de data para julgamento pelo órgão regimentalmente previsto, abrindo-se vista dos autos ao Ministério Público (CPC, art. 478, parágrafo único).

 

Rejeitada a arguição voltam os autos ao julgador primitivo. Acolhida a arguição, fixa-se a tese jurídica aplicável ao caso, com voto em exposição fundamentada de cada juiz.

 

Se tomada a decisão por maioria simples, vale para a solução do caso no órgão ou processo que lhe deu origem. Se a maioria for absoluta será emitida súmula, a qual constituirá precedente na uniformização da jurisprudência, competindo aos regimentos internos dispor sobre sua publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante (CPC, art. 479).


 

 

DOS RECURSOS PARA O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

 

Muito embora na maioria das vezes os recursos para os tribunais superiores sejam matéria pertinente ao direito constitucional, estipula a legislação processual algumas normas quanto ao cabimento e procedimento desses recursos, as quais merecem análise restrita.

 

RECURSO ORDINÁRIO

 

Com a Constituição Federal de 1988 e a criação do Superior Tribunal de Justiça, alterações ocorreram na divisão de competência para análise dos recursos ordinários tirados contra denegações de writs em processos de competência originária dos tribunais. Tem o recurso ordinário eminente finalidade de garantir o duplo grau de jurisdição nesses processos, diretamente ajuizados em instâncias superiores. O legislador, buscando regulamentar os recursos previstos na Constituição, criou a apelação cível contra decisão proferida em processos existentes entre Estados estrangeiros ou organismos internacionais e Municípios ou pessoas domiciliadas ou residentes no Brasil.

 

O recurso é regulamentado da seguinte forma:

 

a) tem cabimento recurso ordinário ao Supremo Tribunal Federal nos mandados de segurança, habeas data e mandados de injunção decididos em única instância pelos tribunais superiores, quando denegatória a decisão (o STF funcionando como simples órgão recursal de processos de competência originária dos tribunais superiores);

 

b) serão endereçados ao Superior Tribunal de Justiça os recursos ordinários tirados contra os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou dos Estados, Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão (o STJ funcionando como grau recursal de processos de competência originária dos tribunais da justiça comum), e das causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País.

 

Aos recursos ordinários é aplicável a mesma disciplina da apelação, quanto ao procedimento e pressupostos de admissibilidade. Diante de tal previsão, muito embora não previsto no art. 500, não podemos negar o cabimento de recurso adesivo aos recursos ordinários, similares em cabimento, procedimento e pressupostos à apelação.

 

  

DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO E DO RECURSO ESPECIAL

 

Da mesma forma que sucedido com o recurso ordinário, os recursos especial e extraordinário são regulamentados no Código de Processo Civil.

 

O legislador adotou regramento procedimental assemelhado a ambos os recursos excepcionais, embora cada qual tenha hipóteses de cabimento distintas, caracterizados que são por objetos de cognição absolutamente distintos.

 

Dessa forma, para fins didáticos, serão analisadas as hipóteses de cabimento e os pressupostos de admissibilidade de cada recurso de maneira isolada, para ao final apresentarmos num único tópico as regras procedimentais comuns.

 

DAS HIPÓTESES DE CABIMENTO E DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

 

As hipóteses de cabimento do recurso extraordinário encontram-se previstas no art. 102, III, da Constituição Federal.

 

Tem ele cabimento quando a decisão recorrida, em única ou última instância:

 

I — contrariar dispositivo da Constituição Federal;

 

II — declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

 

III — julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição; e

 

IV — julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

 

Evidencia-se que a função do STF, na análise dos recursos extraordinários, consiste na uniformização das decisões judiciais que digam respeito à interpretação da Magna Carta, de modo que fortaleçam a unidade federativa, que estaria seriamente atingida pelas eventuais divergências de entendimento de cada Estado-Membro a respeito dos limites e amplitude da Constituição Federal (racionalização da atividade jurisdicional).

 

Tem o recurso extraordinário como cerne, portanto, a sua excepcionalidade dentro do sistema processual, não podendo ser entendido como forma ordinária de insurgimento contra uma decisão desfavorável. Não tem ele por objetivo a tutela individual dos litigantes, mas sim a tutela do interesse público de toda a sociedade na solução final da questão constitucional envolvida. Nunca é demais lembrar que o sistema processual se contenta com um duplo grau de jurisdição, submetendo cada decisão proferida a uma reavaliação por órgão hierarquicamente superior.

 

Essa excepcionalidade de cabimento, entretanto, vem sendo atingida por força de a nossa Constituição Federal ser extremamente abrangente e detalhista, trazendo inúmeras matérias apenas formalmente constitucionais, mais condizentes e adequadas à legislação ordinária.

 

Tal situação ampliou e muito o leque de demandas que autorizam o manejo do recurso extraordinário, quando na maioria das vezes a questão “constitucional” apreciada em nada atinge o interesse público coletivo já mencionado.

 

Com o acúmulo inevitável de demandas junto ao STF, a busca da racionalização da atividade jurisdicional não vem acontecendo, seja pelo atraso na solução das questões realmente relevantes para a sociedade, seja pela perda de tempo e recursos públicos na necessária análise de questões sem nenhuma relevância pública.

 

Essa situação faz com que o legislador busque formas legais de restringir o conhecimento dos recursos extraordinários, relegando a atividade do STF para os casos em que o interesse público esteja presente.

 

Essa restrição é obtida com a criação de novos pressupostos de admissibilidade do recurso extraordinário.

 

Como todo recurso pertencente ao sistema processual, deve o recurso extraordinário preencher os pressupostos de admissibilidade ordinários, previstos para todos os demais recursos (Capítulo XXIX, itens 111 e 112).

 

Sua excepcionalidade, portanto, sempre decorreu da necessidade do preenchimento de um pressuposto excepcional de admissibilidade, não exigido dos demais recursos, nominado de prequestionamento.

 

Tais pressupostos são s ubmetidos a  um duplo juízo de  admissibilidade,  tanto  pelo  tribunal a quo quanto em revisão pelo próprio STF.

 

O prequestionamento não encontra definição legal expressa, decorrendo muito mais da própria natureza jurídica, essência e finalidade do recurso extraordinário, reconhecido explicitamente nas Súmulas 282 e 356 do STF.

 

Consiste ele no necessário debate prévio pelo tribunal a quo da questão constitucional objeto do recurso extraordinário, ou seja, é obrigatório que a decisão recorrida tenha manifestado posicionamento explícito a respeito da matéria constitucional que deu azo ao recurso extraordinário. Sem isso, não há necessidade de intervenção do STF para uniformizar ou corrigir aquilo que não foi objeto de análise no acórdão contra o qual se interpôs recurso.

 

Diante da constatação de que apenas o pressuposto do prequestionamento não era o suficiente para garantir que o recurso extraordinário fosse utilizado somente nas hipóteses excepcionais para as quais foi criado, a Emenda Constitucional n. 45/2004 (Reforma do Judiciário) criou mais um pressuposto de admissibilidade para esse recurso, a chamada “repercussão geral”.

Por esse novo pressuposto, compete ao recorrente a demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, podendo essa sua arguição de relevância ser refutada por dois terços dos membros do STF.

 

 

A regulamentação da repercussão geral foi feita pela Lei n. 11.418/2006.

 

Ao definir o seu cabimento, optou o legislador por conceitos abertos, afirmando estar a repercussão geral presente quando existentes questões relevantes do “ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa” (art. 543-A do CPC).

 

Finalmente reconhecido em lei não ser o recurso extraordinário destinado à tutela do interesse privado, mas sim ao interesse público, que ultrapassa os limites subjetivos do litígio.

 

Ademais, outorgou o legislador enorme discricionariedade ao STF na definição do que pode caracterizar as questões econômicas, políticas, sociais e jurídicas relevantes.

 

Como exceção a essa discricionariedade, reza o § 3º do mesmo artigo que se presume a repercussão geral quando a decisão recorrida contrariar súmula ou entendimento dominante do próprio STF.

 

O juízo de admissibilidade da repercussão geral é exclusivo do STF, escapando ao juízo dúplice presente em todos os demais pressupostos, salvo a exceção prevista no § 2º do art. 543-B.

 

A decisão quanto à presença de questão relevante no recurso extraordinário é do Plenário do STF, podendo ser ele inadmitido pela ausência de repercussão geral, por dois terços de seus membros. O § 4º estabelece a dispensa de remessa ao Plenário sempre que quatro dos integrantes de uma Turma decidirem pela existência da repercussão geral. Considerando ser o Plenário do STF constituído por onze membros, o voto favorável à admissibilidade do recurso por quatro membros de uma Turma já estabelece a impossibilidade de obtenção de dois terços de votos contrários ao seu conhecimento em Plenário (2/3 de onze equivalem a oito membros).

 

A declaração de inexistência de questão relevante tem força vinculante para todos os demais recursos extraordinários que versem sobre matéria idêntica (§ 5º do art. 543-A do CPC).

 

Outra inovação interessante é a possibilidade de um Tribunal Federal ou Estadual, diante da multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, selecionar um ou mais e encaminhá-los ao STF para análise, sobrestando todos os demais até a decisão definitiva da Corte (art. 543-B do CPC).

 

Uma vez negada a existência de repercussão geral, todos os recursos sobrestados deverão ser inadmitidos pelo tribunal de origem, caracterizando tal hipótese exceção à unicidade do juízo de admissibilidade desse pressuposto pelo STF.

 

Se admitida a relevância pública da questão e analisado o mérito do recurso extraordinário, abrem-se dois caminhos ao tribunal de origem.

 

O primeiro deles consiste no provimento do recurso extraordinário. Nessa hipótese pode o tribunal retratar suas decisões de mérito, adequando-as ao entendimento esposado pelo STF. Mantida a decisão, poderá o STF, pelo relator do recurso, cassar ou mesmo reformar a decisão liminarmente, adequando o acórdão à orientação da Corte (§§ 3º e 4º).

 

Por fim, o requisito de admissibilidade da repercussão geral só poderá ser exigido a partir da entrada em vigor da Lei n. 11.418/2006.

 

DAS HIPÓTESES DE CABIMENTO E DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL

 

As hipóteses de cabimento do recurso especial encontram-se previstas no art. 105, III, da Constituição Federal.

 

Tem ele cabimento quando a decisão recorrida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios:

 

I — contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

 

II — julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; e

 

III — der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

 

Do mesmo modo que o recurso extraordinário, é o recurso especial forma excepcional de reexame das questões suscitadas na demanda.

 

À semelhança do que acontece na racionalização da atividade jurisdicional a respeito das questões constitucionais, é finalidade do recurso especial a uniformização no País da interpretação da legislação federal, a qual não poderia ser interpretada e aplicada de maneira distinta em cada unidade da Federação.

 

Mais uma vez evidencia-se não ser o recurso especial integrante da forma ordinária de revisão das decisões judiciais (duplo grau de jurisdição), extrapolando o interesse das partes litigantes e tutelando o interesse público da sociedade na uniformização da interpretação da legislação federal.

 

Inegável, também, que, num País em que a Federação ainda não se concretizou em sua plenitude, por força da concentração dos poderes econômicos e legiferantes nas mãos da União e em detrimento dos Estados-Membros, o recurso especial não tem correspondido à excepcionalidade que o caracteriza. A profusão legislativa da União faz com que este arcabouço jurídico seja a base das decisões judiciais dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, abrindo-se azo, na grande maioria das demandas, ao manejo do recurso especial, tornando-o quase como uma espécie de terceiro grau de jurisdição. Isto sem falar na necessidade de o Superior Tribunal de Justiça apreciar infindáveis recursos especiais que trazem como fundamento a mesma questão de direito já debatida em outras oportunidades, tornando quase inviável uma prestação jurisdicional mais célere.

 

Entretanto, essa excepcionalidade é buscada, à semelhança do recurso extraordinário para as questões constitucionais, pelo pressuposto de admissibilidade do prequestionamento da questão federal.

 

Somente restará caracterizado o prequestionamento se debatida a questão federal na decisão recorrida, tendo sido ela objeto de manifestação expressa a respeito do recurso especial.

 

Visando proporcionar ao sistema processual uma forma mais racional no processamento dos recursos repetitivos já mencionados, foi promulgada a Lei n. 11.672/2008.

 

Existindo nos tribunais de origem, de âmbito estadual ou federal, vários recursos especiais que versem sobre o mesmo fundamento jurídico (questão de direito), poderá o respectivo presidente selecionar um ou mais, representativos da controvérsia, para admissão e remessa ao STJ para apreciação, permanecendo suspensos todos os demais até o pronunciamento definitivo sobre a questão (§ 1º do art. 543-C do CPC). Ao determinar a suspensão já na sua origem, evita a lei, nos tribunais de origem, o dispêndio de tempo e dinheiro com o processamento, recolhimento de preparo e remessa dos demais recursos especiais. Já no STJ, a economia e celeridade caracteriza-se pela desnecessidade de autuação, distribuição e julgamento de recursos absolutamente idênticos.

 

Na hipótese de não adoção do procedimento pelo tribunal de origem, faculta-se ao relator no STJ, ao identificar que sobre a matéria já existe jurisprudência dominante ou estar ela afeta ao julgamento colegiado, determinar a suspensão dos demais recursos nos quais a controvérsia esteja estabelecida, nos tribunais de segunda instância (§ 2º do art. 543-C do CPC).

 

Para proporcionar amplo debate sobre a questão a ser pacificada, pode o relator solicitar informações aos tribunais de origem e permitir a manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse jurídico na controvérsia (§§ 3º e 4º).

Após manifestação do Ministério Público e fornecidas cópias aos demais Ministros, o processo será incluído em pauta na seção ou Corte Especial, com preferência sobre os demais feitos, salvo os que envolvam réus presos ou habeas corpus (§§ 5º e 6º).

 

Solucionada a questão, abrem-se três caminhos distintos para os demais recursos especiais suspensos, em aguardo perante os tribunais de segunda instância (§ 7º):

 

1.1. nos casos em que o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ, o recurso especial terá seu seguimento denegado na origem;

 

1.2. nos casos em que o acórdão recorrido divergir da orientação dada no julgamento paradigma:

 

1.2.1. poderá o tribunal de origem reformular sua posição e negar seguimento ao recurso especial;

 

1.2.2. poderá o tribunal manter seu entendimento divergente e analisar a admissibilidade do recurso especial, enviando-o ao STJ se presentes os demais requisitos.

 

Necessária a crítica ao legislador quanto a este último aspecto.

 

Com efeito, possibilitar aos tribunais de origem a manutenção do entendimento divergente e admissão do recurso especial, com remessa ao STJ, mesmo após julgamento do caso paradigma, é criar espaço para que a tentativa de racionalização seja frustrada. Uma vez fixado o entendimento consolidado do STJ, desnecessário e contraproducente que o acórdão divergente de segunda instância seja submetido a análise individualizada, via recurso especial, apenas para receber a mesma solução já sinalizada anteriormente.

 

Da forma como posta, o legislador retira da decisão do STJ a necessária força vinculante, deixando aos tribunais de origem a simples faculdade de observar ou não o entendimento esposado na decisão que originou a suspensão dos demais recursos idênticos. Espera-se que os tribunais de origem tenham o discernimento de, diante da uniformização obtida, reformar o posicionamento divergente com a nova orientação, evitando, dessa maneira, que inúmeros recursos  sejam  admitidos,  remetidos  ao  STJ,  autuados,  distribuídos  e julgados  apenas   pro forma, visto que já conhecido o destino do mérito da questão.

 

DO PROCEDIMENTO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL

 

 

O prazo para interposição é de quinze dias, mediante a aplicação da regra geral prevista no art. 508, contados na forma do art. 506, sendo recebidos apenas no efeito devolutivo, possibilitando a execução provisória do acórdão recorrido.

 

As petições distintas de interposição serão endereçadas ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, contendo a exposição de fato e de direito, a demonstração de cabimento e as razões do pedido de reforma (CPC, art. 541). O recorrido será intimado a apresentar resposta, também em petição distinta.

 

Se o recurso extraordinário ou especial for interposto de decisão interlocutória proferida em processo de conhecimento, cautelar ou embargos à execução, deverá ficar ele retido nos autos, aguardando eventual reiteração da parte interessada no prazo para a interposição do recurso ou contrarrazões da decisão final. Muito embora não esclarecido expressamente na lei, a melhor exegese impõe considerar serem os recursos especial ou extraordinário tirados contra a decisão final aqueles nos quais o interessado postulará a apreciação dos demais já retidos nos autos, devendo o órgão a quo analisar a admissibilidade de todos eles no mesmo ato. Para evitar dano irreparável gerado pela retenção dos recursos especial e extraordinário, admissível tornou-se a postulação de medida cautelar perante os tribunais superiores visando o imediato conhecimento do recurso retido, isto desde que caracterizado o periculum in mora.

 

O juízo de admissibilidade será realizado no prazo de quinze dias, em decisão fundamentada. Se ambos os recursos forem admitidos, seguirão (o especial e o extraordinário) para o Tribunal de Justiça, detentor da prioridade para julgamento.

 

Se denegada a admissibilidade de algum dos recursos, tem cabimento o agravo de instrumento, no prazo de dez dias, instruído, obrigatoriamente e sob pena de não conhecimento, com cópias do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contrarrazões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados das partes. Essas cópias poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal.

 

A petição de agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem, não dependendo de pagamento de custas e despesas postais. Depois, o agravado será intimado para resposta em dez dias, podendo instruí-la com peças, com remessa posterior ao tribunal superior respectivo.

 

 

Nesses agravos é facultado ao relator conhecê-lo para dar provimento imediato ao próprio recurso especial ou extraordinário, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Poderá o relator, ainda, determinar sua conversão nos próprios recursos extraordinário ou especial, desde que o instrumento se faça acompanhar de todas as peças necessárias para o julgamento do mérito do recurso denegado.

 

Em qualquer recurso para os tribunais superiores poderá o relator negar seguimento àquele manifestamente inadmissível, improcedente e prejudicado, ou ainda dar ou negar-lhe provimento, conforme esteja ele de acordo ou em contrário à súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

 

De todas as decisões singulares do relator caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão colegiado competente para julgamento do recurso, facultada a retratação. Provido o agravo ou proferida a reconsideração, terá o recurso seguimento. Mas, quando esse agravo for manifestamente inadmissível ou infundado, o tribunal respectivo condenará o agravante ao pagamento de multa entre um por cento e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando condicionada ao depósito do valor da sanção a interposição de qualquer outro recurso. Essa penalidade também é aplicável aos agravos tirados contra os juízos de inadmissibilidade realizados pelos tribunais inferiores nos recursos especiais e extraordinários.

 

O recurso extraordinário só será objeto de julgamento quando o especial não for provido, pois somente aí surgirá a necessidade de prosseguir na análise da pretensão do recorrente.

 

Pode ocorrer que o ministro relator do Superior Tribunal de Justiça entenda ser o recurso extraordinário prejudicial ao recurso especial, caso em que determinará o sobrestamento do seu andamento e a remessa do extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. Essa decisão é irrecorrível mas não vinculativa do Supremo Tribunal, o qual poderá, após análise do relator, devolver os autos para julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça.

 

Por fim, o art. 546 cria os embargos de divergência, recurso assemelhado à uniformização de jurisprudência, destinado a eliminar julgamentos com interpretações jurídicas diversas dos proferidos por outra turma, seção ou órgão especial do Superior Tribunal de Justiça ou de outra turma ou do plenário do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto nos regimentos internos respectivos.


 

 

 

DA AÇÃO RESCISÓRIA

CONCEITO

 

É o remédio jurídico que visa reparar a injustiça de uma sentença transitada em julgado. É ela portanto ação de cunho desconstitutivo, visando a extinção da imutabilidade dos efeitos materiais da sentença de mérito, por ocorrência de algum dos vícios de anulabilidade previstos no art. 485 do Código de Processo Civil.

 

Alguns autores ainda vislumbram na rescisória natureza declaratória de nulidade da sentença. Pelo já estudado no capítulo dos pressupostos processuais e da querela nulitatis insanable, podemos afirmar não ser a rescisória destinada ao controle dos vícios mais graves da sentença de mérito da qual não caiba mais recurso. Esses vícios gravíssimos impedem até mesmo considerar-se existente a sentença proferida, como nos casos de juiz não investido ou citação nula do réu que permaneceu revel em juízo. Os vícios objeto da rescisória são sim graves, mas não o suficiente para tornar inexistente o provimento jurisdicional. Ao contrário, visam controlar as sentenças anuláveis, portadoras de vícios de segundo grau de gravidade com relação à sentença inexistente. Entretanto, tais vícios serão considerados sanados sempre que o prazo decadencial de dois anos, contados do trânsito em julgado da sentença, escoar-se.

 

São casos de rescisão da sentença (CPC, art. 485):

 

a) Prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. O atingimento da parcialidade do juiz motiva o afastamento dos efeitos materiais de sua sentença. Não demanda a condenação criminal, comportando prova na própria rescisória, e gera a anulação de todo o processo, desde o início da instrução.

 

b) Impedimento ou incompetência absoluta do juiz. Em sendo o impedimento hipótese objetiva de parcialidade do julgador, sua decisão é rescindível, também ocasionando a nulidade do processo desde o início da instrução. Já a eventual suspeição, de natureza subjetiva, fica sanada pelo advento do trânsito em julgado da sentença de mérito. A incompetência absoluta também é vício insanável, reconhecível de ofício no curso do processo. A sentença de mérito proferida por juiz absolutamente incompetente é rescindível, gerando a nulidade do processo desde a instrução. Já a relativa se prorroga, se não arguida via exceção no momento oportuno.

 

c) Dolo da parte vencedora. Devem as partes obediência ao princípio da lealdade processual. Se o vencedor impediu ou dificultou dolosamente a atuação da parte adversa ou influenciou dissimuladamente o juízo do magistrado, pode ter rescindida a decisão em seu favor, se provado no curso da rescisória ter sido o dolo a causa de sua vitória no processo.

 

d) Colusão para fraudar a lei. Podem os prejudicados (terceiros, Ministério Público ou herdeiros) por aqueles que se utilizaram do processo para fraudar a lei rescindir a decisão prejudicial no prazo para a rescisória.

 

e) Ofensa à coisa julgada. Já objeto de análise a solução do conflito entre duas sentenças idênticas. Como visto, a sentença mais nova, violadora da coisa julgada, pode ser afastada do mundo jurídico pela rescisória. Entretanto, vencido o prazo legal de dois anos, não há como afastar o reconhecimento de validade da segunda sentença (mais nova) sobre a primeira (mais antiga).

 

f) Violação à literal disposição de lei. Não basta à parte alegar incorreta interpretação da lei no caso concreto, mas sim o error in judicando ou in procedendo patológico e repulsivo. É a decisão que nega vigência à lei em vigor ou se pauta por interpretação completamente oposta e manifestamente errônea.

 

 

g) Falsidade de prova. A prova falsa só leva à rescisão se não existir outro elemento de convicção nos autos capaz de levar à mesma conclusão.

 

h) Documento novo. É a prova documental cuja existência a parte desconhecia ou de que não era capaz de fazer uso, suficiente para, por si só, assegurar um pronunciamento judicial em seu favor.

 

i) Confissão, desistência ou transação inválidas. Muitos autores equivocadamente, data venia, afirmam ser a sentença homologatória da transação rescindível. A simples homologação é mero ato formal, não correspondente a uma sentença de mérito propriamente dita, com aplicação do direito material ao caso concreto. Dessa forma, as transações invalidamente homologadas em juízo (CPC, art. 269, III) devem ser objeto de ação anulatória, como se simples negócio jurídico fossem e não ação rescisória (CPC, art. 486). O inciso VIII é expresso ao possibilitar a rescisão de sentença que se baseou em transação inválida, ou seja, sentença de mérito proferida com base no art. 269, I, e fundamentada sobre transação inválida. É hipótese assemelhada à falsidade de prova e ao documento novo, significando simplesmente que o acolhimento ou não da pretensão do autor se pautou em negócio jurídico firmado pelas partes, mas inválido.

 

j) Erro de fato. É de interpretação restritiva, só sendo admissível a rescisão quando a sentença admitir fato inexistente ou considerar inexistente fato efetivamente ocorrido. Ademais, o erro deve ser a causa da conclusão da sentença, decorrente da análise das próprias provas dos autos e da ausência de controvérsia ou pronunciamento judicial sobre o fato no processo anterior.

 

Podem ajuizar a rescisória as partes, o terceiro juridicamente interessado (assistente) e o Ministério Público, quando tiver sido parte ou na qualidade de fiscal da lei, se não foi ouvido no processo em que sua intervenção era obrigatória ou se a sentença for decorrente de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei.

 

A inicial da rescisória deve trazer o pedido de rescisão do julgado e, se for o caso, de novo julgamento, além da prova do depósito da importância de cinco por cento, multa aplicável caso a ação seja unanimemente inadmitida ou julgada improcedente, revertendo em favor do réu.

 

O pedido de novo julgamento só não tem cabimento nas hipóteses de ofensa à coisa julgada e dos vícios de parcialidade do juiz (nulidade do julgamento).

 

A rescisória não suspende a executibilidade da sentença objeto da ação, a menos que tenham sido concedidas medidas de natureza cautelar ou antecipatória da tutela.

 

Por fim, é permitida a rescisória de rescisória quando algum dos vícios do art. 485 tiver ocorrido no primeiro julgamento do tribunal, não sendo facultada se a inicial alegar novamente vício do processo originário.