TEORIA GERAL DO PROCESSO
Capítulo I
INTRODUÇÃO
1 DIREITO PROCESSUAL
Numa sociedade evoluída, com o estabelecimento de normas gerais de conduta, cuja observância é imposta a todos os cidadãos, inconcebível é a solução dos conflitos de interesses através da sujeição do mais fraco pelo mais forte (autotutela). Tal forma de composição de litígios, típica de épocas em que o Estado organizado se encontrava ausente, foi substituída, no curso da história, pela função estatal jurisdicional, assumindo o Estado o dever e o poder de julgar as pretensões apresentadas pelo integrante da sociedade que se diz violado num direito material.
Mas se a sociedade passou a outorgar aos seus agentes políticos tal atividade, como forma de garantia da pacificação e estabilidade social, de outro lado exige ela que a solução desses conflitos seja realizada mediante a aplicação de um instrumento com regras previamente definidas em lei, reguladoras da relação jurídica a surgir entre o Estado-juiz e aqueles que o procuram para dirimir suas pendências. Como essa relação envolve o exercício do poder, tal garantia é essencial ao estado democrático de direito, para se conceder ao cidadão o prévio conhecimento de como esse instrumento de composição de litígios será desenvolvido e evitar abuso e arbitrariedade do Estado no exercício desta sua atividade primária.
É o direito processual, portanto, o conjunto de normas e princípios que estuda essa atividade substitutiva do Estado (jurisdição) e a relação jurídica que irá desenvolver-se entre as partes litigantes e o agente político (juiz) que exerce a função jurisdicional.
Após anos de evolução, a ciência conseguiu identificar os seus quatro institutos fundamentais, a partir dos quais o estudo do direito processual é desenvolvido, quais sejam, jurisdição, ação, exceção ou defesa e processo.
Da jurisdição decorre o estudo da competência, dos poderes do juiz no processo, da exigência de fundamentação das decisões e do duplo grau de jurisdição.
O conceito de ação desdobra-se no estudo dos seus elementos identificadores e condições de exercício, nos fenômenos da conexão, litisconsórcio, prevenção, coisa julgada, litispendência e formas de extinção do processo.
A exceção (ou defesa) tem sua importância no estabelecimento de prazos e nos fenômenos processuais da revelia e do julgamento antecipado da lide.
Por fim, o processo é instituto informativo de todas as regras sobre o procedimento, o qual é a sua expressão visível.
A doutrina moderna desenvolveu uma teoria geral do processo cujos conceitos são aplicados a todos os seus ramos indistintamente, mesmo porque não é a estipulação de regras especiais, conforme a natureza do direito material a ser tutelado, que transformará o direito processual em várias ciências menores.
Portanto, o processo civil é o ramo do direito processual que estuda o exercício da jurisdição civil, compreendidos os direitos materiais civil, comercial, administrativo e tributário, além de qualquer outro que não tenha regras processuais específicas previstas em lei (característica residual), muito embora a teoria geral do processo desenvolva e estude elementos comuns a todos os ramos da ciência do processo.
2 CONCEITOS BÁSICOS
Necessária se torna a fixação de alguns conceitos básicos que serão utilizados durante todo o transcorrer do estudo do processo civil.
Lide: é o conflito de interesses, qualificado pela existência de uma pretensão resistida. Se uma pessoa pretende o bem da vida (material ou imaterial) e encontra resistência relevante em outra pessoa, somente o Poder Judiciário, como regra quase absoluta, pode, pela atuação do processo, solucionar a questão.
Entretanto, nem toda lide é de interesse do Judiciário, mas somente aquelas em que não foi possível a solução amistosa. Na convivência social não raramente nos deparamos com o surgimento de conflitos entre os cidadãos, os quais quase sempre são resolvidos pelo consenso das partes. Só quando inviável se mostra a solução amistosa e havendo risco de dano efetivo a uma das partes em litígio é que surge a necessidade de intervenção da jurisdição estatal. Daí o uso da expressão “qualificado pela pretensão resistida” no conceito referido.
Processo: é o instrumento colocado à disposição dos cidadãos para solução de seus conflitos de interesses e pelo qual o Estado exerce a jurisdição. Tal solução e exercício são esenvolvidos com base em regras legais previamente fixadas e buscam, mediante a aplicação do direito material ao caso concreto, a entrega do bem da vida, a pacificação social e a realização da Justiça.
Os elementos integrantes desse instrumento de exercício do poder estatal (jurisdição) são o procedimento (materialização do processo) e a relação jurídica processual contraditória (desenvolvida entre o juiz e as partes).
Procedimento: é a forma como o processo se exterioriza e materializa no mundo jurídico. É através do procedimento que o processo age. Basicamente consiste ele numa sequência de atos que deve culminar com a declaração do Judiciário sobre quem tem o direito material (bem da vida) na lide submetida à sua apreciação. Esta sequência deve observar, obrigatoriamente, a dialética processual, consistente em facultar às partes a efetiva participação durante seu desenvolvimento (tese do autor e antítese do réu) e garantir a utilização de todos os recursos legais inerentes à defesa dos interesses de cada litigante, tudo para formar o convencimento do julgador (síntese).
Nosso ordenamento jurídico prevê uma fórmula geral de solução de conflitos, nominada procedimento comum, a ser adotado sempre que o direito material em litígio não demandar regras específicas para sua solução. Mas ante a diversidade das relações jurídicas substanciais surgidas entre as partes, torna-se inviável a adoção absoluta dessa regra única. A busca de uma melhor efetividade do processo fez surgir a atual tendência do processo civil de especializar seus procedimentos, assumindo, estes, modos diversos de agir, cada vez que o direito material a ser amparado seja diferenciado (procedimentos especiais).
Pretensão: é a exigência, pedido ou postulação que a parte deduz perante o juiz. Vencida a fase da justiça com as próprias mãos, é obrigação do titular de um direito violado provocar o
exercício da jurisdição estatal. Através do processo poderá ele buscar uma sentença que reconheça o direito alegado e sujeite o réu ao seu cumprimento.
No processo se desenvolvem duas pretensões distintas do autor:
a) A primeira é a deduzida contra a parte adversa, correspondendo à exigência de subordinação ao seu interesse, com a consequente entrega do bem da vida que se alega violado. Essa pretensão encontra embasamento nas regras gerais de conduta do direito material.
b) Mas, como o Estado chamou para si, no transcorrer da história, o poder de solucionar conflitos, aquele que se diz violado num direito material passou a ter um direito subjetivo contra o Estado-juiz, consistente em obter uma tutela jurídica que afaste a violação por ele suportada. Logo, o autor da demanda judicial também formula uma pretensão contra o agente que exerce a jurisdição, a qual consiste justamente em obter um provimento jurisdicional que obrigue o réu à entrega do direito material violado.
Capítulo II
A LEI PROCESSUAL
A fonte maior do direito processual é a lei. Nosso ordenamento positivado optou pela edição de um Código de Processo Civil, nele concentrando a maior parte das disposições legais. Sem prejuízo, diversas leis esparsas contêm normas processuais específicas, como a Lei de Falências, a Lei do Inquilinato, o Código de Defesa do Consumidor, a Lei do Mandado de Segurança etc.
A Constituição Federal estipula a competência privativa da União para legislar sobre direito processual (CF, art. 22, I), muito embora faculte aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre procedimento.
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
3 LEI PROCESSUAL NO ESPAÇO
Vige o princípio da territorialidade (CPC, art. 1º).
Art. 1o A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece.
O direito processual faz parte do direito público, regulador que é das relações dos cidadãos com o Estado-juiz. Portanto, por ser o processo constituído de uma parcela da soberania (poder estatal), não permite o Estado brasileiro a aplicação de normas processuais estrangeiras no território nacional, como regra quase absoluta.
Daí por que, ao contrário do que acontece com o direito material disponível (via de regra de cunho obrigacional), inviável que as partes estipulem em contrato a adoção de normas processuais de país estrangeiro. A única exceção admitida se encontra contida no art. 13 da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), referente à obrigatoriedade de utilização dos ônus e meios de prova do local onde o negócio jurídico material se realizou, afastadas, contudo, as provas desconhecidas pela lei processual brasileira.
4 LEI PROCESSUAL NO TEMPO
A lei processual tem aplicação imediata, a partir do momento de sua entrada em vigor (observado o prazo de eventual vacatio legis), inclusive aos processos em curso. Por outro lado, é ela irretroativa, não atingindo atos processuais já praticados e findos (tempus regit actum).
Os atos processuais podem ser classificados em já praticados, de realização prolongada ou futuros.
Os atos já praticados são aqueles que, quando realizados, implicam imediata passagem do procedimento para um estágio subsequente, como, por exemplo, a contestação ou interposição de recurso. Para tais atos, praticados na égide da lei anterior, é irrelevante o advento da nova lei.
Já os atos de realização prolongada são aqueles cujo exaurimento só ocorrerá no futuro, muito embora sua prática tenha sido iniciada sob a égide da lei antiga. É o exemplo clássico da audiência, a qual não perde seu caráter de unicidade, muito embora possa estender-se por meses até findar. Tais atos não são atingidos pela lei nova que entra em vigor na pendência de sua prática, surgindo a hiperatividade da lei processual antiga. Analisemos o § 1º do art. 414 do Código de Processo Civil, o qual impõe o limite de três testemunhas para cada fato controverso. Suponhamos, então, uma audiência redesignada para a oitiva de uma terceira testemunha de defesa, ausente quando da primeira data, sobre o único fato controverso existente nos autos. Eventual lei processual superveniente que venha a entrar em vigor nesse interregno, proibindo a oitiva de mais de duas testemunhas por cada fato controverso, não terá aplicabilidade a esse ato já iniciado, mas pendente de complementação. Portanto, permanece válida a lei anterior, do início do ato uno, que terá sua eficácia prolongada até o exaurimento do ato.
Código de Processo Civil
Art. 414. Antes de depor, a testemunha será qualificada, declarando o nome por inteiro, a profissão, a residência e o estado civil, bem como se tem relações de parentesco com a parte, ou interesse no objeto do processo.
§ 1o É lícito à parte contraditar a testemunha, argüindo-lhe a incapacidade, o impedimento ou a suspeição. Se a testemunha negar os fatos que Ihe são imputados, a parte poderá provar a contradita com documentos ou com testemunhas, até três, apresentada no ato e inquiridas em separado. Sendo provados ou confessados os fatos, o juiz dispensará a testemunha, ou Ihe tomará o depoimento, observando o disposto no art. 405, § 4o.
Já o ato processual futuro é aquele ainda não praticado ou iniciado, sujeitando-se sua prática às disposições da nova lei.
Exemplo desta hipótese seria uma eventual alteração das regras recursais. A lei nova terá sempre aplicabilidade aos recursos ainda não interpostos, mesmo que já iniciado o prazo para sua interposição.
É costumeiramente utilizada pela jurisprudência a técnica do isolamento dos atos processuais, para firmar a inaplicabilidade da lei processual nova sobre atos já findos ou sobre seus efeitos, muitas vezes fazendo menção ao conceito do ato jurídico perfeito. Por esses entendimentos, o ato processual já praticado gera efeitos permanentes entre as partes, ou seja, direito adquirido em favor da parte beneficiada.
Tal conceito não foi sancionado pelo Superior Tribunal de Justiça quando dos julgamentos referentes à aplicabilidade da Lei da impenhorabilidade do bem de família aos processos que já comportavam penhora realizada. Muito embora o ato de penhora sobre o bem de família do devedor tivesse sido realizado em data anterior à vigência da referida lei, tais decisões fundaram-se na relevante natureza social da nova lei e determinaram a retroação da impenhorabilidade às constrições realizadas antes da sua entrada em vigor, afastando a aplicação dos conceitos de direito adquirido e ato jurídico perfeito no direito processual.
Capítulo III
PRINCÍPIOS GERAIS DO PROCESSO CIVIL
Princípios podem ser definidos como a verdade básica imutável de uma ciência, funcionando como pilares fundamentais da construção de todo o estudo doutrinário.
A Magna Carta de 1988, adotando a moderna tendência de constitucionalização do processo e de sua consideração como uma das garantias fundamentais do cidadão, pela primeira vez houve por bem incluir em seu bojo uma série de princípios basilares da ciência processual.
A divisão do capítulo visa facilitar a visualização de que nem todos os princípios de processo civil se encontram previstos expressamente como garantias constitucionais. Tais garantias, muitas delas inseridas no art. 5º da Constituição Federal e elevadas ao nível de cláusulas pétreas, não podem ser objeto de limitação pela legislação infraconstitucional.
Já os demais princípios internos do processo civil comportam regulagem em legislação específica, servindo mais como forma de distinção do processo civil dos demais ramos da ciência processual.
Constituição Federal
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
5 GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO CIVIL
5.1. DEVIDO PROCESSO LEGAL (CF, ART. 5º, LIV)
Constituição Federal.
Art. 5º
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Para cada tipo de litígio deve a lei apresentar expressamente uma forma de composição jurisdicional pertinente, já que nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário.
A mais moderna e conceituada doutrina brasileira vem, com base nos estudos de direito comparado, estendendo os limites da cláusula do due process of law para fora do processo, entendendo-o muito mais como uma espécie de postulado gênero, do qual derivam todos os outros princípios. Tal inspiração teve origem na Constituição Federal norte-americana, a qual, fundada no histórico conceito do land of law, acobertou o caráter não só processual mas também substantivo do devido processo legal, através de suas Emendas 5ª e 14ª. E essa característica substantiva do devido processo vem sendo ressaltada na doutrina pátria por diversos juristas, de modo que tal garantia possa ser constatada, por exemplo, no princípio da legalidade do direito administrativo, na liberdade de contratar e no direito adquirido (direito civil), nas licitações, nas garantias constitucionais fundamentais e até mesmo em procedimentos extrajudiciais da vida privada (expulsão do sócio de um clube recreativo).
Para o processo civil é o devido processo legal princípio informativo que abrange e incorpora todos os demais princípios a serem estudados, funcionando, juntamente com o contraditório, ampla defesa e imparcialidade, como o sistema de garantias processuais básicas de uma sociedade justa e democrática. Ninguém pode ser privado de sua liberdade ou de seus bens sem que tenha sido submetido a um julgamento prolatado com base no pertinente instrumento estatal previsto em lei para a solução daquele conflito específico de interesses.
Sua ofensa tem sido reconhecida pela jurisprudência nos mais diversos casos, como, por xemplo, na adoção equivocada do rito sumário quando cabível o ordinário, na ausência de observância da forma de liquidação da condenação constante na sentença, na negativa de seguimento ao recurso extraordinário quando não dada oportunidade de manifestação da parte sobre os novos argumentos esposados pelo julgado e na ausência de intimação das partes da audiência designada no juízo deprecado.
5.2. IMPARCIALIDADE
É a garantia de um julgamento proferido por juiz equidistante das partes. A isenção daquele que profere a decisão é uma das maiores preocupações da ciência processual e é assegurada por um conjunto de outros princípios e garantias.
O primeiro elemento integrante do conjunto principiológico são as garantias constitucionais dos magistrados, consistentes na irredutibilidade de subsídios, inamovibilidade e vitaliciedade (CF, art. 95, I, II e III).
Constituição Federal
Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
I - vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;
II - inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;
III - irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Também ligadas à imparcialidade a garantia do juiz natural e a vedação expressa aos tribunais de exceção (CF, art. 5º, XXXVII).
Constituição Federal, Art. 5º
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
O juiz natural é aquele investido regularmente na jurisdição (investidura) e com competência constitucional para julgamento do conflito de interesses a ele submetido. Exemplo prático da aplicação da garantia da investidura é a declaração de inconstitucionalidade da aplicação a menor de medida socioeducativa pelo Ministério Público por ser essa atribuição exclusiva da autoridade judiciária e gerar, por consequência, violação ao princípio do juiz natural.
Já para que não haja violação à vedação aos tribunais de exceção, mister se faz que o órgão jurisdicional tenha sido criado previamente aos fatos que geraram a lide submetida ao seu crivo e com competência prevista de modo expresso na Constituição Federal. Típico exemplo de tribunal de exceção em nosso ordenamento seria o de Nuremberg, criado após o fim da Segunda Grande Guerra, para julgar os crimes de genocídio acontecidos anteriormente à sua instituição.
O próprio Código de Processo Civil, em seus arts. 134 e 135, prevê hipóteses de natureza objetiva e subjetiva de parcialidade do juiz (vide Capítulo XIX, item 68.2).
Código de Processo Civil
Dos Impedimentos e da Suspeição
Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
I - de que for parte;
II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;
III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;
IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu consanguíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;
V - quando cônjuge, parente, consanguíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;
VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.
Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;
II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;
III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;
IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;
V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.
Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.
68.2. DEFESA DE MÉRITO
O réu pode também deduzir defesa contra os fatos constitutivos alegados pelo autor e seu pedido mediato, quando então teremos a defesa de mérito, respeitante exclusivamente ao direito material trazido com a inicial.
Rege-se por dois princípios:
a) Impugnação específica. Todos os fatos constitutivos do direito alegado pelo autor na inicial devem ser impugnados pelo réu em contestação, sob pena de transformarem-se em incontroversos e serem presumidos como verdadeiros. Fato não impugnado é equiparado a fato confessado, já que a ausência de controvérsia sobre sua veracidade tem o mesmo valor para o processo que a sua assunção expressa.
Existem apenas três exceções ao princípio: I — se o fato não contrariado não comportar confissão; II — quando o fato deveria ser provado por instrumento público juntado já com a inicial (CPC, art. 366) Art. 363. A parte e o terceiro se escusam de exibir, em juízo, o documento ou a coisa: I - se concernente a negócios da própria vida da família;II - se a sua apresentação puder violar dever de honra; III - se a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal; IV - se a exibição acarretar a divulgação de fatos, a cujo respeito, por estado ou profissão, devam guardar segredo; V - se subsistirem outros motivos graves que, segundo o prudente arbítrio do juiz, justifiquem a recusa da exibição. Parágrafo único. Se os motivos de que tratam os ns. I a V disserem respeito só a uma parte do conteúdo do documento, da outra se extrairá uma suma para ser apresentada em juízo; ou III — se o fato não impugnado especificamente estiver em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
Com base nesse princípio, a contestação por negativa geral só é facultada ao advogado dativo, ao curador especial, à Fazenda Pública e ao Ministério Público.
b) Eventualidade. Compete ao réu levantar em contestação todas as teses de direito possíveis e congruentes entre si, sob pena de preclusão. Formulada a contestação, eventual tese de direito não levantada no momento oportuno não poderá mais ser arguida pelo réu naquele processo.
Novamente o Código de Processo Civil abre três exceções a esse princípio, facultando nova chance ao réu de deduzir alegações de direito fora do momento da contestação quando: I — forem relativas a direito superveniente (surgido no transcorrer da lide); II — competir ao juiz conhecer delas de ofício (prescrição e decadência); e III — por expressa disposição legal puderem ser formuladas em qualquer tempo e juízo (condições da ação, falta de pressupostos processuais de existência ou validade).
A defesa material ou de mérito pode ser classificada de duas formas:
a) Defesa de mérito direta. Nesta modalidade o réu se opõe diretamente ao fato constitutivo ou direito alegado pelo autor. Tal negativa nada traz de novo ao processo, apenas visa incutir no convencimento do juízo a inexistência do fato ou, muito embora este tenha existido, a inexistência do direito dele decorrente, como a consequente improcedência do pedido do autor.
Em sendo formulada uma defesa de mérito direta compete ao autor comprovar a veracidade dos fatos constitutivos, posto que contrariados pelo réu em sua resposta (ônus da prova de quem alega).
b) Defesa de mérito indireta. Ocorre no reconhecimento pelo réu da existência do fato jurídico alegado pelo autor, mas com sequente afirmação de algum fato novo, modificativo, extintivo ou impeditivo do direito deste. Como exemplos de fato extintivo do direito do autor temos as formas de extinção de obrigação, como o pagamento, a compensação, a novação etc. Como fato modificativo temos a compensação parcial. Por fim, como fato impeditivo temos, or exemplo, o não implemento de uma condição suspensiva ou termo inicial de uma obrigação.
A defesa indireta implica a assunção pelo réu da veracidade quanto aos fatos constitutivos do direito do autor, passando a ser seu o ônus de demonstrar a ocorrência do fato novo trazido na contestação (inversão do ônus da prova).
O desaforamento dos casos de competência do Tribunal do Júri visa justamente o deslocamento do julgamento para outra comarca, em virtude da suspeita de parcialidade dos jurados, como, por exemplo, quando o réu tem influência política, social e econômica em pequena cidade do interior.
5.3. CONTRADITÓRIO (CF, ART. 5º, LV)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
O contraditório é hoje considerado a garantia mais relevante do ordenamento processual e consiste na outorga de efetiva oportunidade de participação das partes na formação do convencimento do juiz que prolatará a sentença. Por ele se possibilita às partes a portunidade de manifestação a cada fato novo surgido no processo, de modo que, da tese desenvolvida pelo autor e da antítese trazida pelo réu, possa o juiz deduzir a síntese.
Essa dialética processual, consistente na atuação do juiz e na atividade contraditória das partes, é forma de concessão de legitimação ao processo, gerando maior força de pacificação social e justiça nas decisões. Não se pode negar que a parte vencida terá um conformismo maior quanto mais ampla tiver sido a sua participação no feito.
Muito embora não admita exceções, o contraditório pode desenvolver-se de duas maneiras distintas:
a) De forma antecipada. Nessa hipótese as partes acompanham o desenrolar do processo desde seu início, sem suportar efeitos de decisões interlocutórias das quais ainda não tenham conhecimento e com o proferimento da sentença final somente após cognição exauriente desenvolvida pelo juiz (ex.: processo comum de conhecimento). Portanto, todas as decisões no curso do processo são tomadas depois da observância da citada dialética processual, sendo o convencimento do julgador formado após a ampla manifestação das partes, de modo definitivo.
b) De forma diferida ou postergada no tempo. É o caso das decisões liminares, nas quais, mediante simples cognição sumária e através das alegações e provas de apenas uma das partes, o juiz prolata decisão provisória, sobrevindo o contraditório apenas após o cumprimento da ordem. Nestes casos o julgador, em virtude da urgência da medida solicitada, faz mero juízo provisório a respeito do pedido.
Nenhuma inconstitucionalidade existe nessa forma diferida de contraditório, já que a medida requerida só será deferida se prestada a efetiva contracautela (ações cautelares) ou se for ela dotada de reversibilidade (antecipação de tutela). Tais hipóteses se justificam pela urgência da tutela demandada, a qual, caso tenha de aguardar o desenvolvimento antecipado do contraditório, poderá ser completamente ineficaz, mesmo que acolhida ao final do processo.
Foi acolhido pelo nosso ordenamento o procedimento monitório, típico exemplo de tutela jurisdicional diferenciada mediante contraditório diferido ou postergado, já que a expedição do mandado de pagamento é efetuada mediante requerimento daquele que se diz credor, após simples análise dos requisitos formais do documento monitório e sem qualquer participação do devedor.
Nossa jurisprudência tem reconhecido a violação ao contraditório nos julgamentos fundados em documentos sobre os quais não foi dada chance de manifestação à parte vencida e na aplicação de pena disciplinar por clube a sócio, sem que haja sua efetiva participação no procedimento interno.
5.4. AMPLA DEFESA (CF, ART. 5º, LV)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
Consiste na possibilidade de utilização pelas partes de todos os meios e recursos legais revistos para a defesa de seus interesses e direitos postos em juízo.
O processo atua mediante sequência de atos processuais formais, todos eles previstos em lei justamente para garantir a igualdade das partes durante o transcorrer do “jogo” que se instaura perante o Judiciário e para possibilitar meios de efetiva defesa dos seus interesses em litígio. Não se concebe um processo justo sem que tenham as partes acesso a todos os meios legais, processuais e materiais, criados para a demonstração das suas razões em juízo, servindo a ampla defesa também como forma de legitimação do processo. A violação desse princípio está ligada ao conceito de cerceamento de defesa, consistente na prolação de uma decisão prematura, sem que tenha sido facultada à parte a utilização de todos os recursos previstos em lei para a defesa de seu direito.
Como exemplos de violação à ampla defesa temos o indeferimento pelo juiz da causa de prova relevante e pertinente, requerida pela parte no momento oportuno, e a supressão de fases processuais.
5.5. FUNDAMENTAÇÃO (CF, ART. 93, IX)
CF. Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
A Constituição exige dos órgãos da jurisdição a motivação explícita de todos os seus atos decisórios. Tal garantia assegura às partes o conhecimento das razões do convencimento do juiz e o porquê da conclusão exarada em sua decisão, outorgando ao seu ato maior força de pacificação social, possibilitando a interposição de recursos pela parte vencida.
Como em nosso sistema legal (civil law) os agentes políticos da jurisdição não são eleitos pelo voto popular, a demonstração do raciocínio lógico-jurídico a eles imposto é forma de legitimação da sua função, essencial ao estado de direito e ao conceito de devido processo legal.
Nosso ordenamento abre uma única exceção ao princípio da motivação: nos julgamentos de competência do Tribunal do Júri Popular, órgão constitucional da jurisdição e soberano em seus veredictos, pelo qual o acusado é julgado por seus semelhantes, mediante simples respostas positivas ou negativas a quesitos formulados pelo juiz togado, sem qualquer demonstração do raciocínio lógico dos jurados quanto ao juízo condenatório ou absolutório.
Como o princípio do devido processo legal extrapolou os limites do direito processual, a fundamentação tem sido exigida até mesmo nas decisões das autoridades administrativas, sob pena de nulidade da sanção aplicada, como por exemplo na apreensão de carteira de motorista e nos procedimentos administrativos de demissão do funcionário público.
5.6. PUBLICIDADE (CF, ART. 5º, LX)
CF. Art. 5º, LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
Todos os atos praticados em juízo são dotados de publicidade, como forma de controle da atividade jurisdicional pelas partes e garantia de lisura do procedimento. O controle do andamento do processo pelas partes, seus procuradores e qualquer do povo é hoje requisito essencial para a validade do ordenamento processual, afastando a suspeita decorrente de julgamentos secretos. Entretanto, tal princípio não é absoluto, podendo ser restringido quando o interesse social ou a defesa da intimidade assim o exigir, conforme admissão pela própria norma constitucional (CPC, art. 155).
CPC, Art. 155. Os atos processuais são públicos. Correm, todavia, em segredo de justiça os processos:
I - em que o exigir o interesse público;
Il - que dizem respeito a casamento, filiação, separação dos cônjuges, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.
Parágrafo único. O direito de consultar os autos e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e a seus procuradores. O terceiro, que demonstrar interesse jurídico, pode requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem como de inventário e partilha resultante do desquite.
O sigilo garantido aos jurados quando da votação dos quesitos em plenário visa justamente gerar a isenção do julgamento e afastar eventuais pressões posteriores à absolvição ou condenação, tornando evidente o interesse social na ausência da publicidade no caso específico.
Já nas ações sobre direito de família estamos diante de duas garantias constitucionais que demandam harmonização: a publicidade do processo e a vida íntima das partes. O ordenamento fez opção por limitar a publicidade às partes e aos advogados constituídos, pois sua extensão a terceiros estranhos à lide acabaria por gerar prejuízos irreparáveis, principalmente pela natureza íntima das questões discutidas no processo.
5.7. DA CELERIDADE PORCESSUAL (CF, ART. 5º, LXXVIII)
CF, Art. 5º, LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).
A Emenda Constitucional n. 45/2004 fez incluir, dentro do rol das garantias constitucionais do processo, a celeridade processual. Esta é caracterizada por dois aspectos distintos, quais sejam, a razoabilidade na duração do processo e a celeridade em sua tramitação. Entretanto, evidencia-se esta garantia como norma constitucional de eficácia limitada, pois enquanto não promulgada lei complementar ou ordinária que lhe desenvolva a eficácia, fixando contornos objetivos quanto ao conceito de “razoável duração do processo” e criando os meios processuais que garantam a sua celeridade, sua eficácia limitar-se-á a paralisar os efeitos de normas precedentes com ela incompatíveis e a impedir qualquer norma futura a ela contrária.
6 O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Toda decisão ou sentença judicial está sujeita, como regra, a um reexame por instância superior, provocado por recurso da parte possivelmente prejudicada com o ato judicial.
Tal previsão visa prevenir o ordenamento de decisões injustas, através da sua reanálise por juízes mais experientes, geralmente de maneira colegiada, diminuindo-se assim a possibilidade de erro judiciário.
Ponto polêmico desperta a sua colocação como uma das garantias constitucionais, integrante do devido processo legal ou como mero princípio geral de processo civil, podendo, por consequência, sofrer limitações em legislação infraconstitucional.
Respeitados os entendimentos diversos, temos que referido princípio não veio previsto de maneira expressa na Magna Carta e, portanto, não pode ser erguido à espécie de garantia constitucional. O Supremo Tribunal Federal já se mostrou extremamente reticente em reconhecer inconstitucionalidade de legislação infraconstitucional mediante a interpretação extensiva do que vem a ser o devido processo legal. Assim não fosse e considerando ser este o princípio informativo de todo o sistema processual, chegaríamos à conclusão de que todos os demais princípios gerais de processo civil, que dele decorrem, fazem parte das garantias fundamentais e imutáveis previstas na Constituição.
Por tais motivos é que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na existência de embargos infringentes previstos nas execuções fiscais de pequeno valor ou na impossibilidade de agravo das decisões interlocutórias proferidas no processo trabalhista. Nunca é demais lembrar que os processos decididos em única instância pelos tribunais não comportam qualquer recurso ordinário, justamente pela desnecessidade de revisão das decisões proferidas pelos juízes mais experientes.
7 PRINCÍPIOS GERAIS INTERNOS DO PROCESSO CIVIL
São os princípios internos desse ramo da ciência, indicativos de sua diferenciação em relação aos demais ramos do direito processual.
7.1. AÇÃO E DISPONIBILIDADE
A jurisdição é inerte, vedado o seu exercício de ofício, devendo ser sempre provocada pelas partes, seja no processo civil, seja no processo penal.
No âmbito do processo civil, destinado, normalmente, à composição de interesses disponíveis e bens privados, temos que o ajuizamento e o prosseguimento da ação passam pelo crivo discricionário do autor (disponibilidade da ação civil).
Já no processo penal, como regra, a ação é indisponível, incumbindo obrigatoriamente ao Ministério Público o oferecimento de denúncia, desde que presentes indícios de autoria e prova da materialidade do delito. Essa indisponibilidade justifica-se pela natureza fundamental dos bens tutelados pelo processo penal, sendo patente o interesse público (da sociedade) na provocação da jurisdição.
Tal princípio acaba por possibilitar, no curso do processo civil, a autocomposição das partes (renúncia, reconhecimento jurídico do pedido e transação), a aplicação dos efeitos da revelia e a admissão da confissão como elemento de convencimento do juiz.
A distinção, entretanto, vem sofrendo dia a dia maior mitigação ante o engrandecimento das ações civis públicas, ajuizadas na defesa dos interesses difusos ou coletivos (interesse público primário), de natureza indisponível. É a chamada coletivização da justiça, cada vez mais se afastando da inviável defesa individual do direito e se aproximando da defesa coletiva, menos onerosa e mais célere, única condizente com as necessidades de uma sociedade regida por relações jurídicas de massa.
Já outro ponto de aproximação é o surgimento do juizado especial criminal, inovador na outorga de certa discricionariedade ao Ministério Público no oferecimento de denúncia em delitos de menor potencialidade ofensiva e permissivo da transação penal, a qual não acarreta a extinção da responsabilidade civil do causador do dano.
Portanto, pode-se concluir que o processo civil assume maior disponibilidade quanto mais privado for o direito material discutido em juízo. Já quanto mais indisponível for o direito material versado nos autos (direitos difusos, coletivos ou de incapazes), mais o processo civil se aproxima de uma chamada indisponibilidade, inerente ao interesse público incidente na espécie.
7.2. VERDADE FORMAL
Por consequência da distinção acima efetuada, no processo civil não se exige do juiz a busca da verdade real, como ocorre no processo penal. Considerando o interesse privado e disponível posto em jogo, permanece o julgador numa posição mais inerte, aguardando que as partes desenvolvam a comprovação dos fatos por elas alegados. Ao autor compete fazer prova dos fatos constitutivos de seu direito, enquanto ao réu se impõe a prova dos fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito do autor.
A passividade do juiz no processo civil vem sendo objeto de críticas dos doutrinadores, ante a necessidade de a jurisdição, como meio de pacificação social, buscar a decisão verdadeiramente justa e não aquela que se contente apenas com a verdade formal constante dos autos. Tal necessidade exigiria do magistrado uma posição mais ativa no processo, principalmente no que se refere à atividade probatória, suprindo a insuficiência da atuação da parte.
Entendemos que o ativismo intenso do juiz no processo civil esbarraria na sua necessária imparcialidade (equidistância das partes). É lógico que a restrição à iniciativa judicial será menor quanto maior a natureza indisponível ou pública do direito objeto da demanda (interesses difusos ou coletivos, matérias de ordem pública ou direito de incapazes). Mas em se tratando de direito plenamente disponível, discutido entre maiores e capazes, deve o juiz, para garantia de sua isenção, atuar apenas de maneira supletiva à atividade probatória incompleta desenvolvida pelas partes, como, por exemplo, determinando segunda perícia ou a oitiva de testemunha referida em outro depoimento.
7.3. LEALDADE PROCESSUAL
É o princípio pelo qual as partes, mesmo estando em contenda judicial, devem tratar-se com urbanidade e atuar com boa-fé.
A pena pela falta de urbanidade vem prevista no art. 15 do Código de Processo Civil, competindo ao juiz mandar riscar eventuais expressões injuriosas (em conceito amplo) dos autos.
CPC - Art. 15. É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las.
Parágrafo único. Quando as expressões injuriosas forem proferidas em defesa oral, o juiz advertirá o advogado que não as use, sob pena de Ihe ser cassada a palavra.
Já a violação da boa-fé por uma das partes litigantes possibilita a aplicação da pena de litigância de má-fé, a qual tem caráter não só sancionatório como também de recomposição das perdas e danos processuais geradas pelo infrator (CPC, arts. 16 a 18). Em sendo o processo instrumento público e de interesse social, devem as partes expor os fatos em juízo conforme a verdade, deduzir defesas sempre constituídas de fundamento, praticar somente os atos processuais necessários à sua defesa.
CPC - Da Responsabilidade das Partes por Dano Processual
Art. 16. Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente.
Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.
§ 1o Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2o O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.
O dolo bilateral, caracterizado pelo conluio fraudulento das partes em detrimento da lei ou de terceiros, deve ser obstado de ofício pelo juiz da causa simulada (CPC, art. 129).
CPC - Art. 129. Convencendo-se, pelas circunstâncias da causa, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei, o juiz proferirá sentença que obste aos objetivos das partes.
O alterado art. 14 do Código de Processo Civil (Lei n. 10.358/2001) estendeu a todos aqueles que participem de qualquer forma do processo, mesmo que não na qualidade de partes, a observância e o cumprimento das decisões judiciais, sob pena de caracterização de ato atentatório à dignidade da justiça e multa não superior a vinte por cento do valor da causa, fixada conforme a gravidade da conduta. O não pagamento de tal sanção gerará a inscrição da multa na dívida ativa da União ou do Estado, após o trânsito em julgado da decisão.
CPC - Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: (Redação dada pela Lei nº 10.358, de 27.12.2001)
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - proceder com lealdade e boa-fé;
III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento;
IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito.
V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final.
Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.
Os advogados ficaram excluídos dessa previsão legal, sujeitando--se exclusivamente aos estatutos da Ordem dos Advogados do Brasil.
7.4. ORALIDADE
Para os seus defensores, o processo oralizado teria a vantagem de estabelecer o contato do julgador com as partes que se submeterão à sua decisão, possibilitando um julgamento mais justo e com maior força de pacificação social.
As características essenciais do procedimento oral são a vinculação da pessoa física do juiz, a concentração dos atos processuais em uma única audiência e a irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
Os atuais ritos ordinário e sumário do procedimento comum de conhecimento fazem clara opção pela forma escrita, pois, com exceção da regra prevista no art. 132 do Código de processo Civil (vinculação do juiz que encerra a audiência), não se encontram adotadas as demais características da oralidade pura, vislumbradas apenas no rito sumaríssimo do juizado especial cível.
CPC - Art. 132. O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.
Esta opção pela forma escrita do procedimento tradicional vem sendo cada vez mais questionada, diante do desenvolvimento da ciência da informática. Diversas modalidades de processo eletrônico, ainda que de forma parcial, vêm sendo adotadas pelos mais diversos tribunais, como na iniciativa do STJ em exigir dos tribunais de origem que enviem os recursos apenas sob a forma digitalizada, com a evidente economia de papel, despesas com remessa via correio e de tempo, necessário para o trâmite físico do processo.
7.5. ECONOMIA PROCESSUAL
É o princípio que informa a realização dos atos processuais. Estes devem ser sempre raticados da forma menos onerosa possível às partes, dentre aquelas previstas na legislação processual. A necessidade atual de um processo de resultados faz com que a análise das formalidades processuais seja realizada visando a finalidade pretendida em lei e não a forma em si mesma.
Desse princípio decorre a regra do aproveitamento dos atos processuais, pela qual os já realizados, desde que não tenham ligação direta com eventual nulidade anterior, permanecem íntegros e válidos. Incide ele, também, na formação de todo e qualquer procedimento, que deve chegar à sentença com o mínimo possível de atividade processual. Decorre dele, ainda, a possibilidade de indeferimento da inicial, a possibilidade de julgamento antecipado, os institutos da conexão, cumulação de pedidos e ações, entre outros. Ademais, é a economia processual aplicada na interpretação dos institutos do litisconsórcio e da intervenção de terceiros.
Entretanto, não pode esse princípio ser invocado para afastar normas procedimentais expressamente previstas em lei, sob pena de violação ao devido processo legal.
Capítulo IV
JURISDIÇÃO
8 FORMAS DE COMPOSIÇÃO DE LITÍGIOS
Muito embora atualmente a tutela jurisdicional seja o meio primordial de solução de lides, comporta o processo civil outras formas de desaparecimento do conflito, ligadas ao consenso das partes, surgidas de maneira evolutiva no curso da história. São elas:
8.1. AUTOTUTELA
A primeira forma de composição de conflitos de interesses, surgida quando da ausência de um Estado organizado, com poder insuficiente para coibir os homens de buscar a solução de suas lides através da lei do mais forte e subjugo forçado do mais fraco.
Muito embora seja uma espécie primária de composição de litígios, ainda hoje os ordenamentos jurídicos preveem a possibilidade de o ofendido agir imediatamente para repelir a injusta agressão, ante uma situação de urgência. São os exemplos do desforço imediato nas possessórias e do penhor legal (CC/2002, arts. 1.210 e 1.467 a 1.471; CC/16, arts. 502 e 776 a 780), além da legítima defesa no direito penal (CP, art. 23). Fora dessas escassas hipóteses legais permissivas ou cessada a imediatidade da agressão, deve o agredido procurar o Poder Judiciário para a solução da lide, sob pena de cometer o crime de exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345).
Suponhamos uma determinação administrativa da receita federal para desconto em folha de pagamento de funcionário público de verba relativa a imposto de renda supostamente sonegado. Nesse caso é comum o acolhimento ao mandado de segurança fundado na ilegalidade da prática dessa autotutela pela administração pública.
8.2. AUTOCOMPOSIÇÃO
Com o início do convívio do homem em sociedade e sem que o Estado, ainda embrionário, tivesse poder para submeter coativamente os cidadãos às suas decisões, as próprias partes em litígio passaram a buscar amigavelmente a solução de suas pendências. A diferença entre a autocomposição e a autotutela reside justamente na ausência de sujeição forçada de um dos litigantes, e, ainda hoje em nosso ordenamento, são previstas as três formas conhecidas dessa modalidade de composição de litígios:
a) Renúncia (CPC, art. 269, V). Nesses casos o que se diz titular de um direito material violado abre mão definitiva e voluntariamente de sua pretensão, pondo fim ao litígio de forma unilateral, por não mais desejar a obtenção do bem da vida.
b) Reconhecimento jurídico do pedido (CPC, art. 269, II). É o inverso da renúncia, já que nessa hipótese o réu, livremente e sem qualquer sujeição forçada, submete-se à pretensão material do adversário, pondo fim ao conflito através da entrega espontânea do bem da vida pertencente ao autor.
c) Transação (CPC, art. 269, III). Por essa forma de composição, o autor renuncia parcialmente à sua pretensão material, enquanto o réu reconhece a procedência da parte não renunciada, entregando espontaneamente parte do bem da vida, chegando ambos a um denominador comum.
Referidas formas de autocomposição são vistas como verdadeiros negócios jurídicos materiais e bilaterais, cuja eventual ineficácia não deve, como regra, ser arguida via ação rescisória, mas sim através de ação anulatória, perante o juiz de primeiro grau, na qual se provará a corrência de algum dos vícios de consentimento incidente sobre a manifestação de vontade. Tal distinção se mostra mais clara quando constatamos que, em casos de extinção do processo pela autocomposição das partes, o juiz não aplica o direito cabível na espécie conforme seu convencimento, mas se limita a acatar a vontade comum das partes.
8.3. TUTELA JURISDICIONAL (CPC, ART. 269, I)
Como já visto, quando o Estado se organizou e adquiriu poder de decidir e sujeitar os cidadãos ao cumprimento dessas decisões,surge a tutela jurisdicional. É ela, portanto, a composição obtida pela intervenção dos órgãos jurisdicionais, substituindo a vontade das partes na decisão do litígio, através de uma sentença de mérito que aplique o direito material previsto na norma genérica de conduta ao caso concreto.
9 A TUTELA JURISDICIONAL ESTATAL
9.1. CONCEITO
A análise etimológica da expressão “jurisdição” indica a presença de duas palavras unidas: juris (direito) e dictio (dizer).
E esse “dizer o direito”, a partir do instante que o Estado chama para si a responsabilidade de solucionar as lides, transforma esta função em nítido poder estatal, poder este exercido não só pela obrigatoriedade da jurisdição estatal, mas também pela sujeição imposta à parte perdedora na demanda judicial de observar o julgado, sob pena de cumprimento coercitivo. Decorre daí o princípio da inevitabilidade da jurisdição.
De outro lado, o reverso da moeda é o surgimento de um dever do Estado de solucionar todo e qualquer tipo de lide submetida a seu crivo, posto que inexistente para os cidadãos outra forma desolução forçada do conflito. É o dever constitucional de que nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário.
E, por fim, sob o aspecto do agente que exerce a jurisdição, esta é a função ou atividade desenvolvida pelos juízes de direito, investidos pelo Estado no poder de julgar.
Portanto, a jurisdição é definida como sendo o poder-dever do Estado de aplicar o direito ao caso concreto submetido pelas partes, através da atividade exercida pelos seus órgãos investidos (juízes).
9.2. FINALIDADES
Esta atividade do Estado tem por objetivo:
a) a composição de litígios, através da aplicação e especialização das normas gerais de conduta (direito) ao caso concreto (escopo jurídico);
b) a pacificação social (escopo social);
c) a realização da justiça (escopo político).
9.3. CARACTERÍSTICAS
A jurisdição tem por características a aplicação do direito material, após provocação das partes, as quais não obtiveram êxito em resolver seus conflitos amigavelmente (escopo de atuação do direito),e a substitutividade, consistente em atuar no lugar das partes e de maneira obrigatória.
10 PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO
Inevitabilidade: uma vez ativada pelas partes, a jurisdição é forma de exercício do poder estatal, e o cumprimento de suas decisões não pode ser evitado pelas partes, sob pena de cumprimento coercitivo (tutela executiva).
Indeclinabilidade: é preceito constitucional que nenhuma lesão de direito deixará de ser apreciada pelo Poder Judiciário. Se o Estado exige dos seus cidadãos a observância da obrigatoriedade da jurisdição, tem ele o dever de solucionar os conflitos de interesse quando provocado.
Investidura: o Estado atua por meio de seus órgãos. E assim sendo, somente os agentes políticos investidos do poder estatal de aplicar o direito ao caso concreto (julgar) é que podem exercer a jurisdição. Tal investidura é realizada de duas formas: mediante aprovação em concursos públicos de provas e títulos, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica, e pela nomeação direta, por ato do chefe do Poder Executivo, de pessoas com prévia experiência e notável saber jurídico, como nos casos de ingresso na agistratura pelo quinto constitucional ou nomeação de ministros dos tribunais superiores.
Indelegabilidade: como a jurisdição é investida após preenchimento de rigorosos critérios técnicos, tem-se que não pode ser objeto de delegação pelo agente que a exerce com exclusividade.
Inércia: por decorrência do princípio da ação, a jurisdição não pode ser exercida de ofício pelos agentes detentores da investidura, dependendo ela sempre da provocação das partes.
Aderência: o exercício da jurisdição, por força do princípio da territorialidade da lei processual, deve estar sempre vinculado a uma prévia delimitação territorial.
Unicidade: muito embora se fale em jurisdição civil e penal, Justiça Federal e Estadual, na realidade esse poder-dever é uno e indivisível. As divisões decorrentes de sua repartição administrativa entre os diversos órgãos só têm relevância para o aspecto de funcionalidade da justiça, não retirando da jurisdição sua natureza una.
11 JURISDIÇÃO CONTENCIOSA E VOLUNTÁRIA
Nenhum poder estatal exerce com exclusividade suas funções inerentes. Pelo contrário, existem zonas de interseção nas quais podemos vislumbrar o exercício de atividades típicas de um dos poderes da República por outro, como, por exemplo, no julgamento pelo Congresso Nacional dos crimes de responsabilidade do presidente da República (impeachment) ou na atividade legiferante do chefe do Poder Executivo nas leis delegadas e medidas provisórias.
Da mesma forma o Judiciário exerce funções distintas daquela que lhe é inerente, ora assumindo função legislativa (regimentos internos dos tribunais, provimentos etc.), ora praticando atos de pura administração.
O Código de Processo Civil, em seu art. 1º, divide a jurisdição civil em contenciosa e voluntária.
A jurisdição contenciosa é a atividade inerente ao Poder Judiciário, com o Estado-juiz atuando substitutivamente às partes na solução dos conflitos, mediante o proferimento de sentença de mérito que aplique o direito ao caso concreto.
Já a jurisdição voluntária não é, na realidade, jurisdição na específica acepção jurídica do termo, correspondendo mais a uma administração pública de interesses privados.
Não raramente determinados negócios jurídicos demandam, como requisito formal, a participação de autoridades públicas para atingirem validade. É o que ocorre com o casamento, que deve ser realizado e contraído perante o oficial do cartório de registro de pessoas civis.
E o legislador, por vezes, em lugar de exigir a participação de uma autoridade administrativa civil, opta por demandar a participação do juiz de direito como requisito formal essencial de validade do negócio jurídico. É o caso da separação judicial consensual, em que não existe qualquer conflito de interesses (lide), mas sim concordância de vontades.
Podemos concluir, então, que na jurisdição voluntária o juiz não atua a jurisdição propriamente dita, mas sim a simples atribuição administrativa conferida em lei, a qual pode ser inclusive objeto de alteração em legislação infraconstitucional, sem que haja ferimento aos princípios constitucionais da exclusividade dos órgãos da jurisdição.
Na chamada jurisdição voluntária, portanto, não existem partes litigantes, mas simples interessados na produção dos efeitos do negócio jurídico formal; não existe também sentença de mérito, com aplicação do direito ao caso concreto, mas mera homologação formal do acordo de vontades, após constatada pelo juiz a presença dos requisitos legais e formais atinentes à espécie.
Capítulo V
AÇÃO
12 CONCEITO E AUTONOMIA
Muito embora o conceito de ação seja objeto de intensos estudos até os dias atuais, não se encontrando unanimidade na doutrina sobre a sua definição, nosso Código optou, no ano de 1973, pela teoria das condições da ação, devido à influência de Liebman e da Escola Paulista de Processo da Universidade de São Paulo.
Portanto, para o objetivo deste trabalho, irrelevante a abordagem das demais teorias que buscam explicar o instituto da ação.
Uma vez instituído o monopólio estatal da jurisdição, o poder do Estado fez surgir o dever de solucionar as lides. E todo dever tem como reflexo o surgimento de um direito subjetivo em favor daqueles que podem exigir a sua observância. Esse direito de exigir do Estado a solução dos conflitos de interesses pode ser definido como um direito ao exercício e à obtenção da tutela jurisdicional, que vem a ser justamente a ação.
A ação é usualmente definida como sendo o direito público subjetivo abstrato, exercido contra o Estado-juiz, visando a prestação da tutela jurisdicional.
É ela um direito, pois se contrapõe ao dever do Estado de resolver os litígios. Direito esse subjetivo, porque envolve exigência deduzida contra o Poder Público, visando o cumprimento da norma geral de conduta tida como violada (direito objetivo). Por fim, abstrato, pois independe da existência do direito material concreto alegado pelo autor.
A análise do que vem a ser a prestação da tutela jurisdicional nos indica a forma como o Judiciário resolve os conflitos de interesses, ou seja, aplicando o direito ao caso concreto, através do proferimento de uma sentença de mérito (tutela cognitiva); coagindo o devedor ao cumprimento de suas decisões (tutela executiva); ou concedendo uma garantia processual da eficácia dos futuros processos de conhecimento ou de execução (tutela cautelar).
Portanto, de uma forma reduzida e sintética, podemos definir ação como sendo o direito a uma sentença de mérito (processo de conhecimento), à satisfação coercitiva do direito objetivo (processo de execução) e à garantia de eficácia do processo principal (processo cautelar).
Quando uma pessoa vai a juízo solicitar que o Judiciário intervenha no conflito surgido, exerce ela direito de ação contra o Estado, exigindo deste o proferimento de uma sentença de mérito que reconheça sua pretensão material, compelindo o réu ao cumprimento da decisão.
A relação instaurada entre o titular da pretensão resistida (autor da demanda) e o Estado-juiz, a ser completada com a vinda daquele que resiste à pretensão (réu), é objeto do estudo do direito processual.
Para os defensores da teoria abstrata da ação, essa relação jurídica processual é autônoma e independente daquela de direito material que une o autor ao réu, preexistente ao processo e possuidora de princípios e regras próprias.
Tal autonomia torna-se mais clara quando constatamos ter o autor da demanda direito de ação mesmo que sua pretensão de direito material não seja acolhida (sentença de improcedência).
Nesse caso, a resposta a seu direito de ação contra o Estado-juiz será completa, apesar do reconhecimento da ausência do direito material alegado contra o réu. Logo, todo processo regula dupla relação, uma de direito processual e outra de direito material. A primeira é representada pela ação e diz respeito às partes e ao Estado-juiz (relação jurídica processual); já a segunda é representada pelo bem da vida em discussão no processo e diz respeito exclusivamente ao autor e ao réu (relação jurídica material).
Para ser reconhecido o direito do autor à tutela jurisdicional (sentença de mérito), mister se faz a análise do preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei, nominados como condições da ação.
Ao receber um processo compete ao juiz analisar, em primeiro lugar, a pretensão processual do autor, ou seja, se ele faz jus ao proferimento de uma sentença de mérito, mediante a aplicação das regras estabelecidas no Código de Processo Civil. Vencida essa etapa e constatada a presença do direito de ação, a análise recai sobre a pretensão material do autor, ou seja, a procedência ou não de se impor ao réu a sujeição ao pedido de entrega do bem da vida formulado nos autos, conforme as normas gerais de conduta descritas na lei material (CC, CCom, CTN etc.).
É essa justamente a diferença entre carência da ação e improcedência da demanda.
Na primeira hipótese o Judiciário nega ao autor o direito de ação, ou seja, põe fim ao processo sem qualquer análise da pretensão jurídica de direito material trazida aos autos por não ter o postulante direito ao recebimento de uma sentença sobre o mérito da lide. Ex.: A ganha uma partida de pôquer de B, que se recusa a efetuar o pagamento. Ajuizada a cobrança por A, receberá ele decreto de carência de ação, isto é, a declaração judicial de que não faz jus a uma sentença de mérito porque nosso ordenamento veda o exercício da jurisdição em dívidas de jogo. Tal decisão será proferida sem qualquer análise da relação de direito material (relação de crédito e débito entre A e B).
Já na segunda, embora tenha sido reconhecido o direito de ação do autor, tanto que proferida uma sentença de mérito, sua pretensão de direito material é descabida, ou seja, não há procedência em se pretender sujeitar o réu à entrega do bem da vida. Ex.: A envolve-se em acidente de trânsito com B, causador de danos em seu veículo. Postulada a indenização em juízo, A tem sua demanda julgada improcedente, por não ter B agido com culpa no acidente. Neste caso, A exerceu seu direito de ação plenamente, recebendo do Judiciário uma sentença de mérito. Entretanto, sua pretensão de direito material, consistente em fazer B pagar pelos danos gerados, não foi acolhida por ausência de responsabilidade civil, já que não houve conduta culposa.
Não raramente se fala na existência de um direito de ação incondicionado, como se todos tivessem direito ao recebimento de uma sentença de mérito. Nada mais incorreto, pelo que vimos.
O direito de demandar deriva do princípio do livre acesso ao Judiciário e implica aceitação do amplo direito do cidadão de solicitar um pronunciamento judicial, mesmo que este seja a declaração de não ter o demandante direito a uma sentença de mérito (carência de ação).
Ademais, extinto o processo sem a abordagem do mérito, nada impede o autor de renovar a demanda após a correção do vício processual, quando então receberá uma solução definitiva sobre a alegada lesão a seu direito.
Por fim, o processo deve, sempre que possível, terminar com o proferimento de uma sentença de mérito, pois somente ela tem força de pacificação social e natureza definitiva. A carência de ação é, portanto, forma anômala de extinção do processo, porque a lide permanece sem solução e pode dar azo a uma nova demanda.
13 CONDIÇÕES DA AÇÃO
Para que o Judiciário possa enfrentar a lide, proferindo uma decisão definitiva e de pacificação social, é necessário que o interessado preencha requisitos de admissibilidade do mérito, consistentes nos pressupostos processuais, objeto de estudo oportuno, e nas condições da ação.
Nosso sistema processual enumera, de forma não taxativa, três condições da ação:
13.1. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
É a ausência de vedação expressa em lei ao pedido formulado pelo autor em sua inicial.
Todo autor formula dois pedidos em uma petição inicial. O pedido mediato é o de direito material, formulado contra o réu, visando a entrega do direito objetivo violado. Já o pedido imediato, de natureza processual, é aquele formulado contra o Estado-juiz, pelo qual exige o autor o proferimento de uma sentença de mérito que sujeite o réu à observância e entrega do bem da vida.
O não acolhimento do pedido mediato está ligado ao mérito da demanda e sua consequente improcedência (CPC, art. 269, I).
Apenas a possibilidade jurídica do pedido imediato deve ser considerada como condição da ação, por corresponder à impossibilidade de manifestação jurisdicional sobre o direito invocado na petição inicial (extinção do processo sem resolução de mérito — CPC, art. 267, VI).
Determinadas relações jurídicas de direito material não são aptas a provocar a jurisdição, encontrando o juiz óbice legal à análise do mérito da pretensão do autor. Assim, seriam casos de impossibilidade jurídica do pedido (imediato): a pretensão de cobrança de dívida de jogo; o ajuizamento de demanda quando pendente recurso administrativo recebido no efeito suspensivo; a antiga proibição de investigação de paternidade de filho adulterino, na constância do casamento do genitor; e o pedido de divórcio, quando esse instituto não era previsto em nosso ordenamento.
Frequentemente a impossibilidade jurídica do pedido pode ser depreendida da existência de requisitos formais prévios, exigidos como essenciais para o exercício da ação (condições de procedibilidade). Exs.: a segurança do juízo para o oferecimento de embargos e a falta de notificação prévia em despejos por denúncia vazia, com contratos prorrogados por prazo indeterminado.
É, sem sombra de dúvida, a condição de mais fácil preenchimento, já que basta ao interessado o conhecimento do direito para não postular contra vedação legal expressa. Por isso nossa lei tacha de inepta a inicial que deduz pedido juridicamente impossível (CPC, art. 295, I, parágrafo único, III).
13.2. LEGITIMIDADE
Legítimos para figurar em uma demanda judicial são os titulares dos interesses em conflito. O autor deve ser o titular da pretensão deduzida em juízo e o réu, aquele que resiste a essa pretensão ou que deverá sujeitar-se à eventual sentença de procedência. Tal regra é conhecida como legitimação ordinária.
Entretanto, pode a lei expressamente autorizar terceiros virem a juízo, em nome próprio, litigar na defesa de direito alheio. São os casos de legitimação extraordinária (CPC, art. 6º). Exemplos clássicos são o do marido atuando na defesa dos bens dotais de propriedade de sua mulher e o do gestor de negócios. Esses terceiros são chamados de substitutos processuais.
O sistema processual, antes individualista, vem sofrendo influências da tendência mundial de coletivização de demandas, possibilitando a defesa de uma classe ou grupo de pessoas por uma só instituição ou associação. Tal necessidade fez-se premente por força da atual sociedade de massas, em que a defesa individual do direito de cada cidadão não se mostrou compatível com a demanda pela celeridade e efetividade do processo. A tendência pode ser notada no Código de Defesa do Consumidor, que, fugindo à aplicação da legitimação ordinária, possibilita a defesa dos consumidores representados por associações criadas para tal fim (legitimação extraordinária), por intermédio de ações coletivas.
13.3. INTERESSE DE AGIR
O interesse de agir depreende-se da análise do binômio necessidade-adequação.
Como necessidade, compete ao autor demonstrar que sem a interferência do Judiciário sua pretensão corre o risco de não ser satisfeita espontaneamente pelo réu. Implica existência de dano ou perigo de dano jurídico, em decorrência de uma lide. Como adequação, compete ao autor a formulação de pretensão apta a pôr fim à lide trazida a juízo, sem a qual abriríamos a possibilidade de utilização do Judiciário como simples órgão de consulta.
Exigir a demonstração do requisito da utilidade para preenchimento da condição da ação do interesse de agir, levada em consideração por alguns doutrinadores e julgados, não nos parece recomendável. Se o ordenamento jurídico põe à disposição do autor diversas modalidades de tutela jurisdicional, não compete ao juiz, sem que adentre o campo do subjetivismo, questionar a utilidade do provimento solicitado. É da natureza do interesse de agir a facultatividade, correspondente à possibilidade de escolha pelo autor da tutela pertinente que melhor lhe aprouver no caso concreto. Daí por que aceitar a opção do autor por uma ação meramente declaratória, mesmo quando já existente a possibilidade do ajuizamento de uma ação de cobrança ou de execução.
Faltando qualquer das condições, ocorre a extinção do processo sem resolução do mérito, por carência de ação, podendo ela ser reconhecida logo quando da análise da petição inicial (CPC, art. 295, II e III) ou no curso da demanda, após citado o réu e formada integralmente a relação jurídica processual (CPC, art. 267, VI).
14 CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES
O direito contra o Estado-juiz pode ser classificado conforme o provimento jurisdicional solicitado pelo autor no processo.
14.1. DE CONHECIMENTO
Visa levar ao conhecimento do Judiciário os fatos constitutivos do direito alegado pelo autor e obter uma declaração sobre qual das partes tem razão, mediante a aplicação e especialização da norma material ao caso concreto. Conforme a natureza jurídica da sentença de mérito solicitada (pedido imediato), subdivide-se a ação de conhecimento em:
a) Meramente declaratória. A pretensão do autor limita-se à declaração da existência ou inexistência de relação jurídica ou da autenticidade ou falsidade de documento (CPC, art. 4º), sem que se pretenda compelir o réu à prática de qualquer ato subsequente à prolação da sentença de mérito. O autor satisfaz sua pretensão com a mera declaração judicial, não sobrevindo necessidade de execução da decisão. Ex.: investigação de paternidade, nulidade de casamento e usucapião. Tais provimentos, como visam o reconhecimento de uma situação fática pretérita, têm seus efeitos retroativos para a data do fato cuja declaração de existência ou inexistência se pretende (ex tunc).
b) Constitutiva ou desconstitutiva. O autor busca não só a declaração de seu direito violado, mas também uma consequente modificação, criação ou extinção de uma relação jurídica material preexistente. Exs.: anulação de ato jurídico e rescisão de um contrato. Por visarem a alteração da situação jurídica preestabelecida, seja criando uma nova, seja modificando ou extinguindo a antiga, seus efeitos serão gerados sempre para o futuro (ex nunc). Da mesma forma que as ações meramente declaratórias, não demandam as sentenças constitutivas, positivas ou negativas, execução ou fase procedimental própria para gerar a satisfação daquele que tem sua pretensão acolhida pela tutela jurisdicional estatal. As situações jurídicas são criadas, modificadas ou extintas pela própria sentença de mérito.
c) Condenatória. A pretensão do autor consiste não só na declaração de que possui o direito material, mas também na fixação sequente de uma obrigação de dar, fazer, não fazer ou pagar quantia em dinheiro a ser imposta ao réu, a qual, se não cumprida, gera ao autor o direito de exigir do Estado-juiz que faça valer coativamente sua decisão (execução). Exs.: cobrança, nunciação de obra nova e petição de herança. As ações condenatórias têm efeito retroativo (ex tunc) à data da constituição em mora do devedor. Esta pode decorrer do simples vencimento da obrigação (mora ex res) ou demandar constituição pela notificação, interpelação ou citação válida (mora ex personae). É importante frisar que esta fase de satisfação do credor, garantida pelo Estado-juiz ao vitorioso, e com vacatio legis de seis meses, não mais demanda um processo autônomo de execução. Já não existe a necessidade da instauração de nova relação jurídica processual, com nova citação do executado, embargos à execução etc. A satisfação do credor passa a ser considerada mera fase de cumprimento da sentença condenatória proferida.
14.2. EXECUÇÃO
É a ação de provimento jurisdicional eminentemente satisfativo do direito do credor, decorrente da inevitabilidade da jurisdição. Visa, através de atos coativos incidentes sobre o patrimônio ou, por vezes, sobre a própria pessoa do devedor, um resultado equivalente ao do adimplemento da obrigação que se deveria ter realizado. Tem cabimento sempre que o credor esteja munido de um título executivo, o qual pode ser uma sentença de cunho condenatório (judicial) ou documentos que tragam consigo presunção legal de liquidez e certeza da obrigação inadimplida (extrajudicial). Ressalte-se que somente a parte munida de título executivo pode apresentar-se em juízo como credor da outra e fazer uso da execução.
É interessante notar que os títulos executivos judiciais estão reservados, na quase totalidade das hipóteses, para sentenças condenatórias obtidas em processos outros que não os originários da competência civil. São os casos das sentenças penais condenatórias, sentenças estrangeiras e arbitrais, as quais, por terem sido proferidas fora da esfera comum civil, não possuem antecedente processo civil de conhecimento e devem ser satisfeitas mediante a instauração de um processo autônomo de execução, não havendo compatibilidade com as novas regras processuais de satisfação no próprio processo de conhecimento em que foram obtidas.
14.3. CAUTELAR
Visa a concessão de uma garantia processual que assegure a eficácia da ação de conhecimento ou de execução. Não se destina à composição dos litígios, mas sim a garantir que as demais modalidades de ação sejam eficazes em sua finalidade (sentença de mérito e satisfação do credor), mediante a concessão de uma medida de cautela que afaste o perigo decorrente da demora no desenvolvimento dos processos principais.
14.4. MONITÓRIA
A ação monitória é objeto de diversas dúvidas doutrinárias, em especial no que se refere à sua natureza jurídica. Muito embora alguns autores vislumbrem na ação monitória características de processo de conhecimento, de cunho condenatório, entendemos melhor conceituá-la como ação autônoma, distinta das demais, constituindo verdadeiro tertium genus. Tem ela por finalidade o recebimento de quantia certa ou entrega de coisa fungível, após a expedição de um mandado de pagamento, à semelhança da ação de execução. Entretanto, tal fim pode ser frustrado pelo oferecimento de embargos pelo pretenso devedor, quando então ela assumirá características da ação de conhecimento. Convém deixar claro que o legislador optou por incluí-la entre as ações de conhecimento, com procedimento especial.
15 ELEMENTOS DA AÇÃO
É pressuposto lógico de uma sociedade estabilizada que um conflito de interesses, uma vez solucionado de forma definitiva pela sentença de mérito, não possa ser objeto de nova demanda, sob pena de proferimento de decisões contraditórias e do surgimento da incerteza jurídica. Para tanto, relevante o estudo dos elementos da ação, identificadores de eventual igualdade entre as causas propostas simultaneamente em juízo (litispendência) ou já julgadas pelo mérito (coisa julgada) e fundamentais para o estudo dos fenômenos da conexão, continência e prevenção.
O controle impeditivo da análise judicial de demandas iguais só é possível se idênticos os três elementos da ação:
15.1. PARTES
São aqueles que participam da relação jurídica processual contraditória, desenvolvida perante o juiz. O autor é aquele que deduz a pretensão em juízo e o réu é o que resiste à sua pretensão.
15.2. CAUSA DE PEDIR
São os fatos e fundamentos jurídicos que levam o autor a procurar o juiz. É a descrição do conflito de interesses e sua repercussão jurídica na esfera patrimonial ou pessoal do autor. É ela dividida em remota ou fática e próxima ou jurídica:
a) Causa de pedir remota ou fática. É a descrição fática do conflito de interesses, consistente na indicação de como a lesão ao direito do autor ocorreu. Tais fatos que geram o direito são chamados de constitutivos do direito do autor. O Poder Judiciário só atua diante de fatos concretos, posto que todo direito dele nasce. O ajuizamento de ação que não se baseie em conflito de interesses real e concreto significa tentativa de utilização do Judiciário como mero órgão de consulta, carecendo a parte de interesse de agir (falta de necessidade de intervenção da jurisdição).
b) Causa de pedir próxima ou jurídica. É a descrição da consequência jurídica gerada pela lesão ao direito do autor. Não se confunde ela com a enunciação do fundamento legal que embasa a pretensão do autor, posto ser esse elemento dispensável, ante o brocardo de que o juiz é aquele que conhece o direito.
Entretanto, para o surgimento da lide de interesse do Judiciário, necessário se faz que os fatos gerem violação na órbita jurídica do titular da pretensão. São essas consequências jurídicas que consubstanciam a causa de pedir próxima.
Ao conjunto dos fatos constitutivos do direito do autor e suas consequências jurídicas dá-se o nome de fato jurídico.
Nosso sistema processual optou pela adoção da teoria da substanciação da causa de pedir, na qual se releva a descrição fática para a análise da identidade de ações, ao contrário do direito italiano, em que se adota a teoria da individuação (relevância da causa de pedir jurídica ou próxima). Por essa adoção, possibilita-se ao juiz dar uma qualificação jurídica aos fatos constitutivos do autor diversa daquela narrada na petição inicial (“narra-me os fatos que te darei o direito”).
Como exemplo podemos mencionar um acidente de trânsito, no qual o autor entende ter o requerido agido com imperícia. O juiz não se vincula a essa qualificação jurídica dos fatos constitutivos do direito do autor, podendo acolher a demanda através de outra fundamentação legal, ou seja, mediante o reconhecimento de que os fatos narrados na inicial não caracterizam a imperícia do réu, mas sim a imprudência.
Situação idêntica ocorre quando o interessado postula a anulação de ato jurídico descrevendo fatos que, no seu entender, caracterizam dolo da outra parte contratante. Constatada nos autos a veracidade dos fatos constitutivos deduzidos na inicial, pode o juiz anular o ato jurídico pela ocorrência de erro, por entender ser essa a correta qualificação jurídica dos fatos descritos na inicial.
Daí a relevância da correta descrição fática dos motivos que levam o interessado a provocar a jurisdição, pois são esses os dados que limitarão o conhecimento do juiz quando do proferimento da sentença de mérito, sendo irrelevante a divergência entre a qualificação jurídica dada pelo autor aos fatos e aquela afirmada pelo prolator da decisão.
15.3. PEDIDO
Toda a inicial traz consigo dois pedidos distintos.
O primeiro, chamado de imediato, é a exigência formulada contra o juiz, visando a obtenção da tutela jurisdicional, a qual pode ser de cognição (condenatória, constitutiva ou meramente declaratória), executiva (satisfatividade do direito) ou cautelar (medida de garantia de eficácia do processo principal).
O segundo, nominado de mediato, é a exigência formulada contra o réu para que este se submeta à pretensão de direito material que o autor diz não ter sido respeitada.
A alteração de qualquer das duas espécies de pedido implica a geração de uma nova demanda, afastando a incidência dos fenômenos da coisa julgada e litispendência.
Capítulo VI
COMPETÊNCIA
16 CONCEITO E CRITÉRIOS DE DETERMINAÇÃO
Competência é a medida ou quantidade de jurisdição atribuída aos seus órgãos de exercício. A jurisdição, muito embora una, necessita ser distribuída entre os agentes nela investidos, tudo visando a melhor administração da justiça. É a competência, portanto, a divisão do poder estatal entre seus agentes políticos.
16.1. COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Na verdade, o termo “competência internacional” é impreciso, já que a constatação de qual país soberano é o competente para dirimir a lide é verdadeiro conflito de jurisdição.
Portanto, sob esta equivocada nomenclatura, os arts. 88 a 90 do Código de Processo Civil estipulam quando a jurisdição civil nacional deverá atuar sobre os conflitos de interesses.
a) Da competência concorrente (CPC, art. 88). A autoridade judiciária é competente para julgar, sem prejuízo da competência de demais jurisdições estrangeiras, toda vez que: a) o réu for domiciliado no Brasil, b) em nosso país a obrigação tiver de ser cumprida ou c) a lide decorrer de fato ou ato praticado no Brasil. Nestes casos a jurisdição brasileira, se provocada, assumirá o dever de solucionar o conflito, muito embora aceite eventual solução proveniente de país estrangeiro que também se intitule com jurisdição para a composição da lide.
Como a competência internacional envolve exercício de poder estatal e parcela da soberania pátria (interesse público), não comporta ela derrogação pela vontade das partes (interesse privado), já estando assentada na jurisprudência, por exemplo, a invalidade da corriqueira cláusula de eleição de foro estrangeiro nos contratos de transportes aéreos internacionais firmados no Brasil.
b) Da competência exclusiva (CPC, art. 89). São as hipóteses nas quais a autoridade judiciária brasileira se diz a única com competência para resolver o conflito, negando nosso ordenamento processual qualquer validade a eventual decisão proferida por país estrangeiro em: a) ações relativas a imóveis situados no Brasil ou b) inventário e partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.
O art. 90 impede o reconhecimento de litispendência ou conexão entre demandas ajuizadas no Brasil e perante tribunal estrangeiro, em ambas as hipóteses acima. A extinção do processo brasileiro ou sua reunião para julgamento conjunto, perante a autoridade estrangeira, implicaria violação à soberania nacional, defendida expressamente pelos artigos referidos.
Importante salientar que nas hipóteses de competência internacional concorrente a sentença estrangeira pode ser objeto de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, i), mediante o exequatur. A partir desse instante essa sentença deixa de ser ato soberano estrangeiro, passando a existir como título executivo emanado de nossa autoridade judiciária nacional, possibilitando a arguição de coisa julgada.
16.2. COMPETÊNCIA INTERNA
Estabelecidas as hipóteses de soberania da jurisdição pátria, são as regras de competência interna aquelas que indicarão quais os órgãos locais responsáveis pelo julgamento de cada caso concreto apresentado em juízo.
16.2.1. COMPETÊNCIA DAS JUSTIÇAS INTERNAS CIVIS
A primeira divisão administrativa da jurisdição é aquela que determina a atribuição dos órgãos jurisdicionais da justiça federal e da justiça estadual.
A justiça federal tem sua competência fixada por dois critérios distintos previstos no art. 109 da Constituição.
O primeiro é estabelecido com relação à pessoa envolvida no litígio ou que nele tem interesse. Assim, compete aos juízes federais:
a) as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho; b) as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; e c) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais.
O segundo leva em consideração a matéria objeto de análise pelo juízo, como: a) as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional; b) a disputa sobre direitos indígenas; c) as causas relativas à nacionalidade e naturalização; e d) a execução de sentenças estrangeiras homologadas pelo Superior Tribunal de Justiça.
Já a justiça estadual, também conhecida como residual, é a competente para apreciação de todas as causas que não sejam de competência de qualquer outra justiça especializada (justiça federal, militar, do trabalho e eleitoral).
16.3. CRITÉRIOS DE COMPETÊNCIA
Mesmo dentro das justiças civis referidas existem critérios que determinam qual, dentre os vários órgãos existentes, será o competente para a apreciação da demanda. Tais critérios, por vezes, devem ser aplicados cumulativa ou sucessivamente, para a determinação do juízo competente.
16.3.1. TERRITORIAL OU DE FORO (“RATIONE LOCI”)
É o critério indicativo do local onde deverá ser ajuizada a ação. Todo exercício da jurisdição deve aderir a um território (princípio da aderência da jurisdição). Foro é a delimitação territorial onde o juiz exerce sua atividade, sendo esse local chamado de comarca (justiça estadual) ou seção judiciária (justiça federal).
Portanto, a competência territorial é aquela que indica qual a comarca ou seção judiciária onde deverá a demanda ser proposta.
O foro comum é o do domicílio do réu (CPC, art. 94). A lei processual estabelece foros especiais (CPC, arts. 95 a 101), conforme: a) a natureza do direito versado nos autos; b) a qualidade especial da parte; c) a situação da coisa; e d) o local de cumprimento da obrigação ou da prática do ato ilícito.
Tais regras são estabelecidas em favor das partes (interesse privado) e não em benefício do exercício da jurisdição. É de natureza relativa o critério territorial, o qual comporta alteração pelo consenso das partes em contrato (foro de eleição) ou pela renúncia tácita do beneficiado pela norma legal, nos casos de não oferecimento de exceção de incompetência (declinatória de foro), vedado o reconhecimento de sua incorreção de ofício pelo juiz da causa. Há, porém, uma exceção prevista no parágrafo único do art. 112. Quando se tratar de contrato de adesão e for constatada a nulidade da cláusula de eleição de foro, o juiz poderá declará-la de ofício, caso em que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu.
Outra exceção à natureza relativa da competência territorial é o art. 95 do Código de Processo Civil, fixador do foro da situação da coisa para as causas fundadas em direito real sobre imóveis, como o direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova (foro rei sitae). Logo, não pode ser derrogada pela vontade das partes em contrato e sua inobservância pode ser reconhecida de ofício pelo juiz da causa. Ressalte-se que não basta ser o imóvel objeto da demanda (ações de despejo, de cunho contratual), sendo mister que a causa de pedir próxima seja a alegação de um direito real violado.
16.3.2. MATÉRIA (“RATIONE MATERIAE”)
A especialização da jurisdição, com a determinação de competência de juízos com relação à matéria discutida no processo, é medida que visa a melhor prestação da justiça. Em sendo o campo da ciência do direito vastíssimo, a criação de órgãos especializados, cuja função seja exercida por juízes com conhecimento específico e profundo da matéria, é forma de outorgar à sociedade uma melhor e mais célere composição dos litígios e pacificação social. Pela evidência do interesse público, este critério é considerado de natureza absoluta, não comportando alteração pela vontade das partes, podendo sua violação ser reconhecida de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau de jurisdição.
É por esse critério que surgem varas especializadas (de família, de acidentes do trabalho, varas cíveis e criminais, varas dos registros públicos etc.) e até mesmo algumas das “justiças” especializadas (justiça do trabalho, justiça eleitoral etc.).
É a competência por matéria que atribui à Justiça Federal o poder para julgamento das causas relativas a direitos humanos, quando suscitado pelo Procurador-Geral da República o deslocamento da competência original, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte.
16.3.3. PESSOA (“RATIONE PERSONAE”)
Determinadas pessoas gozam do privilégio de serem submetidas a julgamento por juízes especializados. Tal privilégio não é instituído pela circunstância pessoal que ostentam, mas sim pelo interesse público secundário que representam, tais como as pessoas jurídicas de direito público interno, entidades autárquicas, empresaspúblicas etc. À semelhança do critério ratione materiae, são as regras de competência relativas às pessoas de natureza absoluta, pois o interesse público secundário não comporta alteração pelo consenso das partes, bem como sua inobservância não pode deixar de ser conhecida de ofício pelo juiz.
Foi esse o critério primordial que informou a criação da justiça federal, como já visto, e levou à criação das varas da Fazenda Pública da justiça estadual, competente para julgamento das causas de interesse do Estado ou Município.
16.3.4. VALOR DA CAUSA
Toda causa deve ter um valor atribuído na inicial, elemento que pode servir como fator de fixação de competência.
O critério foi, outrora, muito utilizado para diferenciar a competência de juízes com investidura temporária e limitada, responsáveis por julgamentos em causa de pequeno valor monetário, e informou a criação dos tribunais de alçada. Atualmente, esse critério de fixação de ompetência vem sendo abandonado, visto que não mais existentes juízes com investidura temporária e limitada nem tribunais de alçada pelo critério da matéria; mas ainda hoje serve ele como fator de distribuição interna de competência, de cunho eminentemente administrativo e fixado nas normas de organização judiciária, sem qualquer regulamentação pelo Código de Processo Civil.
Os dois exemplos atuais de sua aplicação são a competência dos foros regionais na cidade de São Paulo e do juizado especial cível.
Muito embora o Código de Processo Civil estabeleça expressamente a sua natureza de competência relativa, sua utilização pelas leis de organização judiciária por vezes o transforma em critério funcional, estabelecido em favor da boa administração interna da justiça respectiva.
Por essa justificativa é que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fixou ser absoluta a competência dos foros regionais, definindo-a como funcional (atribuída na lei de organização judiciária deste Estado), muito embora seu critério de fixação seja primordialmente o valor da causa.
17 COMPETÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA
17.1. COMPETÊNCIA ABSOLUTA
Conforme já analisado, são absolutos os critérios de fixação pela matéria, pela pessoa e o funcional. A competência absoluta é aquela estabelecida em favor do interesse público, não sendo passível de modificação pela vontade das partes, em foro de eleição.
A não observância da regra legal incidente gera a nulidade absoluta do processo, autorizando a revogação dos efeitos da coisa julgada pela ação rescisória (CPC, art. 485, II). Portanto, é dever do juiz reconhecer de ofício a sua violação, determinando a remessa dos autos àquele que obrigatoriamente deverá julgar a demanda, inquinando-se de nulos todos os atos decisórios proferidos pelo juízo absolutamente incompetente, mas preservados os atos probatórios.
17.2. COMPETÊNCIA RELATIVA
A competência relativa é estabelecida em favor do interesse privado, na busca de uma facilitação da defesa, podendo ser derrogada pelo consenso das partes ou renunciada pela parte beneficiada pela regra legal, mediante a não arguição da incompetência do juízo no momento oportuno, que é o da resposta do réu, via exceção de incompetência.
Não pode o juiz, ante a natureza privada e renunciável do critério, reconhecer a incompetência relativa de ofício, sob pena de impedir a ocorrência do fenômeno da prorrogação, consistente justamente na possibilidade de o juiz, a princípio incompetente para o conhecimento da demanda, transformar-se em competente para o julgamento, caso não seja o vício alegado pelo réu em exceção (Súmula 33 do STJ).
O art. 111 é expresso ao facultar às partes a alteração da competência relativa, pela eleição em contrato de um foro distinto daquele previsto em lei. O foro de eleição tem sua validade subordinada à ausência de ofensa às regras de competência absoluta (matéria, pessoa e funcional) e aplicabilidade apenas sobre direitos patrimoniais disponíveis. Ademais, deve ele restringir-se à indicação do foro competente (natureza objetiva) e não do juiz ou da vara (natureza subjetiva).
Questiona-se da validade do foro de eleição em contratos de adesão que envolvam relação de consumo, havendo controvérsia jurisprudencial sobre a possibilidade do reconhecimento de sua nulidade de ofício pelo juiz. Devemos perquirir se a cláusula de eleição de foro diverso do domicílio do consumidor é matéria de ordem privada, vedado o reconhecimento de sua nulidade de ofício pelo juiz, ou se é ela de ordem pública, autorizando a declaração de sua ineficácia na primeira vez em que o juiz se manifestar no processo.
Contratos de adesão não são gerados pelo consenso das partes contratantes, mas sim pela imposição unilateral de cláusulas prontas ao hipossuficiente na relação. Essa qualidade de mais fraco é presumida em favor do consumidor (vulnerabilidade), o qual não pode ter sua defesa judicial dificultada, por força do art. 51, XV, do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, escapa tal discussão ao campo da competência relativa (ordem privada), para adentrar à esfera da ordem pública (violação à lei e ao interesse social), tornando inaplicável a Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça e possibilitando ao juiz declarar sua abusividade de ofício (competência absoluta pelo critério da matéria — relação de consumo).
Tendo em vista esses argumentos, que refletem uma tendência jurisprudencial, o legislador acrescentou o parágrafo único ao art. 112 do Código de Processo Civil, que dispõe expressamente que “a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”.
18 PRORROGAÇÃO DE COMPETÊNCIA
É o fenômeno processual pelo qual o juiz, a princípio incompetente relativamente, torna-se competente para apreciar o feito, por ausência de oposição do réu via exceção, no prazo legal de resposta, ou por falta de declinação, nos termos do parágrafo único do art. 112 (CPC, art. 114).
A competência territorial é instituída em favor do interesse privado do réu e nada impede a sua aceitação daquele escolhido pelo autor, mediante a renúncia tácita decorrente do não oferecimento da exceção declinatória de foro. A não observância das suas regras gera mera nulidade relativa, sanável pela sua não arguição no momento oportuno pelo pretensamente prejudicado.
Portanto, vedado o reconhecimento de sua violação de ofício pelo juiz, pois tal conduta, além de impedir o fenômeno da prorrogação, implicaria evidente interferência estatal no campo da disponibilidade dos direitos privados das partes.
A competência prorroga-se também quando houver nulidade da cláusula de eleição de foro em contrato de adesão e o juiz não a declarar de ofício e, por conseguinte, não declinar da competência.
19 PERPETUAÇÃO DA JURISDIÇÃO (“PERPETUATIO JURISDICTIONIS” — CPC, ART. 87)
A competência é fixada pela propositura da demanda em juízo, sendo irrelevantes quaisquer alterações posteriores em suas regras. Portanto, o juiz que primeiro conhecer do processo perpetua nele sua jurisdição, independentemente de modificação ulterior de competência.
Exceções a esse fenômeno são as modificações posteriores respeitantes aos critérios de competência absoluta. Apesar de nosso Código de Processo Civil limitar-se a excepcionar a perpetuação da jurisdição apenas nos casos de supressão do órgão jurisdicional ou de alteração superveniente da competência ratione materiae ou
hierárquica, os demais critérios de natureza absoluta, pessoal e funcional, também implicam sua imediata aplicação aos processos em andamento e remessa ao novo juiz competente.
A perpetuatio jurisdictionis difere da prorrogação de competência, pois nesta o juiz adquire sua competência no curso do processo, por ausência de oferecimento de exceção declinatória de foro, enquanto na primeira o juiz perde sua competência original, por força da alteração das regras de fixação de natureza absoluta.
A execução de sentença proferida em reclamação trabalhista por juiz estadual, investido à época na competência laboral, deverá ser feita perante a nova Vara da Justiça do Trabalho instaurada, por configurada exceção ao princípio da perpetuatio jurisdictionis (alteração superveniente do critério de competência com relação à matéria).
20 CONEXÃO E CONTINÊNCIA
20.1. CONEXÃO (CPC, ART. 103)
É o fenômeno processual determinante da reunião de duas ou mais ações, para julgamento em conjunto, a fim de evitar a existência de sentenças conflitantes.
Evitar sentenças colidentes é uma das maiores preocupações do legislador processual, pois inconcebível que o meio estatal de composição de litígios acabe por servir justamente como agravamento da lide, gerado pela incerteza decorrente de duas ou mais decisões antagônicas. Esse antagonismo é controlado através do conceito de coisa julgada material, o qual impede que a parte obtenha duas manifestações do Judiciário sobre demandas idênticas. Mesmo diante de ações distintas, por vezes a reunião é medida obrigatória, pois, se não analisadas e julgadas pelo mesmo magistrado, poderá surgir conflito real de sentenças, vício controlável pelos fenômenos da conexão e continência e das questões prejudiciais.
Tal reunião, na conexão, decorre, conforme previsão legal, da identidade do pedido ou da causa de pedir, demonstrativa da existência de ponto comum a ser decidido nas duas ações e indicativo de que a permanência delas em juízos distintos possibilitará sentenças que conflitem quando de suas execuções. Essa possibilidade, desastrosa para a prestação da justiça, impõe a reunião dos processos para o proferimento de um só julgamento.
Entretanto, como nem sempre é fácil constatar a conexão pelo critério legal acima esposado, melhor analisar concretamente cada caso específico e concluir pela existência da conexão sempre que presente o possível conflito de sentenças de mérito.
Diante desse conceito, impossível falar em conexão entre processo de execução (sem proferimento de sentença de mérito), ou processo de conhecimento em fase de cumprimento de sentença condenatória e processo de conhecimento em fase anterior ao proferimento da sentença. Quando muito pode a conexão surgir após o oferecimento de embargos, processo de conhecimento incidental na execução, de cunho desconstitutivo do título. No mesmo sentido, ausente conexão entre ações cautelares, por visarem elas apenas uma garantia de eficácia do processo principal e não a aplicação do direito material ao caso concreto.
A conexão finda ante o proferimento de sentença de primeiro grau em um dos efeitos conexos, podendo ser ela levantada em eventual grau recursal, com a reunião dos processos para julgamento conjunto pelo tribunal competente para conhecimento das apelações.
Por fim, ações conexas devem ser distribuídas por dependência, quando relacionadas a outra ajuizada anteriormente (CPC, art. 253, I).
20.1.1. QUESTÕES PREJUDICIAIS EXTERNAS
Podem surgir causas conexas em andamento perante juízos com competência absoluta diferentes, fato impeditivo da reunião dos feitos para julgamento em conjunto. É o que ocorre quando uma ação penal visa a condenação do réu por lesão corporal dolosa e, com base nos mesmos fatos, uma demanda civil de indenização por perdas e danos é movida pela vítima no juízo cível. Muito embora presente a possibilidade de julgamentos contraditórios, é impedida a reunião dos feitos pela diferente competência absoluta dos distintos juízos. Nesses casos a solução reside: a) na atração da demanda comum pelo juiz especial, como nos casos de conexão entre feito ajuizado perante a justiça federal — especial — e outro correndo perante a justiça estadual — comum; ou b) no surgimento de questão prejudicial externa, motivadora da suspensão de um dos processos enquanto o outro não for julgado (CPC, art. 265, IV).
Portanto, são as questões prejudiciais externas nítidos casos de conexão, nos quais a reunião dos processos é vedada pela diferente competência absoluta dos distintos juízos. Dessa forma, um dos feitos aguardará o desfecho do outro que lhe é conexo, evitando-se assim o antagonismo das decisões.
20.2. CONTINÊNCIA
É uma espécie de conexão, com requisitos legais mais específicos. Ocorre quando duas ou mais ações têm as mesmas partes (requisito ausente na conexão) e a mesma causa de pedir, mas o pedido de uma delas engloba o da outra. Muito embora as duas ações não sejam idênticas, já que os pedidos são diversos, uma delas tem conteúdo abrangendo por completo a outra demanda. Novamente surge a possibilidade de as demandas receberem julgamentos contraditórios, circunstância indicativa da necessidade de sua reunião. Ressalte-se que totalmente desnecessária a estipulação legal da continência como fenômeno distinto da conexão, pois toda ação continente é conexa pela identidade da causa de pedir. Logo, a propositura de uma demanda continente com outra já ajuizada gera a necessidade da distribuição por dependência.
Exemplo típico de continência são duas ações ajuizadas pelo mesmo autor e contra o mesmo réu, em uma delas postulando a reintegração de posse e na outra não só a reintegração de posse, mas também indenização por perdas e danos, englobando por completo a primeira demanda.
21 PREVENÇÃO
Existindo conexão ou continência, mister se faz fixar quem será o juiz competente para julgar os dois feitos reunidos. Surge o fenômeno da prevenção, o qual indica, dentre os juízes possuidores de ações conexas ou continentes, qual irá proferir a sentença única. É, portanto, a prevenção critério de fixação da competência.
Duas regras distintas nos indicam qual será o juiz prevento para o julgamento.
Em sendo juízes de mesma competência territorial (mesma comarca ou seção judiciária), aplica-se a regra do art. 106, tornando-se prevento aquele que despachou o processo em primeiro lugar. Como primeiro despacho devemos entender o do primeiro juiz a ordenar a citação do réu, não servindo para fixar prevenção a decisão que se limita a determinar a emenda à inicial.
Já pelo art. 219, entre juízes de competências territoriais diversas, prevento será aquele que promoveu em primeiro lugar a citação válida.
22 CONFLITO DE COMPETÊNCIA
É possível a ocorrência de divergência entre juízes quanto à sua competência para julgamento da demanda. Esse conflito surge quando dois ou mais juízes se dizem competentes para a apreciação da causa (conflito positivo) ou, então, quando ambos se consideram incompetentes (conflito negativo) ou, ainda, quando existe controvérsias acerca da reunião ou separação dos processos (CPC, art. 115).
O órgão competente para julgamento do conflito é o tribunal hierarquicamente superior ao dos juízes conflitantes ou o Superior Tribunal de Justiça, quando aquele surgir entre tribunal e juízes de grau inferior ou entre juízes de justiças distintas.
O levantamento do conflito pode ser suscitado pelo juiz, mediante ofício ao tribunal, pela parte ou pelo Ministério Público, estes por intermédio de petição, ambos instruídos com os documentos necessários para o julgamento (CPC, arts. 116 a 118).
O presidente do tribunal determinará a manifestação dos juízes, caso seja o conflito suscitado pelas partes ou Ministério Público, ou apenas do juiz suscitado, caso seja ele levantado de ofício por um dos juízes. Após ouvido o procurador de justiça, o tribunal indicará qual o juiz competente e se pronunciará sobre a validade dos eventuais atos praticados pelo juiz incompetente (CPC, art. 122). Por fim, o conflito de competência suspende o andamento do feito, só se permitindo a prática de atos urgentes (CPC, art. 120).
Capítulo VII
DAS PARTES E SEUS PROCURADORES
23 RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL
Toda relação jurídica que se instaura tem por finalidade a modificação, extinção ou criação de algum efeito jurídico.
No processo se desenvolve a relação jurídica surgida entre os litigantes e o Estado-juiz. Essa relação é complexa porque é impulsionada pela prática de vários atos processuais ordenados das partes e do juiz (atos de criação e modificação), todos visando levar o procedimento até a obtenção de sua finalidade precípua, a tutela jurisdicional (ato extintivo). Tal fim é obtido mesmo que as partes não exerçam suas faculdades processuais e deixem de praticar os atos de movimentação do processo, pois, muito embora a jurisdição seja inerte, a relação jurídica processual se movimenta pelo princípio do impulso oficial, incumbindo ao juiz levar o processo até seu final, analisando ou não o mérito da causa.
A relação jurídica processual é de direito público, na medida em que regula o relacionamento entre as partes e um órgão estatal investido da jurisdição e de todo independente da relação jurídica de direito material existente entre os litigantes. Toda ela é desenvolvida sem vínculo direto entre as partes, pois os efeitos visados pelos atos processuais por elas praticados só serão gerados após a análise formal e deferimento do juiz (relação angular).
São, então, sujeitos da relação jurídica processual e, por consequência, do processo, o juiz e as partes.
24 CONCEITO DE PARTE
Partes são aquelas que participam da relação processual existente com o Estado-juiz, exercem as faculdades que lhes são oferecidas, observam os deveres a elas impostos e sujeitam-se aos ônus processuais.
Conforme o procedimento escolhido ou a fase processual, a denominação da parte varia. Por exemplo, “autor” e “réu” são expressões utilizadas nos processos de conhecimento; “credor” e “devedor”, na execução; “excipiente” e “excepto”, nas exceções; “denunciante” e “denunciado”, na denunciação da lide etc.
25 FACULDADES, DEVERES E ÔNUS PROCESSUAIS
25.1. FACULDADES PROCESSUAIS
As partes, na defesa de seus interesses e buscando formar o convencimento daquele que irá proferir a decisão sobre o litígio instaurado, adquirem, por força da relação jurídica processual, a faculdade de praticar os atos destinados ao exercício do direito de ação e de defesa, como, por exemplo, o direito de produzir provas, recorrer, comparecer aos atos processuais etc.
25.2. DEVERES PROCESSUAIS
De outro lado, surgem também deveres impostos às partes, participantes que são de um instrumento público, cujo descumprimento poderá acarretar sanções não só no próprio processo civil (litigância de má-fé), como até mesmo na esfera criminal (desobediência). É exemplo de dever processual atuar no processo com lealdade, urbanidade e boa-fé.
25.3. ÔNUS PROCESSUAIS
São faculdades processuais concedidas às partes, as quais, apesar de não obrigatórias, geram ao desidioso um prejuízo na relação jurídica processual, consistente em passar a ostentar situação desvantajosa perante aquele que irá decidir a lide. Exemplo típico é o da contestação. Muito embora ninguém seja a ela obrigado, a ausência de contestação gera uma desvalia processual ao réu, o estabelecimento da presunção de veracidade dos fatos alegados como constitutivos do direito do autor, possibilitando o julgamento antecipado da lide.
26 SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL E SUBSTITUIÇÃO DE PARTE
Conforme já visto, o titular da ação é o titular do direito material violado (legitimação ordinária). Só quando a lei permitir é admissível que terceiro venha a juízo tutelar direito alheio, em nome próprio (legitimação extraordinária). A substituição processual é, portanto, sinônimo de legitimação extraordinária, agindo o substituto na defesa do interesse que não lhe pertence.
Esse instituto não pode ser confundido com a substituição de parte, a qual significa a alteração da pessoa que figura em um dos polos do processo.
Após estabilizada a demanda, nosso ordenamento só permite a substituição das partes originárias em caso de falecimento, mediante a suspensão do feito até que se proceda à habilitação dos sucessores ou do espólio e contanto que o direito de ação não seja intransmissível, pois nesse caso deverá ser o processo extinto (CPC, art. 267).
Nem mesmo a eventual alienação do objeto litigioso implica alteração das partes. Pelo contrário, a transferência do direito material versado nos autos, após a citação válida, é irrelevante para o processo, vez que ele prosseguirá até seu final com as partes originárias, a não ser que haja concordância destas quanto à substituição em um dos polos, comunicada nos autos até o saneamento do feito. Senão, ao adquirente do objeto ou direito litigioso resta, caso assim deseje, intervir na causa como assistente simples do alienante.
27 CAPACIDADE DE ESTAR EM JUÍZO E CAPACIDADE PROCESSUAL
Qualquer pessoa que possua capacidade de ser sujeito de direitos e obrigações na vida civil tem capacidade de estar em juízo. Equivale ela à personalidade civil. Determinadas ficções jurídicas processuais têm capacidade de estar em juízo, muito embora não possuam personalidade civil, tais como o nascituro e as pessoas meramente formais (massa falida, espólio e condomínio), as quais podem atuar como partes nos processos de seus interesses, desde que corretamente representadas (genitora, síndico e inventariante).
Já a capacidade processual (legitimatio ad processum), a princípio, segue as regras da capacidade de exercício do Código Civil. Como a relação jurídica processual implica atos de manifestação de vontade, exige a lei processual os mesmos requisitos integrativos da vontade daqueles que, seja por força da idade, seja por força de alguma debilidade mental, não tenham vontade plena.
Logo, muito embora o menor impúbere possa ser parte em uma demanda (capacidade de estar em juízo), para que exerça regularmente as faculdades ou se sujeite aos ônus processuais validamente, deve estar sempre acompanhado de seu representante legal (ausência de capacidade processual). Este não assume a posição de parte no lugar do menor, mas apenas comparece nos autos para representá-lo e suprir sua incapacidade. Da mesma forma, a pessoa jurídica deverá comparecer no processo devidamente representada por quem seus estatutos designarem.
O direito processual civil impõe, ainda, algumas limitações especiais à capacidade processual, em virtude do interesse público inerente ao processo e pela necessidade de observância do princípio do contraditório e da ampla defesa. São os casos do réu preso, que demanda em seu favor a nomeação de um curador especial, e as hipóteses do art. 10, que exigem a outorga uxória ou marital entre os cônjuges. Neste último caso é possível a obtenção do suprimento judicial, quando a recusa não for justificada (CPC, art. 11).
Não pode a capacidade processual ser confundida com a legitimatio ad causam, condição da ação. A primeira é pressuposto processual cuja ausência gera a nulidade do processo, por ausência de existência e validade da relação jurídica, enquanto a ausência da segunda gera a extinção do processo sem resolução de mérito, por carência de ação.
A irregularidade da representação das partes é matéria de ordem pública e comporta reconhecimento de ofício pelo juiz, o qual deverá determinar sua regularização em prazo razoável. Se o vício for apresentado pelo autor da demanda e este não o sanar no prazo assinalado, será o processo extinto. Se a desídia em regularizar for do réu, deverá o processo seguir à sua revelia.
28 DO ADVOGADO
28.1. CAPACIDADE POSTULATÓRIA
Em sendo o processo instrumento objeto de direito positivado, com regras técnicas próprias de quem tenha o conhecimento das leis, somente aquele habilitado em curso superior jurídico tem capacidade de postular em juízo. O advogado é o técnico em direito que representa a parte em suas postulações no processo e no exercício das suas faculdades processuais. É sua exclusividade a capacidade postulatória, sendo absolutamente nulo o processo no qual a parte se faça representar por quem não detém habilitação legal para o exercício da advocacia.
A lei excepciona essa regra geral, possibilitando a postulação diretamente pela parte:
a) quando advoga em causa própria (CPC, art. 36);
b) mesmo quando, não sendo advogado, não houver causídico no lugar ou os que existam tenham recusado o patrocínio da causa. Essas pessoas são conhecidas como rábulas (CPC, art. 36);
c) nas causas de competência do juizado especial cível, quando seu valor não ultrapassar vinte salários mínimos.
28.2. O MANDATO JUDICIAL
Para que a representação da parte pelo advogado seja válida é necessária a outorga de mandato, por instrumento público (obrigatório para os analfabetos) ou particular. Para a prática de atos no processo basta que a procuração faça referência à cláusula ad judicia (CPC, art. 38), com exceção dos atos processuais de desistência, confissão ou recebimento de citação, que demandam poderes específicos. Já os atos da vida civil, como a transação, renúncia ao direito, receber e dar quitação, reconhecer a procedência do pedido e firmar compromissos, não estão acobertados pela cláusula judicial referida, exigindo disposição expressa no mandato.
A procuração jamais pode ser dispensada. Entretanto, medidas de urgência podem ser praticadas sem mandato, desde que no prazo máximo de trinta dias seja ele exibido no processo (validação), sob pena de inexistência do ato e responsabilização do advogado pelas custas, perdas e danos gerados no processo.
Pode a procuração, ainda, ser assinada digitalmente com base em certificado emitido por autoridade certificadora credenciada, na forma da lei específica.
28.3. DIREITOS DO ADVOGADO
O artigo 40 do CPC estipula, em favor do advogado que esteja no exercício da defesa de seu patrocinado, os direitos de:
a) examinar, em cartório, os autos de qualquer processo, salvo aqueles sob a égide do segredo de justiça;
b) requerer, como procurador, vista dos autos pelo prazo de 5 (cinco) dias;
c) retirar os autos pelo prazo legal, sempre que houver determinação judicial para manifestação. Caso o prazo seja comum às partes, só em conjunto ou mediante prévio ajuste por petição nos autos, poderão os seus procuradores retirar os autos, ressalvada a hipótese de obtenção de cópias, com carga dos autos pelo prazo de 1 (uma) hora.
28.4. SUBSTITUIÇÃO DO ADVOGADO
Pode dar-se pela vontade da parte manifestada nos autos (revogação do mandato). Neste momento, o autor deverá constituir outro causídico, sob pena de extinção do processo. Se a revogação partir do réu e a nomeação do novo patrono não for realizada, prosseguirá o feito à sua revelia.
Em se tratando de renúncia ao mandato pelo próprio advogado, somente terá eficácia no processo se houver prova escrita, física ou digital, da cientificação do patrocinado, rosseguindo o causídico na defesa, se necessário, pelo prazo de dez dias de sua juntada aos autos.
Por fim, se sobrevier incapacidade ou morte do patrono da parte, o feito será suspenso por vinte dias, para constituição de novo defensor pela parte, sob as penas de extinção ou revelia já referidas.
Capítulo VIII
O MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO CIVIL
O Ministério Público tem por função constitucional (CF, art. 129) a defesa, no âmbito civil, dos interesses públicos, sociais, difusos e coletivos. A regulamentação e a determinação das hipóteses dessas funções vêm expressas em diversas leis especiais, tais como a Lei do Mandado de Segurança, a Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor etc. As disposições do Código de Processo Civil hoje são insuficientes, ante o aumento das atribuições civis do Ministério Público, decorrente da manifestação das lides e da opção atual do legislador pela criação de meios de defesa coletiva dos interesses comuns da sociedade.
Como normas de aplicação geral, existe a estipulação de nulidade absoluta nos casos de não intervenção do Ministério Público, quando a lei considerá-la obrigatória e a sua responsabilização civil quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude.
29 O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO PARTE (CPC, ART. 81)
Nessa qualidade, tem o Ministério Público legitimidade extraordinária para ajuizar as ações expressamente previstas em lei, agindo em nome próprio mas na defesa de interesse que não lhe pertence (substituto processual), cabendo-lhe os mesmos direitos e ônus que às partes.
Além da função natural de defesa dos interesses públicos, por vezes a ele é atribuída legitimidade para a defesa de terceiros, quando a lei expressamente equiparar tais interesses privados alheios ao interesse público.
Como exemplo de legitimidade para a defesa dos interesses públicos propriamente ditos, podemos citar a Lei n. 7.347/85 (Ação Civil Pública), a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), a ação de nulidade de casamento (CC/2002, art. 1.549; CC/16, art. 208), a ação rescisória (CPC, art. 487, III, b) etc. Já na defesa do interesse privado equiparado temos a ação civil ex delicto (CPP, art. 68), o pedido de interdição (CPC, arts. 1.177 e 1.178), a ação de investigação da paternidade (Lei n. 8.560/92, art. 2º, § 4º) etc.
30 O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO FISCAL DA LEI
Essa função vem prevista no art. 82. Diferentemente de quando é parte, assume o Ministério Público, nessas hipóteses, verdadeira posição de sujeito especial do processo, cuja presença é demandada pelo interesse público na correta aplicação da lei.
Entre as três hipóteses estabelecidas, as duas primeiras demandas (CPC, art. 82, I e II) versam sobre direitos privados, mas, ou em virtude da hipossuficiência de uma das partes (incapazes), ou em decorrência da natureza do direito material em litígio, tutelado de maneira especial pelo Estado, exige o legislador um maior controle na correta aplicação da lei.
Já o inciso III do art. 82 fixa regra genérica, abrindo espaço para a intervenção do Ministério Público em todos os feitos em que se faça presente o interesse público não previsto expressamente pelo legislador.
Ante a ausência de determinação legal expressa, podem surgir duas formas distintas de intervenção ministerial.
A primeira forma é a espontânea, mediante requerimento voluntário do Ministério Público para ingresso no feito, por manifestação justificada. Caso o requerimento seja aceito pelo juiz da causa, sua habilitação estará completa. Do contrário, da decisão de indeferimento caberá recurso de agravo na forma retida, como regral geral, ou por instrumento, quando a decisão for suscetível de causar lesão grave ou de difícil reparação.
A segunda forma é a provocada, através de despacho judicial em que se reconheça a presença do interesse público. Compete exclusivamente ao Ministério Público a análise da pertinência da sua participação nos processos judiciais, por força de sua autonomia constitucional. Sendo aceitas as motivações da decisão judicial, passará ele a intervir nos autos. Caso contrário, deverá manifestar-se nos autos justificando a sua recusa e possibilitando ao juiz a aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal, por analogia, com remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça para análise do cabimento da intervenção. Ratificada por este a recusa, seguirá o feito sem a intervenção do Ministério Público. Entendendo o procurador ser caso de intervenção ministerial, designará outro promotor de justiça para atuar no feito, por delegação.
31 VANTAGENS PROCESSUAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Considerando a natureza especial da função do Ministério Público, a lei processual estabelece em seu favor diversas vantagens processuais. Tais regras especiais não são benefícios estabelecidos em favor da instituição em si, mas sim para possibilitar uma melhor defesa dos interesses públicos em jogo. Na realidade, consistem na aplicação da verdadeira isonomia substancial (tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais). Em síntese, são elas:
a) necessidade de intimação pessoal do representante do Ministério Público de todos os atos do processo, ao contrário das partes, intimadas, via de regra, pelo Diário Oficial da União ou do Estado;
b) não sujeição ao pagamento antecipado de custas nem à condenação em verbas de sucumbência;
c) manifestação em último lugar, quando o Ministério Público atuar como fiscal da lei;
d) prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, quando atuar como parte. Polêmica ainda persiste na jurisprudência quanto à extensão desse benefício ao Ministério Público nas funções de fiscal da lei, ante o que dispõe o art. 188.
Muito embora a interpretação meramente gramatical indique a aplicabilidade do prazo em dobro apenas quando exercendo as funções de parte, a análise de que o benefício é estabelecido em favor do interesse público em jogo indica a necessidade de interpretação extensiva da norma, aplicando-se o prazo especial em todas as hipóteses de atuação do Ministério Público.
Por fim, a ausência de intervenção do Ministério Público em feito no qual sua presença era obrigatória gera a nulidade absoluta do processo, abrindo azo até mesmo para a ação rescisória (CPC, art. 487, III, a).
Capítulo IX
O JUIZ
32 DEVERES DO JUIZ NO PROCESSO CIVIL
O art. 125 traça as diretrizes básicas que devem nortear as funções do juiz no processo civil.
O tratamento isonômico que deve ser dispensado às partes é requisito essencial da legitimação da atividade judicial. Entretanto, nunca se deve perder de vista que o conceito de isonomia ultrapassou a igualdade meramente formal, para atingir o que conhecemos como isonomia substancial. A verdadeira igualdade só pode ser atingida se for dispensado tratamento diferenciado a quem não se encontra em situação de igualdade, sob pena de reforço das diferenças. No processo isso se reflete na instituição legal de prazos especiais em favor de determinados sujeitos do processo, na possibilidade de concessão de justiça gratuita aos necessitados etc.
Embora iniciado por provocação das partes, compete ao juiz levar o processo ao seu final, pelo impulso oficial, da maneira mais célere e econômica possível, sem se descurar das garantias do contraditório e da ampla defesa. No momento atual, em que as reformas buscam outorgar maior efetividade ao processo, mais rigoroso se torna o dever do juiz de zelar pela rápida solução do litígio.
De outro lado, o processo é instrumento estatal que demanda respeito das partes, não podendo jamais ser utilizado para a prática de ato que atente à dignidade da justiça. O Código atual cria meios capazes de proporcionar ao juiz a repressão a qualquer ato contrário a esse preceito, tais como aplicar a pena pela litigância de má-fé ou ato atentatório em processo de execução (CPC, art. 601).
Ao juiz não é dado declinar da jurisdição alegando lacuna ou omissão da lei (CPC, art. 126), em respeito ao princípio da inafastabilidade da jurisdição; não pode afastar-se da aplicação das normas legais vigentes, sob pena de invasão da esfera de competência do Legislativo; só deve aplicar a equidade quando expressamente permitido em lei; deve restringir-se à análise do pedido nos limites formulados pelas partes, sob pena de exercer a jurisdição de ofício; deve obstar que as partes usem do processo para obtenção de resultado ilegal, bem como fundamentar todas as suas decisões com as provas e elementos que constam dos autos.
33 A IMPARCIALIDADE
Toda a jurisdição pauta-se na imparcialidade do julgador investido nessa função. E o sistema jurídico institui uma série de garantias constitucionais, visando a outorga ao julgador da necessária isenção para o desenvolvimento de suas funções.
São elas as garantias da vitaliciedade — proibição de perda do cargo senão por sentença judicial; da inamovibilidade — impossibilidade de remoção do cargo contra sua vontade, a não ser por motivo de interesse público, em pena aplicada em regular processo administrativo, e da irredutibilidade de subsídios.
Mas a par desse sistema de garantias constitucionais, estabelece a lei uma série de hipóteses em que o juiz não deve atuar no processo. São os casos de impedimento (CPC, art. 134), proibições de natureza objetiva, ensejando até mesmo ação rescisória se desrespeitadas (CPC, art. 485, II), e de suspeição (CPC, art. 135), vedações de natureza subjetiva e que dependem de comprovação nos autos, não afetando a coisa julgada se não observadas ou arguidas pelas partes no momento oportuno.
Capítulo X
OS ATOS PROCESSUAIS
34 GENERALIDADES
Ato processual é todo aquele praticado pelos sujeitos do processo (partes e juiz) visando a criação, modificação ou extinção da relação jurídica processual. Os atos de criação são aqueles ligados à instauração da relação jurídica processual (petição inicial, citação e contestação), enquanto os de modificação movimentam o procedimento para o ato de extinção (sentença).
São, em sua grande maioria, atos formais, com requisitos de validade previstos em lei e criados para assegurar o atingimento de sua finalidade. Portanto, salvo quando a lei expressamente inquinar de nulo o ato realizado sem a observância da forma para ele prescrita (CPC, art. 247), não tem ela um fim em si mesma, dependendo o reconhecimento de eventual nulidade do processo da perquirição quanto ao atingimento da finalidade prevista para o ato processual.
Hoje, todos os termos e atos do processo podem ser produzidos, transmitidos, armazenados e assinados por meio eletrônico, na forma da lei.
34.1. DO PROCESSO ELETRÔNICO
A Lei n. 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, alterando alguns artigos do Código de Processo Civil, estabelece o primeiro passo para a adoção pelos tribunais do processo totalmente eletrônico, com a dispensa da utilização do meio físico do papel.
A finalidade clara da lei é não só proporcionar uma celeridade maior ao andamento dos feitos como também reduzir sensivelmente os custos da atividade jurisdicional, mediante a aplicação e utilização das mídias digitais no processo.
É bem verdade que o legislador deixou passar ótima oportunidade de estabelecer a obrigatoriedade de adoção de um mesmo sistema procedimental eletrônico a todos os tribunais nacionais, única forma de proporcionar ao jurisdicionado uma uniformidade de condutas.
Por outro lado, ao apenas facultar a adesão dos tribunais ao processo digital e autorizar sua regulamentação isolada dentro de esfera de competência de cada um deles (art. 18), reconheceu o legislador a enorme diversidade de estrutura física e orçamental dos judiciários da Federação como causa da impossibilidade da adoção, por ora, de um sistema informatizado único.
O Capítulo I da citada lei diz respeito à informatização do processo judicial.
Estabelece o § 1º do art. 1º a aplicabilidade da lei ao processo civil, penal, trabalhista e juizado especial. Como limitação a esta abrangência encontra-se a vedação do uso da citação por meio eletrônico no processo criminal e infracional (art. 6º).
O legislador conceitua os novos termos de informática utilizados pelo texto.
Meio eletrônico é toda forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais. A transmissão eletrônica é considerada como qualquer forma de comunicação a distância com a utilização de redes de computadores, enquanto a assinatura eletrônica é aquela baseada em certificação digital expedida por autoridades credenciadas ou a cadastrada perante o Poder Judiciário.
Todo o processo se baseia no cadastramento do usuário e credenciamento deste perante o tribunal respectivo, após a sua identificação presencial.
Os atos processuais eletrônicos serão considerados como praticados no dia e hora do seu envio ao sistema, mediante fornecimento de protocolo eletrônico.
Já o prazo processual fixado para sua prática estará atendido desde que transmitida a petição até as 24 horas do seu último dia.
O Capítulo II fixa as regras respeitantes à forma de comunicação dos atos processuais eletrônicos.
Ponto de relevância é a autorização dada aos tribunais para a criação de Diário eletrônico, que deverá ser disponibilizado em sítio criado para tal fim. Sua criação substituirá qualquer outro meio e publicação oficial, salvo os casos em que a lei exigir a intimação pessoal.
Todas as publicações deverão ser assinadas digitalmente, certificadas pela autoridade credenciada para tal fim. Será considerado como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação, e os prazos processuais terão início no primeiro dia útil após a data considerada de sua publicação.
Todo aquele que estiver cadastrado como usuário do sistema será intimado por meio eletrônico, dispensada a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico. Essa intimação será efetivada no dia em que o intimado efetuar sua consulta eletrônica, certificando-se nos autos tal fato. Caso a consulta seja feita em dia não útil, a intimação será considerada realizada no primeiro dia útil seguinte. Esgotado o prazo de até dez dias corridos, contados do envio da intimação, sem que o usuário acesse a informação, será ela dada como feita no término desse prazo.
O Capítulo III aborda a forma do processo eletrônico.
De início, conforme já visto, cada tribunal poderá desenvolver seu próprio sistema eletrônico de processamento de demandas judiciais, podendo ser os autos total ou parcialmente digitais. Mas todo e qualquer ato processual deverá ser assinado eletronicamente.
Qualquer citação (com exceção do processo penal e infracional), intimação ou notificação será feita por meio eletrônico, inclusive as da Fazenda Pública. Para garantir o efeito de vista pessoal do interessado, é necessário que esses atos disponibilizem acesso à íntegra do processo.
A distribuição das petições iniciais e a juntada de contestações, recursos e petições em geral, em formato digital, dispensarão a intervenção do cartório ou secretaria judicial em suas distribuições ou juntadas, com autuação automática e fornecimento de recibo eletrônico de protocolo.
Em caso de indisponibilidade do sistema por motivo técnico, os prazos são prorrogados para o primeiro dia útil seguinte à solução do problema.
Para facilitação do acesso à Justiça, deverão os tribunais manter equipamentos de acesso ao sistema e digitalização de documentos à disposição do interessado na prática dos atos.
Qualquer documento digital que tenha garantia de origem e de seu signatário é considerado original para os efeitos legais e sua arguição de falsidade será processada eletronicamente, na forma da lei processual. Mas os documentos digitalizados juntados ao processo eletrônico deverão ser preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou prazo final para a ação rescisória.
A lei limita o acesso aos autos eletrônicos às partes e Ministério Público, o que, a princípio, viola o princípio da publicidade do processo. Se os autos físicos podem ser consultados e analisados por qualquer pessoa, salvo as hipóteses de segredo de justiça, desarrazoado estar o processo eletrônico limitado à consulta das partes envolvidas.
Outro ponto de relevo é a autorização para que os autos em papel, em andamento ou já arquivados, possam ser digitalizados, mediante a prévia publicação de editais de intimação das partes e seus procuradores para que, no prazo de trinta dias, manifestem o desejo de manter pessoalmente a guarda dos documentos físicos originais.
Nas disposições gerais e finais (Capítulo IV), estabelece a lei a preferência pelo uso de programas abertos, acessíveis a todos por meio da rede mundial. Faculta, ainda, a geração e o armazenamento dos livros cartorários em meio totalmente eletrônico.
A conclusão a que se chega é que o primeiro e grande passo foi dado para finalmente incorporarem-se a evolução da informática e a criação de novas mídias ao processo judicial, com benefícios inegáveis à celeridade processual e ao custo da justiça, pendente agora das regulamentações em cada tribunal para a sua plena efetivação.
O Superior Tribunal de Justiça já implementou o processo eletrônico no processamento dos recursos especiais. Nestes casos, em vez da remessa física dos autos originais, compete ao tribunal de origem a sua digitalização e seu envio por meio digital, de modo que, a partir de então, todo o procedimento dispense o papel físico e passe a ser processado, naquela corte superior, sob a mídia digital. Tal medida implicou enorme economia de tempo e de custo financeiro, ambos decorrentes da antiga necessidade de envio físico dos autos nos quais fora o recurso especial interposto.
35 O ATO PROCESSUAL NO TEMPO
A primeira regra diz respeito ao horário hábil para as práticas dos atos processuais, prevista no art. 172, ou seja, nos dias úteis, entendidos os dias que não férias ou feriados, das 6 às 20 horas. Entretanto, tal horário pode ser regulamentado pelos respectivos tribunais, dentro dos limites territoriais de sua competência. Considera-se praticado o ato quando protocolado ou despachada a petição pelo juiz da comarca.
Para o art. 175 são feriados apenas os domingos e os dias assim declarados em lei, incluindo-se os feriados municipais e estaduais. Nos sábados costumeiramente não se praticam os atos processuais pela ausência de expediente forense, conforme determinado pela lei de organização judiciária de cada Estado.
Todavia, permite a lei a prática de atos após as 20 horas, se a interrupção for prejudicial à diligência (p. ex.: lacração de uma empresa falida) ou puder resultar em grave dano. Tal exceção tem conteúdo genérico, cabendo ao juiz determinar a necessidade de prosseguimento do ato, mesmo após o horário máximo permitido.
Nos casos de penhora ou citação, além de ser possível sua prática em dias úteis fora do horário normal, é permitida sua realização nos domingos e feriados, desde que respeitada a inviolabilidade do domicílio à noite e mediante expressa autorização judicial.
O art. 173 enumera exemplificativamente quais atos podem ser praticados nas férias ou em feriados, todos eles ligados à urgência, seja para evitar perecimento de direito, seja para impedir a ocorrência de dano irreparável, iniciando-se o prazo para o réu responder no primeiro dia útil após o término do feriado ou das férias.
36 O ATO PROCESSUAL NO ESPAÇO
Normalmente os atos processuais devem ser praticados na sede do juízo (nas dependências do fórum). As exceções ocorrem quando presentes prerrogativas pessoais pelo exercício da função (critério da deferência), como o presidente da República, governadores, deputados e membros do Poder Judiciário, quando o interesse público demandar, ou se existente obstáculo arguido pelo interessado e acolhido pelo juiz (p. ex.: pessoa enferma).
37 ATOS DAS PARTES
Classificam-se os atos das partes em:
a) Atos postulatórios. Aqueles mediante os quais as partes trazem suas teses de direito e de fato a juízo. Exs.: petição inicial, contestação e recursos.
b) Atos probatórios. Aqueles destinados a trazer aos autos os elementos para convencimento do julgador, visando a demonstração da veracidade dos fatos alegados pelas partes.
c) Atos de disposição. Os que visam à facilitação da composição de litígios. Por esses atos as partes dispõem no feito não só de suas faculdades processuais, mas também dos direitos materiais que entendam possuir.
Renúncia: ato unilateral pelo qual a parte abre mão de uma faculdade processual (renúncia ao direito de recorrer) ou de um direito de natureza material. Nesse segundo caso estamos diante de uma forma de autocomposição, prevista no art. 269, V. Essa vontade material da parte gera seus efeitos independentemente de homologação judicial, não comportando retratação.
Reconhecimento jurídico do pedido: ato inverso ao da renúncia, significando a sujeição espontânea de uma parte à pretensão de direito material da outra. Também produz efeitos imediatos, sendo a homologação mero ato formal necessário à extinção do processo e de outorga de força de título executivo judicial à vontade exarada (CPC, art. 269, II).
Transação: ato de disposição bilateral pelo qual o autor abre mão de parte de sua pretensão e o réu de parte de sua resistência. Também produz efeitos independentemente da homologação do juiz, ato este de mera extinção do processo e de outorga de força de título executivo judicial ao acordo firmado. Nunca é demais lembrar que um acordo entre as partes, por gerar efeitos imediatamente após a manifestação de vontade, pode ter força de título executivo extrajudicial, se assinado por duas testemunhas, o que aponta para a ausência de exigências da participação do juiz para lhe outorgar validade (CPC, art. 269, III).
Desistência: ato de disposição do direito de ação, de cunho estritamente processual. Por ser o direito de ação de natureza pública, exercido contra o juiz, mister se faz sua aceitação, sem a qual o ato não produz qualquer efeito (CPC, art. 158, parágrafo único). Logo, pode a desistência sofrer retratação enquanto não homologada pela autoridade judiciária competente.
Os três primeiros casos são atos de disposição de direito material que visam pôr fim ao processo pela autocomposição das partes, equivalentes a verdadeiros negócios jurídicos. Portanto, não existe a aplicação do direito ao caso concreto pelo agente da jurisdição, e eventual insurgimento contra sua validade deve passar pela arguição de vício de vontade ou social, via ação anulatória de ato jurídico, e não através de rescisória.
38 ATOS DO JUIZ
Vêm eles definidos no art. 162 do Código de Processo Civil. Deverão ser sempre redigidos, datados e assinados pelo juiz, podendo ser feito uso da assinatura eletrônica (art. 164).
38.1. DESPACHOS
São atos sem qualquer conteúdo decisório e têm por finalidade apenas impor a marcha normal do procedimento, ante o que reza o princípio do impulso oficial. Por não ser uma decisão, não comporta interposição de recurso (CPC, art. 504), apesar da inversão tumultuária dos atos do processo pelo juiz poder ser questionada através de correição parcial. O § 3º do art. 162 do Código de Processo Civil define despacho por exclusão: todo ato do juiz que não implicar uma das situações previstas nos arts. 267 e 269 (art. 162, § 1º) e não caracterizar decisão interlocutória (art. 162, § 2º) será considerado despacho.
Pelo § 4º do art. 162, “os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários”.
38.2. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
São os atos pelos quais o juiz decide alguma questão incidente no processo, sem contudo lhe dar fim. São decisões impugnáveis via recurso de agravo. Atualmente a doutrina vem subdividindo essa classificação em decisões interlocutórias simples e mistas.
Simples são aquelas que solucionam incidentes no curso do processo, sem extinguir qualquer das relações jurídicas processuais instauradas.
Mistas são as decisões que, muito embora ponham fim a algumas das relações jurídicas processuais existentes no processo, determinam o seu prosseguimento com relação à persistente.
Portanto, ainda que do ângulo restrito da relação processual extinta tenha o processo terminado, assumindo a decisão natureza de sentença terminativa, prossegue o feito regularmente para análise domérito da lide relativa à relação jurídica subsistente. É o exemplo da decisão interlocutória que reconhece a ilegitimidade de um dos corréus, excluindo-o do feito, e determina o prosseguimento do processo quanto aos demais. Ou, ainda, a decisão de indeferimento liminar da reconvenção.
Essa distinção é relevante para a fixação do recurso cabível contra tais decisões, polêmica que perdura até hoje em nossos tribunais. E, ante o exposto, o recurso cabível contra decisão interlocutória simples ou mista é o de agravo, na forma retida ou de instrumento.
38.3. SENTENÇA
É o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, esgotando a sua atividade no feito. Podem ser as sentenças:
a) Meramente terminativas. São forma anômala de extinção do processo, sem a análise do mérito, por ocorrência de alguma das hipóteses do art. 267 do Código de Processo Civil. Fazem coisa julgada meramente formal, possibilitando à parte a repropositura da demanda, mesmo porque não pacificam socialmente.
b) Definitivas. Ocasionam a extinção do processo mediante o proferimento de uma sentença de mérito, com abordagem definitiva da questão de direito material discutida nos autos, acolhendo ou não a pretensão do autor (CPC, art. 269, I). Após esgotados os prazos para interposição de recurso, fazem coisa julgada formal e material, impossibilitando à parte o recebimento de um novo julgamento.
As sentenças são impugnáveis através do recurso de apelação.
39 PRAZOS PROCESSUAIS
Em contraposição à inércia da jurisdição existe o princípio do impulso oficial, segundo o qual o processo deve seguir sua marcha até o proferimento da sentença, da maneira mais célere e econômica possível. Portanto, é imposto aos sujeitos do processo o estabelecimento de prazos para o cumprimento dos atos processuais, cuja inobservância acarretará à parte a perda da faculdade processual concedida (preclusão) e ao juiz, às vezes, a possibilidade de receber sanções administrativas.
Em caso de omissão da lei quanto ao prazo fixado para o cumprimento do ato, compete ao juiz fixá-lo (CPC, art. 177). No silêncio do juiz, aplica-se a regra do art. 185, valendo o prazo ordinário de cinco dias.
Existem diversas classificações dos prazos:
39.1. PRAZOS PRÓPRIO E IMPRÓPRIO
Prazo próprio é aquele imposto às partes, pois acarreta a preclusão pelo vencimento de seu termo final (dies ad quem), impossibilitada a sua prática posterior e prosseguindo o procedimento para seu estágio subsequente. Os impróprios são estabelecidos para o juiz e seus auxiliares, posto não gerarem qualquer consequência processual se não observados, possibilitando, entretanto, a aplicação de sanções de natureza administrativa.
O Ministério Público, atuando nas hipóteses do art. 81, sujeita-se aos mesmos ônus e deveres das partes, sendo os seus prazos próprios. Já na qualidade de fiscal da lei (sujeito especial do processo), com exceção do prazo para recorrer (sempre próprio), sua manifestação é obrigatória, não gerando o eventual excesso de prazo de seu representante a preclusão (prazo impróprio), mas sim a aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal, por analogia.
39.2. PRAZOS DILATÓRIO E PEREMPTÓRIO
Dilatório é o prazo legal que comporta ampliação ou redução pela vontade das partes. Ao juiz só é facultada a ampliação do prazo dilatório (CPC, art. 181). Prazos peremptórios são aqueles inalteráveis pelo juiz ou pelas partes, com exceção do que ocorre nas comarcas de difícil transporte (até 60 dias) ou em caso de calamidade pública (até sua cessação).
A lei não distingue a natureza peremptória ou dilatória do prazo processual, competindo ao juiz estabelecê-la. O melhor critério é aquele que afirma ser peremptório todo prazo que, se não observado, altera a relação jurídica processual, gerando uma posição de desvalia ao omisso e vantagens processuais à parte contrária (prazo da resposta do réu, prazos recursais, prazo para arrolar testemunhas etc.).
Se, entretanto, a ausência de observância do prazo e a consequente preclusão não geram vantagens ou desvantagens às partes, estamos no campo dos prazos dilatórios. O prazo para a réplica tem natureza meramente dilatória, já que o seu não oferecimento não gera nenhuma desvalia processual, como ocorre com a ausência de contestação (efeitos da revelia) ou de interposição de recurso (trânsito em julgado da sentença).
39.3. PRECLUSÃO
É o fenômeno da perda pela parte da faculdade processual de praticar um ato. Nem toda preclusão gera em desfavor do omisso uma desvalia processual, podendo implicar apenas o prosseguimento do feito para um estágio seguinte. Classificam-se as espécies de preclusão em:
a) Temporal. É a perda da faculdade de praticar um ato processual em virtude da não observância de um prazo estabelecido em lei ou pelo juiz.
b) Lógica. É a perda da faculdade pela prática de um ato anterior incompatível com o ato posterior que se pretende realizar.
Suponha-se uma sustação de protesto na qual o juiz condiciona o deferimento da liminar a um depósito em dinheiro. A parte, ante essa determinação, postula a concessão de prazo para cumprimento, obtendo deferimento e sustação liminar. Ser-lhe-ia facultado recorrer posteriormente da decisão que exigiu o depósito, quando se limitou a pedir prazo para seu cumprimento? A resposta é negativa, pela ocorrência de preclusão lógica na espécie. A nenhuma parte é dada a faculdade de recorrer contra decisão com a qual concordou, limitando-se a pedir prazo para seu cumprimento (incompatibilidadeentre o pedido anterior de prazo e o recurso posterior). É o mesmo caso de um despejo por denúncia vazia no qual o locatário devolve as chaves após o proferimento da sentença de procedência. Poderia ele depois interpor recurso contra a decisão que cumpriu, mediante a entrega das chaves? Não, pela incidência da preclusão lógica.
c) Consumativa. É a perda da faculdade de praticar o ato de maneira diversa, se já praticado anteriormente por uma das formas facultadas em lei.
Por vezes a lei concede à parte várias opções diferentes e cumulativas de atos processuais, a serem praticados no mesmo momento processual. É o que ocorre na fase de resposta do réu, quando tem ele a faculdade de oferecer três modalidades diversas de respostas (contestação, reconvenção e exceção). As duas primeiras, por força expressa da lei, devem ser oferecidas simultaneamente. A opção por apenas uma delas gera a consumação da faculdade de praticar o ato de forma diversa, mesmo que ainda não esgotado o prazo para resposta.
Capítulo XI
PRESSUPOSTOS E NULIDADES PROCESSUAIS
40 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Se as condições da ação podem ser conceituadas como requisitos prévios necessários para que a parte possa exercer seu direito à tutela jurisdicional (sentença de mérito, tutela executiva ou cautelar), os pressupostos processuais são os requisitos prévios necessários para que o processo (instrumento estatal de composição de litígios) seja considerado existente e desenvolvido de forma válida e regular.
Em sendo o processo instrumento público, permeado de regras rígidas e formais, constituindo hoje verdadeira garantia fundamental de todo cidadão, deve ser realizado mediante a aplicação de todos os princípios e normas a ele pertinentes, de modo que a tutela jurisdicional final seja obtida sem qualquer violação ao conceito de devido processo legal.
Muito mais importante que o estudo das inúmeras classificações dos pressupostos processuais é a constatação de estarem tais requisitos ligados à validade (lato sensu) da relação jurídica processual e do procedimento, se presentes, e às suas nulidades, se ausentes.
Portanto, para a estrita finalidade desse estudo, podem os pressupostos processuais ser classificados em:
a) De existência. Requisitos essenciais para que a relação jurídica processual se estabeleça, ligados à nulidade absoluta insanável, imprescritível e reconhecível a qualquer tempo, seja no processo, seja após o trânsito em julgado da sentença.
b) De desenvolvimento válido. Requisitos necessários para o procedimento, após formada a relação jurídica, desenvolver-se e atingir validamente o seu final (sentença), ligados à nulidade absoluta insanável, reconhecível a qualquer tempo no processo, mas sujeitos ao prazo decadencial de dois anos da ação rescisória.
c) De regularidade. Requisitos de regularidade do procedimento, ligados à nulidade relativa, sanável no curso do próprio processo.
41 FORMA DE CONTROLE EXTERNO DAS NULIDADES
O sistema brasileiro de controle de nulidades processuais comporta dois momentos distintos.
O primeiro, referente ao controle incidental, é feito no curso do próprio processo, a requerimento das partes ou de ofício pelo juiz, dependendo do grau da nulidade. Esta será objeto do tópico 42 deste Capítulo.
O segundo é feito após o trânsito em julgado, de modo excepcional e quando da ocorrência de nulidades absolutas no processo já findo, servindo como meio de afastamento do ordenamento jurídico de decisões injustas. As ações possíveis, visando o reconhecimento dessas nulidades insanáveis, são a querela nullitatis insanable e a ação rescisória, cabíveis conforme o grau de nulidade absoluta no processo originário.
41.1. DA NULIDADE ABSOLUTA INSANÁVEL, POR AUSÊNCIA
DOS PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA
Os pressupostos de existência, conforme já visto, são aqueles essenciais à formação da relação jurídica processual e sem os quais esta, e por consequência o processo, jamais chega a existir.
Tais vícios gravíssimos podem ser reconhecidos mesmo após o trânsito em julgado da sentença, mediante simples ação declaratória de inexistência de ato jurídico (o processo), não sujeita a qualquer prazo prescricional ou decadencial e fora das hipóteses taxativas do art. 485 (ação rescisória). A querela nullitatis é de competência do juízo de primeiro grau, pois não estamos diante de revogação dos efeitos da coisa julgada, como na rescisória, mas sim visando o reconhecimento de que a relação jurídica processual e a sentença jamais existiram.
As nulidades absolutas decorrentes da ausência dos pressupostos de existência nem sempre estão expressamente previstas no Código de Processo Civil, decorrendo, por vezes, da análise do que vem a ser uma relação jurídica existente, somada à ausência como hipótese de cabimento de ação rescisória.
São pressupostos de existência da relação jurídica:
a) Juiz regularmente investido. O princípio do juiz natural envolve diversos conceitos já estudados, como imparcialidade, competência e investidura. Percebe-se que o legislador optou por graduar de maneira diversa a nulidade decorrente da sua inobservância no processo. A imparcialidade, quando ausente, pode tanto gerar nulidade meramente relativa (juiz suspeito — pressuposto de regularidade), sanável no curso do processo, ou absoluta (juiz impedido — pressuposto de desenvolvimento válido), hipótese de ação rescisória. No mesmo sentido, a incompetência relativa (nulidade relativa, sanável pela prorrogação) e a absoluta (nulidade absoluta, sujeita à ação rescisória).
Silencia o Código de Processo Civil, entretanto, quanto aos casos em que a relação jurídica processual tenha se estabelecido perante juiz não investido da jurisdição. Tal vício, ante sua gravidade e ausência de forma de controle legalmente prevista, leva-nos à sua caracterização como pressuposto de existência da relação jurídica e do processo, cuja arguição pode ser feita a qualquer momento pela parte prejudicada, mediante ação declaratória buscando o reconhecimento da inexistência do processo referido.
b) Citação válida. A relação jurídica processual só existe para o réu a partir da sua citação válida. Imagine-se um processo que tenha ocorrido à revelia do réu, por nulidade de sua citação, com proferimento de sentença condenatória. Esse processo jamais chegou a existir realmente como instrumento de composição de litígios, possibilitando a declaração de sua inexistência via querela nullitatis.
Esse pressuposto de existência e a correspondente nulidade absoluta estão expressamente previstos em nosso ordenamento no art. 741, I, que estabelece as hipóteses taxativas de oposição de embargos à execução fundadas em título judicial, bem como uma das alegações possíveis de serem formuladas na impugnação, na hipótese do art. 475-L, I. Ressalte-se que os embargos ou impugnação oferecidos com base nessa hipótese consubstanciam verdadeira ação declaratória de nulidade do processo de conhecimento (seja a declaração obtida na sentença de embargos, seja ela obtida incidentalmente na fase de cumprimento da sentença), sempre lembrando que o comparecimento espontâneo do réu, mesmo em processo em que sua citação foi nula, possibilita o reconhecimento incidental do vício, com o retorno do processo à fase de oferecimento de resposta do réu.
c) Capacidade processual das partes. Conforme objeto de análise, mister se faz que a parte litigante em juízo preencha o requisito da capacidade processual, através de representação por um dos genitores, na menoridade, ou por seu curador, no caso dos incapazes (loucura). É, portanto, tal requisito verdadeiro pressuposto de existência da relação jurídica, a qual não pode ser considerada apta a produzir efeitos se uma das partes nela envolvida não se apresentava capaz de exercer regularmente suas faculdades e deveres processuais ou de suportar os ônus do processo.
d) Capacidade postulatória. Da mesma forma que a capacidade processual, a relação processual só existe como meio de produção de efeitos jurídicos se presente a devida representação da parte por advogado, elemento essencial para a garantia do processo justo. Portanto, eventual processo patrocinado por quem falsamente se apresenta como advogado habilitado não pode ser objeto de validação, nem mesmo após o prazo da rescisória, caracterizando tal requisito pressuposto de existência do processo.
Saliente-se que a ausência de qualquer desses pressupostos, se percebida no curso do processo, implicará imediato reconhecimento da nulidade absoluta e regularização da demanda.
41.2. NULIDADE ABSOLUTA, POR AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE DESENVOLVIMENTO VÁLIDO DO PROCESSO, SUJEITA À AÇÃO RESCISÓRIA
Por opção do legislador, algumas nulidades absolutas, reconhecíveis de ofício no curso do processo, após o trânsito em julgado sujeitam-se ao prazo de dois anos da ação rescisória, por força da necessária estabilidade jurídica. Portanto, muito embora os efeitos da coisa julgada possam ser desconstituídos pela rescisória, vencido o prazo decadencial de dois anos, essa nulidade não pode mais ser objeto de arguição, prevalecendo sobre ela a imutabilidade dos efeitos da sentença de mérito proferida.
Surge, portanto, a segunda modalidade de pressupostos processuais, referente ao desenvolvimento válido do processo, previstos no art. 485, I a V.
a) Imparcialidade do juiz. Ausente estará tal pressuposto quando a parcialidade decorrer de prevaricação, concussão, corrupção ou impedimento do juiz. A suspeição, por ser de ordem subjetiva e relativa, é vício sanável pelo trânsito em julgado da sentença.
b) Competência absoluta. O julgamento proferido mediante a violação de qualquer um dos critérios absolutos de determinação da competência possibilita a revogação dos efeitos da sentença pela ação rescisória.
c) Ausência de dolo ou conluio entre as partes. O processo é instrumento do Estado, parcela de sua soberania, que não comporta a utilização de ardil ou simulação pelas partes, de modo que obtenha uma sentença que não espelhe a verdade e a justiça. Assim, mesmo após o trânsito em julgado, podem os efeitos da sentença obtida mediante simulação das partes ser revogados pelo prejudicado ou Ministério Público.
d) Coisa julgada. O ordenamento não possibilita ao interessado que receba dois julgamentos de mérito sobre a mesma demanda, inquinando de nulo o segundo processo no qual foi exercido idêntico direito de ação.
Considerando, porém, a existência de prazo decadencial de dois anos para a rescisória, cumpre analisar qual sentença prevalece, em caso de ofensa à coisa julgada. Parece bem clara a opção do legislador. Enquanto pendente o prazo de dois anos, pode a segunda sentença (mais recente) ser objeto de desconstituição pela rescisória, daí por que se afirmar que a sentença mais antiga prevalece.
Entretanto, uma vez vencido o prazo referido, a sentença mais recente, a qual teria ofendido à coisa julgada, não pode mais ser retirada do mundo jurídico, levando-nos à conclusão de sua prevalência sobre a mais antiga. Poderia muito bem o legislador ter optado por incluir a coisa julgada entre os pressupostos de existência do processo, remetendo o controle de sua violação para a querela nullitatis. Se assim não agiu e considerando a impossibilidade de duas sentenças contraditórias coexistirem no mundo jurídico, a única conclusão viável é a da prevalência da sentença mais recente, se vencido o prazo da rescisória.
Da mesma forma que os pressupostos de existência, os pressupostos de desenvolvimento válido do processo são objeto de controle de ofício pelo juiz, o qual deve reconhecer sempre eventual nulidade decorrente de sua inobservância incidentalmente no processo, a qualquer tempo e grau de jurisdição.
42 CONTROLE INCIDENTAL DAS NULIDADES PROCESSUAIS
Passaremos agora ao estudo do controle das nulidades no curso do processo.
Para esse controle incidental mister se faz a distinção das nulidades em absoluta e relativa.
A nulidade absoluta é aquela que impede a produção dos efeitos legais do ato jurídico processual, por ausência de observância de algum de seus requisitos essenciais. Independe seu reconhecimento de provocação das partes e deve ser declarada de ofício pelo juízo, não comportando convalidação. Contamina todos os atos subsequentes (nulidade do processo), sendo que sua regularização demanda necessariamente o retorno do procedimento ao ponto em que surgiu a nulidade. Está ligada aos pressupostos de existência e desenvolvimento válido do processo.
A nulidade relativa decorre da simples inobservância da forma prescrita em lei para o ato processual, mas sem impedir a produção de seus efeitos legais. Por isso depende ela sempre da comprovação de prejuízo pelo impugnante (CPC, art. 249, § 1º), comportando convalidação pelo silêncio da parte, que deve argui-la na primeira manifestação subsequente à sua ocorrência, sob pena de preclusão. Além disso, não será jamais reconhecida quando o juiz puder decidir o mérito a favor de quem aproveite a declaração de nulidade. Está ligada aos pressupostos de regularidade do processo e ao conceito de cerceamento de defesa, alcançando um número incontável de casos, tais como incompetência relativa, recolhimento incorreto de custas, suspeição do juiz etc.
O reconhecimento da nulidade relativa é regido por dois princípios básicos:
a) Instrumentalidade das formas (CPC, art. 244). Muito embora não observada a forma prevista, toda vez que o ato processual cumprir com sua finalidade não haverá nulidade.
b) Aproveitamento dos atos processuais. Pela regra da causalidade, um ato nulo antecedente só gera a nulidade do subsequente que tiver com ele relação de causa e efeito. Por isso, compete ao juiz, em reconhecendo a nulidade, declarar quais atos posteriores foram atingidos, determinando as providências para retificação ou refazimento. Tal princípio pode ser vislumbrado nas decisões dos tribunais que, anulando a sentença por cerceamento de defesa da parte impedida de realizar prova pericial, validam a prova oral já produzida.
Por fim, cumpre salientar que eventual ausência de pressupostos processuais gera o reconhecimento da nulidade respectiva, com determinação de regularização do vício. Somente nos casos de parte incumbida dessa regularização quedar-se inerte é que se torna viável a extinção do processo sem resolução de mérito, com fundamento no art. 267, IV, do Código de Processo Civil.
Capítulo XII
LITISCONSÓRCIO
43 CONCEITO E CLASSIFICAÇÕES
Sendo a legitimidade definida pela titularidade do direito material violado, por vezes essa relação jurídica não é unipessoal, envolvendo vários pretendentes à tutela jurisdicional e/ou vários resistentes a tais pretensões. Comporta, então, a relação jurídica processual a pluralidade de partes, tanto no polo ativo como no polo passivo, o que se denomina litisconsórcio.
Pode o litisconsórcio ser classificado como ativo ou passivo, conforme existam diversos autores ou diversos réus. Já no que se refere ao momento processual de seu estabelecimento, pode ser ele inicial, formado já na propositura da ação, ou ulterior, quando surgido no curso da demanda.
44 ESPÉCIES DE LITISCONSÓRCIO
44.1. FACULTATIVO
É o estabelecido pela vontade do autor, mediante a escolha de ajuizar a demanda acompanhado de demais coautores ou contra vários réus. Tal hipótese decorre da natureza plurissubjetiva da relação jurídica de direito material, como na dívida solidária, na qual todos os devedores podem ser demandados pelo credor a pagar a integralidade do débito, individual ou coletivamente, conforme opção do autor. Tal instituto é corolário do da economia processual, evitando a pluralidade de ações individuais através da cumulação das partes litigantes em um único processo.
Podem as partes litigar em litisconsórcio ativo ou passivo quando presente (CPC, art. 46):
a) Comunhão de direitos ou obrigações. Ex.: credores ou devedores solidários ou coproprietários na defesa do bem comum (CC/2002, art. 1.314; CC/16, art. 623, II).
b) Direitos ou obrigações derivados de um mesmo fundamento de fato ou de direito. Ex.: acidente de trânsito causado por empregado de uma empresa. A vítima tem a faculdade de ajuizar a ação contra o motorista e/ou contra o proprietário do veículo.
c) Conexão. É facultado ao autor formar o litisconsórcio toda vez que as demandas contra cada corréu, se ajuizadas distintamente, sejam objeto de reunião para julgamento em conjunto, a fim de evitar decisões conflitantes.
d) Afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. É possível o litisconsórcio mesmo que apenas um dos pontos integrantes da causa de pedir seja afim com aquela objeto de uma futura demanda.
44.2. NECESSÁRIO
Por vezes a lei ou a própria natureza jurídica da relação de direito material exigem a pluralidade de partes, para que a sentença proferida seja eficaz, válida e exequível. São os casos do art. 10 (exigência legal), já estudados, ou, por exemplo, de ação visando a desconstituição de um contrato firmado por várias partes, nos quais a participação de todos os envolvidos na relação jurídica processual é requisito de sua existência (natureza jurídica da relação material).
Notando o juiz tratar-se de um caso de litisconsórcio ativo ou passivo necessário, deve intimar o autor para a regularização do respectivo polo da ação, sob pena de extinção (falta de pressuposto de existência do processo). A não participação do litisconsorte necessário ou a falta do procedimento descrito acima acarreta nulidade, de natureza absoluta insanável, passível de querela nullitatis.
Dúvidas existem na doutrina quanto à existência do litisconsórcio necessário ativo. Surgiram diante da aparente incongruência entre o princípio da disponibilidade da ação (ninguém será obrigado a provocar a jurisdição contra sua vontade) e do livre acesso ao Judiciário (ninguém pode ser impedido pela vontade alheia de buscar o Judiciário para a solução de um conflito de interesses).
Imaginemos a situação de duas pessoas que figuram como compromissárias compradoras de um único imóvel em um mesmo instrumento e que apenas uma delas deseje a sua anulação em juízo.
Estamos diante de um litisconsórcio necessário pela natureza una da relação jurídica. Como resolver esse conflito de interesses entre aqueles que devem figurar como coautores da ação?
A primeira possibilidade seria a nomeação de um curador ao coautor resistente em ajuizar a demanda. Entendemos não ser isto possível justamente pelo princípio da disponibilidade incidente no processo civil, não se concebendo que alguém possa ter um contrato anulado, contra a sua vontade, num processo apenas formalmente por ele ajuizado. De outro lado não poderíamos aceitar que o autor interessado na anulação se visse impedido de exercer seu direito de ação pela ausência de concordância do outro contratante.
A solução está na interpretação da parte final do art. 47, em que a lei vincula a eficácia da sentença à citação de todos os litisconsortes, e na indagação do porquê da expressão “citação”, ato de chamamento do réu ao processo. Não se trata de erronia legislativa ou demonstração de que o litisconsórcio necessário será sempre passivo. Pelo contrário, a expressão está precisamente colocada.
Deparando-se o juiz com uma ação que demande necessariamente a pluralidade de autores, deve determinar àquele que provocou o exercício da jurisdição a citação de todos os demais coautores que deveriam estar postulando em conjunto com ele. Ao citado abrem-se três caminhos:
a) comparecer a juízo e assumir o polo ativo da relação, na qualidade de coautor, formando-se o litisconsórcio necessário ativo;
b) permanecer em silêncio, gerando a presunção de aceitação quanto à propositura da demanda, assumindo ele a qualidade de coautor;
c) recusar a qualidade de coautor, por discordar da propositura da ação, assumindo a qualidade de corréu e resistindo à pretensão anulatória deduzida pelo autor.
Portanto, é o pretenso coautor citado para realizar sua escolha e assumir o polo mais conveniente aos seus interesses, respeitando-se, assim, a vontade do outro contratante de ajuizar a demanda, qualquer que seja a vontade do citado.
44.3. SIMPLES
É aquele em que o juiz é livre para julgar de modo distinto para cada um dos litisconsortes, os quais são tratados pela decisão como partes autônomas. Está, como regra, ligado às hipóteses de litisconsórcio facultativo.
44.4. UNITÁRIO
É aquele no qual o juiz deve julgar, necessariamente, de maneira uniforme em relação a todos os litisconsortes situados no mesmo polo da demanda.
Nossa lei processual define o litisconsórcio necessário como aquele em que o juiz deverá julgar de maneira unitária todos os litisconsortes. Muito embora essa seja a regra quase absoluta dos casos, existem exceções indicativas da erronia da definição.
Podemos citar a ação ajuizada contra todos os devedores solidários, típico caso de litisconsórcio facultativo, mas na qual o juiz necessariamente deverá proferir decisão unitária (litisconsórcio unitário).
Do mesmo modo, existem litisconsórcios necessário e simples, como, por exemplo, o concurso de credores de devedor insolvente, dissolução de sociedade e usucapião, muito embora neste último caso os confrontantes não sejam réus na acepção contenciosa do termo.
Apesar de lei afirmar que cada litisconsorte será considerado como litigante distinto em relação à parte adversa (CPC, art. 48), tal regra somente tem cabimento no litisconsórcio simples. Nos unitários, em virtude da necessidade de decisão uniforme para todos aqueles situados no mesmo polo da demanda, ocorre a extensão dos efeitos dos benefícios da prática de um ato processual aos demais litisconsortes omissos (p. ex.: a contestação oferecida apenas por um dos corréus). Nos mesmos casos, eventual recurso interposto por um dos litisconsortes a todos os demais aproveita (CPC, art. 509).
Confere a lei, ainda, prazo em dobro aos litisconsortes quando estes estiverem representados nos autos por procuradores distintos (CPC, art. 191), cada qual mantendo o direito de promover o andamento do processo e recebendo todas as intimações (CPC, art. 49).
44.5. LIMITAÇÃO DO LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO
O parágrafo único do art. 46 permite ao juiz a limitação do litisconsórcio multitudinário. Tal previsão representa adoção legal de entendimento jurisprudencial anterior já consolidado, ante a nocividade à boa qualidade do exercício da jurisdição, dificultação da defesa e do necessário exame da efetiva situação concreta de cada um dos membros da multidão costumeiramente colocada no polo ativo de demandas, como a dos funcionários públicos contra a Fazenda. Isso acabava por levar o juiz a um julgamento pela tese discutida nos autos, e não pela aplicação dessa tese ao caso concreto de cada autor. Ademais, dificilmente seria possível a percepção dos fenômenos da coisa julgada ou litispendência com relação a um dos que são ou já foram parte em processo antecedente.
A limitação do litisconsórcio facultativo pode ser determinada de ofício pelo juiz, através de decisão interlocutória de desmembramento do feito em vários outros com menos autores.
Sem prejuízo, pode o réu requerer justificadamente a limitação, interrompendo-se o prazo para resposta. À ausência de prazo na lei, correta a interpretação de ser ele de cinco dias (CPC, art. 185).
Por fim, a jurisprudência tem aceito o número de dez autores como razoável, mas só a análise da questão submetida a julgamento poderá indicar qual o número de litigantes admissível e condizente com a boa administração da justiça.
Capítulo XIII
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
45 CONCEITO
A relação jurídica processual instaura-se, a princípio, entre aqueles que figuram na petição inicial como autores ou réus. Entretanto, atenta ao princípio da economia processual, permite a lei que a relação se amplie ou modifique, possibilitando a resolução de conflitos subsidiários entre as partes originárias e terceiros ou autorizando que esses terceiros venham aos autos prestar auxílio a uma delas.
Podemos definir, portanto, a intervenção de terceiros como sendo o instituto que possibilita o ingresso no processo de um terceiro, estranho à relação originária entre autor e réu, estabelecendo uma nova relação jurídica secundária, autônoma e independente daquela que lhe deu origem.
46 ASSISTÊNCIA
A divisão sistemática de nosso Código de Processo Civil colocou o instituto da assistência fora do capítulo da intervenção de terceiros, muito embora seja essa sua natureza jurídica. Isso vem reconhecido de forma expressa no art. 280, com sua nova redação, onde se veda a intervenção de terceiros no procedimento sumário, exceto a assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro.
A assistência tem cabimento sempre que terceiro, estranho à relação processual originária, cuja formação foi provocada pelo autor, tem interesse jurídico na vitória de uma das partes da demanda e pretende auxiliá-la na busca de uma sentença favorável.
O assistente intervém no processo para defender interesse jurídico próprio, consistente justamente na existência de uma relação jurídica entre ele e uma das partes e sua possível alteração pela decisão do processo.
É caso típico de assistência a aquisição de um objeto litigioso por terceiro. Muito embora a alienação posterior à citação seja irrelevante para o processo, tem o adquirente relação jurídica válida com o alienante e essa pode vir a ser atingida caso o assistido venha a obter sentença desfavorável.
Trata-se de intervenção voluntária, dependendo apenas da vontade de o assistente requerer seu ingresso no processo, e tem lugar em qualquer tempo e grau de jurisdição, recebendo o assistente o processo no estado em que se encontra. Como o assistente não é parte na acepção material do termo e pode vir a intervir no processo após este já ter iniciado, não suportará ele os efeitos da coisa julgada, a qual tem como limite subjetivo justamente as pessoas que figuram nos polos ativo e passivo da relação jurídica processual.
46.1. MODALIDADES DE ASSISTÊNCIA
Existem duas modalidades de assistência.
À primeira dá-se o nome de assistência simples, possível sempre que o assistente mantiver relação jurídica com o seu assistido (p. ex.: alienação de objeto litigioso).
A segunda é nominada litisconsorcial e existirá sempre que a relação jurídica embasadora do pedido de assistência existir entre assistente e adversário do assistido (p. ex.: herdeiro em ação ajuizada contra o espólio ou devedores solidários). Nesses casos o assistente poderia ter sido parte no feito (litisconsórcio facultativo), mas não o foi por opção do autor da ação.
Parte da doutrina e da jurisprudência entende relevante tal distinção para a análise dos poderes do assistente no processo e para determinar a que título intervém ele no processo.
Para esse posicionamento, o assistente simples tem atuação meramente acessória da parte principal, não podendo opor-se à desistência da ação, ao reconhecimento jurídico do pedido e à eventual transação entre as partes (art. 53). Já o assistente litisconsorcial assumiria a qualidade de parte no feito, não estando sujeito às restrições contidas no referido artigo, sendo lícito que prossiga na defesa de seu direito, independentemente de eventuais atos dispositivos praticados pelo assistido nos autos.
Não coadunamos com tal entendimento.
Em sendo o litisconsórcio não necessário faculdade concedida em lei ao autor da ação, não se concebe o estabelecimento de uma pluralidade de partes contra a sua vontade, sob pena de ser-lhe imposto litigar contra quem não deseja. Como entender possível que a garantia civil da dívida solidária, consistente em possibilitar ao autor a cobrança de qualquer um dos devedores da integralidade da dívida, possa ser violada pela admissão de um codevedor, muito embora não escolhido pelo autor para ser réu no feito?
Em segundo plano, a assistência nem sempre se dá na fase processual postulatória, de modo que o assistente litisconsorcial pudesse ser considerado como parte no feito e desenvolvesse todas as atividades inerentes à defesa de um direito próprio em julgamento.
Como sustentar a extensão dos efeitos da coisa julgada a um assistente litisconsorcial interveniente no feito apenas em grau de recurso, quando a sentença já fora proferida?
Portanto, podemos afirmar que os poderes dos assistentes não diferem conforme a polaridade da relação jurídica motivadora de seu interesse em juízo, servindo a distinção apenas para indicar que ao assistente litisconsorcial é facultada a intervenção em feito do qual poderia ter sido parte, mas não o foi por opção do autor.
46.2. PODERES DO ASSISTENTE
Como atua na qualidade de mero auxiliar da parte, sofre o assistente limitações em suas faculdades processuais, independentemente de sua natureza, não podendo opor-se a atos de disposição do assistido (desistência, reconhecimento jurídico do pedido ou transação).
Entretanto, caso a assistência seja oferecida em favor de réu revel, passa o assistente a ser considerado como gestor de negócios do assistido, atuando em nome próprio, mas na defesa de interesse alheio (legitimação extraordinária).
Uma vez sentenciado o feito, o assistente não poderá mais questionar a justiça da decisão proferida, desde que tenha recebido o processo em estágio no qual lhe foi possibilitada a produção de prova, não tenha sido impedido por ato do assistido de desenvolver todas as faculdades processuais (ampla defesa) e não tenha sido prejudicado em alegações ou provas sonegadas por dolo ou culpa do assistido.
46.3. PROCEDIMENTO
O assistente requererá por petição sua admissão no processo, justificando qual o seu interesse jurídico, a qualquer tempo e grau de jurisdição.
Intimadas as partes para manifestação, se não oferecida qualquer impugnação, que deverá limitar-se à existência ou não do interesse jurídico tutelável, o pedido será deferido. Caso contrário, será o requerimento autuado em apenso, sem suspensão do processo (incidente de assistência), prosseguindo eventual produção de provas e decisão em cinco dias.
47 OPOSIÇÃO
É modalidade de intervenção voluntária, facultativa, na qual o terceiro vem a juízo postular, no todo ou em parte, o objeto ou direito em litígio, pelo ajuizamento de ação autônoma contra autor e réu do processo originário.
Necessário frisar que a oposição não comporta ampliação dos elementos objetivos da lide (causa de pedir e pedido), hipótese na qual deverá o opoente ajuizar ação autônoma. Portanto, se as partes estão a discutir quem é o proprietário de uma gleba, não é admissível a oposição fundada apenas na posse (ação petitória e possessória). De mesma forma incabível a oposição de terceiro compromissário comprador de imóvel em ação de desapropriação ajuizada pelo Poder Público contra o titular do domínio (ação em que se discute direito real e direito meramente pessoal do opoente).
47.1. PROCEDIMENTO
Pode-se dizer que a oposição só assume características de intervenção de terceiros se oferecida no momento oportuno:
a) Oferecida até antes do início da audiência, deverá ela ser autuada em apenso, caso admitida, sobrevindo citação das partes na pessoa de seus advogados e prosseguimento conjunto dos processos para o proferimento de uma só sentença, com análise primeira da oposição. Nesse caso assume plena natureza de intervenção de terceiro. Mas como seria realizada essa citação na pessoa dos advogados do autor e do réu opostos? Muito embora parte da jurisprudência entenda ser necessária a expedição de mandado de citação, tal posicionamento acabaria por eliminar a vontade da lei. Com efeito, considerando estarem as partes devidamente representadas nos autos, deve o ato citatório ser realizado mediante simples publicação no Diário Oficial, observando ter a regra especial a finalidade de agilizar o processo, sem qualquer violação ao devido processo legal. Tanto isto é verídico que o próprio art. 57 prevê a citação pelos meios normais quando uma das partes for revel, ou seja, não esteja regularmente representada nos autos e não possa ser citada na pessoa de advogado.
b) Oferecida após o início da audiência, cessa a vantagem de autuá-la em apenso, pois o início da fase probatória gera seu descompasso com o processo principal, o qual deveria aguardar todo o desenvolvimento da fase postulatória da oposição. Portanto, determina a lei seja ela autuada autonomamente, muito embora mediante a prevenção do juízo, para ser julgada sem prejuízo da causa principal. Faculta-se ao juiz a suspensão do feito principal, por prazo jamais superior a noventa dias, a fim de possibilitar o julgamento em conjunto com a oposição.
c) Se oposta após a sentença de primeiro grau, segue forma independente, sem prevenção do juízo sentenciante do processo principal, perdendo a natureza de intervenção de terceiros.
48 NOMEAÇÃO À AUTORIA
Não é propriamente uma modalidade de intervenção de terceiros; é muito mais forma de acertamento da legitimidade do polo passivo da demanda, obrigação essa imposta ao réu ilegítimo, nos casos expressamente previstos em lei. Portanto, o nomeado à autoria, exclusividade do réu, não vem aos autos desenvolver uma relação jurídica distinta da existente entre as partes originárias, mas sim assumir sua qualidade de parte passiva legítima. O descumprimento da obrigação legal ou a nomeação de pessoa diversa daquela efetivamente legítima para o processo gera ao réu a responsabilidade por perdas e danos (CPC, art. 69).
A primeira hipótese é a do mero detentor, acionado em virtude de atos decorrentes da posse ou propriedade que não lhe pertence (ex.: capataz colocado indevidamente como réu em ação de manutenção de posse movida por vizinho). A ele compete nomear à autoria o legítimo possuidor ou proprietário, de modo que venha aos autos assumir o polo passivo em seu lugar.
A segunda diz respeito àquele que pratica atos em nome de outrem (relação mandatário-mandante), competindo ao mandatário indicar a pessoa a quem apenas representou. Torna-se óbvio que tal escusa encontra limites na ordem manifestamente ilegal, quando então a responsabilidade do mandante e do mandatário será cumulativa (mandante de um crime).
Ex.: A move ação contra B ultrajando-o de diversas formas na inicial. Citado o advogado em uma ação de indenização por danos morais movida por B, deve nomear A à autoria, pois agiu como mero mandatário, em nome alheio.
48.1. PROCEDIMENTO
O réu deve indicar o nomeado legítimo no prazo para a sua resposta.
Indeferida liminarmente a nomeação, volta o prazo para a resposta a correr pelo restante. Deferido o pleito, ocorre a suspensão do processo e a intimação do autor para manifestação em cinco dias.
Ao autor abrem-se três opções:
a) recusar a nomeação, hipótese na qual o feito prosseguirá com o réu original, mediante o retorno integral do prazo para a resposta;
b) permanecer silente, caso em que será presumida a aceitação;
c) aceitar expressamente a nomeação, competindo-lhe promover a citação do novo réu.
Providenciada a citação do nomeado, este pode:
a) permanecer silente, caso em que será presumida a aceitação da nomeação, com novo prazo para resposta do novo réu;
b) aceitar expressamente a nomeação, prosseguindo-se o feito à semelhança do item a;
c) recusá-la expressamente, com prosseguimento do feito contra o réu original, realizador da nomeação. Nessa hipótese, o processo poderá culminar com a extinção sem resolução de mérito, por ilegitimidade passiva.
Se ao réu ilegítimo é imposto o dever legal de indicar quem é o legítimo para o processo, sob pena de responsabilização por perdas e danos, seria possível aplicar qualquer pena ao nomeado que recusa a nomeação, mesmo conhecedor de sua legitimidade (má-fé processual) e responsável pela extinção sem resolução de mérito?
Impossível a aplicação de pena de litigância de má-fé ao nomeado desleal por não ser ele parte no feito. Nada impede, entretanto, caso o autor venha a ajuizar nova ação, por força da extinção gerada pela má-fé do nomeado, a fixação de pena pela deslealdade nesse novo processo.
49 DENUNCIAÇÃO DA LIDE
É intervenção de terceiros forçada, obrigatória, mediante requerimento de uma das partes da relação jurídica principal, com o fim de trazer ao processo o seu garante, terceiro contra o qual tem direito de regresso, caso venha a ser perdedora na ação principal.
O instituto tem base no princípio da economia processual, pois a parte porventura perdedora da demanda poderá, desde logo, acertar sua relação jurídica com seu garante, ressarcindo-se dos prejuízos decorrentes de sua condenação.
Mas a própria economia processual demanda a interpretação restritiva quanto ao cabimento do instituto, sob pena de perpetuação do processo pelas denunciações sucessivas. Portanto, não basta ao denunciante alegar qualquer direito de regresso para ver sua pretensão deferida, sendo sempre necessário estar a denunciação qualificada pela expressa previsão legal ou contratual. Nesse caminho, pacífica a jurisprudência quanto à negativa da extensão ou ampliação dos limites da lide principal, mediante inovação da causa de pedir discutida nos autos.
Uma vez realizada a denunciação surge uma nova relação jurídica processual entre denunciante e denunciado, autônoma, mas dependente da solução a ser dada na existente entre autor e réu, já que o direito de regresso só será exercido em caso de eventual condenação do denunciante na lide principal.
49.1. HIPÓTESES LEGAIS
a) É obrigatória a denunciação da lide para o exercício do direito de evicção do adquirente contra o alienante (perda da coisa por decisão judicial). É garantia implícita de qualquer negócio jurídico oneroso (elemento natural) a responsabilidade do alienante pelo ressarcimento do adquirente caso a coisa alienada venha a ser perdida em demanda judicial (CC/2002, arts. 447 a 457; CC/16, arts. 1.107 a 1.117). Portanto, o réu de ação na qual se discute o domínio do objeto litigioso deve denunciar da lide, pois em caso de derrota na demanda poderá exercer desde já o direito de regresso contra o seu alienante.
b) É inerente à cessão de posse direta a garantia de seu normal exercício, sob pena de o cedente indenizar o cessionário pelas perdas e danos decorrentes de sua perda (CC/2002, art. 1.197; CC/16, art. 486). Portanto, o possuidor direto (locatário, usufrutuário ou credor pignoratício) pode denunciar o possuidor indireto ou proprietário do bem (locador) nas demandas ajuizadas por terceiros reivindicantes da posse, de modo que a sentença condenatória eventualmente proferida fixe desde já a responsabilidade regressiva.
c) A denunciação da lide, por fim, terá cabimento sempre que terceiro tenha a obrigação legal ou contratual de indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do perdedor da demanda (ressarcimento). Na realidade essa hipótese é o gênero, enquanto as demais são dela espécies.
49.2. OBRIGATORIEDADE DA DENUNCIAÇÃO
A denunciação da lide é obrigatória, por força do art. 70 do Código de Processo Civil, muito embora a lei processual não estabeleça qualquer pena para a inércia do obrigado. Em virtude disso, a doutrina e a jurisprudência vêm divergindo quanto às consequências do descumprimento da obrigatoriedade.
Tomando por base o art. 456 do Código Civil de 2002 (art. 1.116 do CC/16), vinculando o evicto à notificação do litígio ao alienante, alguns autores passaram a afirmar a perda do direito regressivo em caso de inobservância de denunciação obrigatória. E diante disso outros a estenderam a todos os casos em que o prejudicado não requeira a denunciação no momento oportuno.
Não concordamos com tal entendimento.
A fixação de penas graves, como a perda do direito de regresso, não pode ser obtida através de interpretação extensiva (princípio da reserva legal). Logo, todas as hipóteses de denunciação diversas da evicção não podem ter como consequência pena para elas não prevista.
Mesmo nos casos de evicção, necessário se faz apontar a inexistência da pena de perda do direito de regresso no art. 456 do Código Civil de 2002 (art. 1.116 do CC/16). Pelo contrário, tal norma refere-se tão só às condições necessárias para o exercício do direito de regresso dentro do mesmo processo no qual o denunciante é demandado. Qualquer pena deve ser expressa e isenta de dúvidas.
Portanto, a melhor exegese da obrigatoriedade da denunciação é vedar o exercício do direito regressivo nos processos em que o denunciado não seja citado no momento oportuno, mas sem atingir o direito material ao ressarcimento, o qual poderá ser objeto de ação própria e autônoma.
Por fim, mesmo para os que entendem ser aplicável a perda do direito de regresso, cumpre frisar que ao denunciante basta requerer a denunciação para afastar eventual entendimento de perda do direito de regresso, não ficando sujeito ao acolhimento da sua pretensão pelo juízo.
49.3. PROCEDIMENTO
49.3.1. PARA O AUTOR
Muito embora a denunciação seja um instituto de maior utilização pelo réu, pois ele é quem se sujeitará aos efeitos de eventual sentença condenatória, permite a lei processual seja ela feita por aquele que provocou a tutela jurisdicional.
Deve ser realizada na petição inicial, mediante requerimento de citação do denunciado e do réu. Deferida a denunciação e determinada sua citação, suspenso permanece o feito, devendo o ato citatório ser cumprido nos prazos previstos no art. 72 (10 dias para o residente na comarca e 30 dias se necessária carta precatória ou edital), sob pena de preclusão e prosseguimento do feito apenas entre autor e réu.
Efetivada a citação, pode o denunciado:
a) permanecer inerte, quando a relação secundária entre denunciante e denunciado segue à sua revelia;
b) comparecer e assumir a demanda, na qualidade de litisconsorte do autor e com poderes para aditar a inicial;
c) negar sua qualidade de garante, questão essa a ser solucionada na futura sentença de mérito.
Uma das hipóteses de denunciação da lide pelo autor é a realizada nas ações de caráter dúplice (prestação de contas e possessórias), por serem essas capazes de gerar uma condenação ao autor, independentemente de reconvenção. Frise-se ser facultada ao autor a denunciação em todos os casos de ajuizamento de reconvenção contra si, no prazo fixado para a sua resposta ao contra-ataque e não no ajuizamento da ação.
O autor também pode denunciar da lide seu garante quando de oposição de embargos de terceiros, visando a exclusão de constrição determinada em execução, sobre bem adquirido do denunciado. Isso se justifica pela constatação de que a improcedência dos embargos implicará perda judicial da coisa objeto, dando azo para a solução imediata dos direitos regressivos do embargante denunciante contra o alienante (perdas e danos).
49.3.2. PARA O RÉU
A denunciação deverá ser formulada no prazo para sua resposta, em preliminar de contestação. Deferido o pedido, suspende-se o processo, com a citação do denunciado.
Este pode vir ao feito para:
a) afirmar sua qualidade de garante, assumindo a qualidade de litisconsorte do réu e contestando o feito;
b) quedar-se inerte, com o prosseguimento do feito entre as partes originais, à revelia do denunciado;
c) vir aos autos negar sua condição de garante, questão a ser solucionada com a sentença de mérito final.
A sentença que fixar a responsabilidade do denunciante com relação à parte adversa deverá, obrigatoriamente, analisar a denunciação da lide, determinando a presença ou não do direito regressivo e condenando o denunciado a ressarcir as perdas e danos suportados por seu garantido no processo. Considerando que ressarcimento consiste em indenizar o que foi pago e que inexiste relação jurídica de direito material entre o denunciado e o adversário do denunciante, o cumprimento da sentença não poderá ser feito diretamente contra o garante.
No julgamento, em primeiro lugar, é decidida a relação autor--réu, para depois ser solucionada a relação denunciante-denunciado. Logo, somente após cumprida a obrigação imposta ao denunciado é que surge a possibilidade de ele buscar o ressarcimento perante seu garante, vedada a satisfação direta do vencedor da demanda contra a seguradora da parte vencida.
50 CHAMAMENTO AO PROCESSO
É modalidade de intervenção de terceiros exclusiva do réu, forçada e facultativa, na qual este traz aos autos os demais coobrigados pela dívida objeto da demanda, para obtenção desde logo de condenação regressiva que lhe possibilite executá-los pelo que for obrigado em sentença a pagar.
No chamamento ao processo há uma dívida solidária externa, na qual cabe direito de regresso do devedor que cumpre a obrigação por inteiro contra os demais devedores, na proporção de suas quotas-partes. Assim, aquele devedor solidário processado isoladamente pelo credor pode chamar ao processo os outros codevedores para que, por economia processual, já seja feito todo o acerto proporcional entre eles, no mesmo processo.
Muito embora também fundado no direito de regresso, o chamamento ao processo não se confunde com o instituto da denunciação da lide.
Capítulo XIV
FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO
51 FORMAÇÃO DO PROCESSO
Por formação do processo podemos entender os momentos distintos em que ele passa a existir para as partes, gerando a relação jurídica processual com o juiz do feito (sujeitos do processo e relação angular, como já visto).
Para o autor forma-se o processo com a distribuição da petição inicial, geradora do direito a uma manifestação do Estado-juiz, nem que seja apenas o reconhecimento da ausência de seu direito de ação ou de irregularidade formal na provocação da jurisdição. Para tanto basta constatar-se a ausência de participação do requerido no recurso contra o indeferimento da inicial, decisão essa proferida quando existente apenas a relação processual entre autor e juiz (CPC, art. 296).
Há uma diferenciação muito importante a ser feita entre o direito constitucional de demanda (pretensão) e o direito de ação.
O primeiro é um direito incondicionado, ligado intimamente ao princípio da inafastabilidade da jurisdição. Mesmo as petições ineptas, não geradoras da citação do réu e causadoras da extinção do processo sem resolução de mérito, dão ao autor o direito a uma manifestação do Estado-juiz. Tal manifestação restringe-se a apontar ao autor a impossibilidade de movimentação do Judiciário, na forma em que sua pretensão foi deduzida.
Por outro lado, temos o direito de ação (direito à tutela jurisdicional do Estado), este sim condicionado ao preenchimento de requisitos prévios de admissibilidade do mérito (condições da ação e pressupostos processuais). Só prosperará se o Estado-juiz entender estarem eles presentes e, após tal análise, passar a julgar o mérito da lide, ou seja, abordar a relação jurídica de direito material controvertida.
Já para o réu, o processo e, por consequência, a sua participação na relação jurídica processual só passa a existir com sua citação válida. Nem mesmo em casos de procedimentos que comportam liminares tal regra é afastada. Pelo contrário, a liminar é mera decisão proferida pelas técnicas da cognição sumária e do contraditório diferido no tempo, com características de provisoriedade, urgência e reversibilidade do provimento jurisdicional concedido, ou seja, após o cumprimento da decisão o réu obrigatoriamente deverá ser citado para integrar a relação jurídica, podendo impugnar a decisão provisória proferida contra ele.
Enquanto não citado o réu e incompleta a relação processual, tem o autor plena disponibilidade da ação, podendo alterar os seus elementos (partes, causa de pedir e pedido) livremente.
Por força do art. 264 do Código de Processo Civil, uma vez realizada a citação válida estabiliza-se a relação jurídica processual, posto estarem a ela integrados todos os seus sujeitos (juiz, autor e réu), e qualquer alteração na causa de pedir ou pedido da inicial só é admissível com concordância expressa do réu. Em sendo ele revel só se autorizam modificações nos elementos objetivos da ação se feita nova citação, ante a impossibilidade de se contar com consentimento expresso.
Já com relação às partes, sua alteração só é possível nos casos de substituição legal, objeto de análise no Capítulo VII, consistente na morte da parte e na nomeação à autoria.
Mesmo concordes as partes, impõe a lei limite a alteração subjetiva ou objetiva dos elementos da ação, qual seja, o saneamento do feito. Uma vez fixados os pontos controvertidos e determinada a produção de provas pelo juiz instrutor da causa, o próprio processo demanda estabilidade plena, sob pena de prática de atos inúteis e delonga na entrega da tutela jurisdicional. Portanto, uma vez saneado o feito, impossível se torna a alteração da causa de pedir ou pedido, mesmo havendo acordo entre as partes em litígio.
É bom nos lembrarmos de que o art. 462 impõe ao juiz o dever de considerar os fatos modificativos, constitutivos ou extintivos do direito das partes, cuja ocorrência seja superveniente à estabilização da demanda.
52 SUSPENSÃO DO PROCESSO
A marcha dos atos processuais pode ser paralisada, com suspensão de sua prática, nas hipóteses excepcionais taxativamente previstas no art. 265 do Código de Processo Civil. São elas exceções ao princípio do impulso oficial, pelo qual o processo, uma vez iniciado, segue até o seu fim, independentemente da vontade das partes.
Ressalte-se que a suspensão só permite ao juízo a prática de atos de urgência, a fim de evitar danos irreparáveis às partes ou a próprio processo (CPC, art. 266), sob pena de serem considerados como inexistentes.
52.1. CAUSAS DE SUSPENSÃO DO PROCESSO
52.1.1. PERDA DA CAPACIDADE OU MORTE DA PARTE OU DO ADVOGADO
Comunicada a morte de uma das partes, deverá o juiz suspender o processo até que seja procedida a habilitação do espólio ou herdeiros (substituição de partes), salvo se o direito material em litígio for de natureza personalíssima, fato gerador da extinção do processo.
a) Falecimento do autor. Se a morte do autor ocorrer antes da citação do réu, deverão os sucessores ou o espólio providenciar sua habilitação de forma espontânea, sob pena de extinção do processo pelo abandono. Se completa a relação jurídica processual com a citação, passa o réu a ser titular do mesmo direito do autor à sentença de mérito. Portanto, pode ele providenciar a habilitação no polo ativo, de modo que o feito receba decisão definitiva sobre o conflito entre as partes.
b) Falecimento do réu. A habilitação no polo passivo pode dar-se tanto voluntariamente pelos sucessores do réu quanto de modo provocado pelo autor. Realizada a citação, o não comparecimento dos herdeiros ou do espólio implicará prosseguimento do feito à sua revelia.
Em qualquer das hipóteses o habilitado sempre recebe o processo no estado em que se encontra, não havendo seu retorno a fases anteriores.
O inventariante dativo não tem legitimidade para representar o espólio em ação contra este movida, sendo de rigor a citação de todos os herdeiros (CPC, art. 12, § 1º). Tal norma justifica a ausência de fixação de prazo para a suspensão, a qual poderá prolongar-se enquanto não for possível a localização de todos os sucessores. A morte da parte após iniciada a audiência de instrução e julgamento não suspende imediatamente o processo, que prosseguirá até sentença final, sobrevindo a suspensão a partir da sua publicação.
c) Falecimento do advogado. A morte do patrono da parte gera a imediata suspensão do processo, mesmo que já iniciada a audiência, devendo o juiz, de ofício, intimar a parte para a constituição de um novo mandatário em vinte dias. Se o autor não constituir novo advogado no prazo legal, há a extinção do processo sem resolução do mérito. Já ao réu inerte é imposta a decretação da revelia a partir daquele momento. A suspensão, entretanto, só ocorrerá caso seja o falecido o único advogado constituído na procuração.
d) Perda da capacidade processual da parte. Sobrevindo incapacidade da parte, comprovada por sentença (interdição), o processo será suspenso para habilitação do representante legal. Caso exista mera suspeita, sem comprovação judicial, deverá o juiz, após suspensão do feito, nomear curador especial para representar a parte incapaz no processo.
e) Perda da capacidade do advogado. A legislação processual não prevê tal hipótese, devendo a regra relativa ao óbito do procurador ser aplicada por analogia.
52.1.2. CONVENÇÃO DAS PARTES
A convenção de ambas as partes pode suspender o processo por até no máximo seis meses, seja período corrido, seja por sucessivas suspensões menores.
Em sendo a suspensão consensual, não se mostra viável a paralisação do processo para se efetuar a localização do réu, pretensão comum aos autores que não desejam arcar com as despesas da citação por edital. Tal aceitação implicaria criação de hipótese suspensiva pela vontade unilateral do autor, contrariando o princípio do impulso oficial.
De mesma maneira, o acordo entre as partes é causa de extinção do processo com resolução de mérito pela transação, e não hipótese de suspensão do processo, como equivocadamente se costuma postular em juízo. Uma vez desaparecido o conflito de interesses pela autocomposição, o descumprimento do acordo firmado gera a satisfação da transação homologada, não podendo o processo permanecer suspenso, como forma de pressão para que o devedor não descumpra com a obrigação assumida.
Ademais, a suspensão pela convenção das partes não tem o condão de interromper os prazos peremptórios.
52.1.3. OFERECIMENTO DE EXCEÇÕES PROCESSUAIS
Exceções (incompetência relativa, suspeição e impedimento do juiz) e impugnações (ao valor da causa, ao pedido de justiça gratuita, à assistência etc.) são defesas processuais de mesma natureza jurídica. A diferença reside justamente na atribuição de efeito suspensivo às primeiras, por força do art. 265, III, do Código de Processo Civil. Enquanto não julgada a exceção, o processo não pode prosseguir, mesmo porque esta é oferecida contra o juízo ou juiz da causa, não havendo, portanto, fixação de prazo de duração da suspensão em lei. Apenas se deixa frisado que a exceção de incompetência suspende o processo até o julgamento de primeiro grau, não havendo necessidade de aguardo da solução de eventual recurso.
52.1.4. EXISTÊNCIA DE QUESTÕES PREJUDICIAIS EXTERNAS
Prejudiciais são questões impeditivas do julgamento da demanda submetida ao juiz, posto que influenciarão a análise do mérito.
Pode ser ela interna, consistente na existência de questões que deverão ser decididas pelo próprio juiz da causa, como, por exemplo, a ação declaratória incidental e a oposição.
Já a questão prejudicial externa é a existente fora do processo e deve ser solucionada pelo juízo competente para que o processo tenha prosseguimento. Como exemplo temos o processo-crime, cuja análise pode influenciar o julgamento de uma ação indenizatória ajuizada na vara cível.
Na realidade, toda questão prejudicial externa é uma ação conexa com a que será suspensa. Sua reunião para julgamento em conjunto só deixa de ser realizada por serem elas objeto de conhecimento perante juízes distintos e de diversa competência absoluta (juízo da vara de família e juízo da vara cível) ou por estarem os processos em fases procedimentais distintas (feito em andamento em 1º grau e outro em fase recursal). Visa o legislador, através da ordem de suspensão de um dos processos enquanto não resolvida a questão prejudicial externa, impedir o proferimento de julgamentos conflitantes, à semelhança da conexão. Entretanto, a impossibilidade de reunião, pelos motivos expostos, o levou a optar pelo caminho da suspensão, a qual não poderá ultrapassar o prazo de um ano (CPC, art. 265, § 5º).
É essa a hipótese das alíneas a e b do inciso IV. Já a alínea c diz respeito a uma questão prejudicial interna, suspendendo-se o processo até que a declaratória incidental caminhe para um julgamento em conjunto com o processo principal. Mesmo fixando a lei prazo máximo de suspensão, tem a jurisprudência aceitado, em casos especiais, a paralisação por tempo superior, quando impossível se torna o julgamento do feito sem a solução da prejudicial externa.
Muito embora tecnicamente as preliminares sejam questões de natureza processual e não de mérito, alguns autores entendem possível serem elas consideradas como questões prejudiciais internas do processo (CPC, art. 301), pois impedem o julgamento do mérito da ação.
52.1.5. FORÇA MAIOR
No direito processual civil não é relevante a distinção entre os conceitos de “força maior”e “caso fortuito”, consistindo essa hipótese na possibilidade de suspensão do processo quando um evento inevitável e imprevisível impeça a realização do ato processual.
Nesses casos a suspensão dura enquanto persistir a ocorrência da força maior. É o que ocorre com greves dos funcionários do Judiciário, impeditiva da prática de atos processuais.
53 EXTINÇÃO DO PROCESSO
53.1. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO
O processo termina de forma anômala, sem que o juiz aborde o direito material controverso entre as partes, em virtude da ausência do preenchimento de algum dos requisitos de admissibilidade do mérito (condições da ação e pressupostos processuais). Essa sentença analisa aspectos meramente formais ou processuais da ação, não culminando com a aplicação do direito material ao caso concreto. Portanto, não pacifica socialmente e não compõe litígios, muito embora faça justiça ao que de merecido pelas partes no caso analisado.
Suas hipóteses estão previstas no art. 267 do Código de Processo Civil.
53.1.1. INDEFERIMENTO DA INICIAL (CPC, ART. 267, I)
A petição inicial deve ser apta a produzir os efeitos processuais desejados pelo autor, com o chamamento do réu ao processo para se defender. Para tanto, deve ela preencher os requisitos formais do art. 282, traduzindo de forma clara e precisa a pretensão do requerente, em sentido amplo. Por vezes a inicial não admite sequer a determinação de cite-se, por apresentar alguns dos vícios previstos no art. 295, o qual enumera não taxativamente os motivos de seu indeferimento.
a) Inépcia da inicial. É o erro mais grave que pode apresentar uma inicial, quando não preenchedora dos requisitos mais básicos previstos em lei para fazer instaurar validamente a relação jurídica processual. Os quatro casos de inépcia estão previstos no mesmo art. 295, em seu parágrafo único, ou seja, quando lhe faltar pedido ou causa de pedir, quando da narração dos fatos constitutivos do direito do autor não decorrer o pedido, quando o pedido for juridicamente impossível (condição da ação) ou quando contiver pedidos incompatíveis entre si.
b) Parte manifestamente ilegítima. Se porventura, ao despachar a inicial, puder o juiz logo depreender que ou o autor ou o réu não preenchem manifestamente as qualidades da legitimação ordinária ou extraordinária, deve indeferir de plano a inicial (pertinência subjetiva). Entretanto, nem sempre a ilegitimidade ativa ou passiva pode ser percebida de imediato com a propositura da ação, e por vezes se faz necessária até mesmo produção de prova a esse respeito. Na hipótese, deverá o juiz deferir a inicial, preservada a possibilidade de reconhecimento da ausência dessa condição da ação posteriormente.
c) Carências de interesse processual. É o vislumbre imediato pelo juiz da desnecessidade de intervenção jurisdicional ou da inadequação do pedido formulado na inicial à pretensão material deduzida pelo autor (necessidade/adequação).
d) Decadência ou prescrição. Muito embora elencados como causas de indeferimento da inicial, o que em tese acarretaria a extinção sem resolução de mérito, esses dois fenômenos geram o indeferimento da inicial com resolução de mérito, motivo pelo qual serão mais bem analisados posteriormente, com o art. 269.
e) Inadequação do procedimento escolhido ao valor da ação ou natureza da causa. O indeferimento só é cabível se impossível a adequação em fase de emenda à inicial, como, por exemplo, o ajuizamento de uma execução sem título não pode ser adaptado a um processo de conhecimento, demandando indeferimento imediato.
f) Descumprimento dos arts. 39, parágrafo único, 1ª parte, e 284. Por vezes o juiz ordena ao autor o cumprimento de uma determinação de correção de algum vício formal ou de conteúdo da inicial, o qual, se não observado, gerará seu indeferimento (ex.: recolhimento correto das custas iniciais).
Vencida a fase da análise prévia da inicial e determinado o cite-se, podem surgir no curso do processo vários outros motivos que levam à sua extinção sem resolução de mérito.
53.1.2. ABANDONO DO PROCESSO (CPC, ART. 267, II E III)
A jurisdição é inerte; uma vez provocada pelo interessado, deve o processo iniciado ser levado a seu final pelo impulso oficial. Entretanto, se ele ficar paralisado, ou por desídia das partes ou pela inércia exclusiva do autor em cumprir diligência essencial para o seguimento do processo, poderá sobrevir sua extinção.
A primeira hipótese está estipulada no inciso II do art. 267 e exige culpa de ambas as partes para a paralisação superior a um ano.
É de dificílima ocorrência, posto ser do juiz o dever de impulsionar o feito ao seu final, além de não poder o serviço cartorário (escrivão e escreventes) deixar o feito paralisado, sem remetê-lo à conclusão por período superior a trinta dias.
Já a paralisação superior a trinta dias, por culpa exclusiva do autor (CPC, art. 267, III), só poderá gerar a extinção do feito se forem os atos e diligências não praticados essenciais para o prosseguimento do processo, como por exemplo a necessidade de o autor providenciar a citação do réu ou de algum litisconsorte necessário. Fora desses casos, cumpre ao juiz, aplicando as sanções processuais existentes (preclusão), dirigir seu processo ao final, sema prática do ato não essencial. É o que ocorre na recusa do autor em adiantar as despesas da prova pericial por ele requerida. Tal inércia não gera a extinção do processo, pois possível o seu prosseguimento normal sem a perícia, aplicando-se pena de preclusão da oportunidade de realizar a prova ao autor omisso.
Em ambos os casos é sempre necessária a intimação pessoal da parte (CPC, art. 267, § 1º), para se evitar que a grave consequência seja imposta à parte apenas pela desídia exclusiva do seu advogado.
53.1.3. AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
(CPC, ART. 267, IV)
Todo pressuposto processual está ligado, primordialmente, às nulidades processuais, conforme já estudado. Logo, não basta a simples ausência de algum deles para que a extinção seja imediatamente declarada. Em se tratando de pressupostos de existência e validade da relação jurídica processual, compete ao juiz, de ofício, reconhecer a nulidade absoluta e determinar seja o vício sanado pelo interessado. Já nos pressupostos de regularidade, ligados às nulidades relativas, compete à parte alegar o vício no primeiro momento em que fale no processo, sob pena de preclusão e sanação.
Em ambas as hipóteses, identificada a falta de algum dos pressupostos de existência, validade ou regularidade da relação jurídica processual, é necessário conceder prazo razoável ao interessado para regularização da nulidade e retomada dos atos processuais do ponto a partir do qual ela surgiu.
Somente após vencido o prazo fixado e não cumprindo o autor com o necessário para a regularidade formal e substancial do processo é que poderá a extinção ser decretada.
53.1.4. PEREMPÇÃO (CPC, ART. 267, V)
É a perda do direito de ação por ter o autor dado causa a anteriores extinções do processo por três vezes, com base no abandono (CPC, art. 267, III). É uma pena imposta ao autor desidioso, através da vedação da análise do mérito em eventual quarta ação idêntica por ele ajuizada. Isto, entretanto, não o impede de alegar seu direito material em defesa de eventual ação na qual seja réu.
53.1.5. LITISPENDÊNCIA E COISA JULGADA (CPC, ART. 267, V)
São espécies integrantes do sistema de controle impeditivo do proferimento de duas sentenças de mérito sobre a mesma lide.
A litispendência é a existência de duas ou mais ações idênticas (mesmos elementos) em andamento, devendo ser extinto sem resolução de mérito aquele ou aqueles processos em que a citação não se tenha efetuado validamente em primeiro lugar (art. 219).
A coisa julgada que impede a repropositura da ação é de natureza material, ou seja, somente a sentença de mérito tem o condão de impedir que a parte novamente busque a tutela jurisdicional. Portanto, havendo decisão definitiva sobre a pretensão do autor, a ele é vedado buscar novamente o Estado-juiz para solucionar lide já resolvida anteriormente, sob pena de extinção do segundo processo sem resolução de mérito.
53.1.6. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DA AÇÃO (CPC, ART. 267, VI)
Sem o preenchimento das condições fixadas em lei para o exercício do direito à tutela jurisdicional do Estado (direito de ação), deve o processo ser extinto com proferimento de sentença meramente terminativa, sem abordagem da questão de direito material controversa entre as partes.
O reconhecimento da carência de ação pode ser realizado em dois momentos distintos. O primeiro é decorrente do indeferimento da inicial, quando o juiz vislumbra desde logo a ausência das condições da ação (CPC, art. 267, I). O segundo, após deferida a inicial e realizada a citação do réu, com o reconhecimento da ausência das condições da ação gerando a extinção do processo com fundamento no inciso VI do art. 267.
53.1.7. PELA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM (CPC, ART. 267, VII)
A expressão “convenção de arbitragem” abrange tanto o compromisso arbitral como a cláusula compromissória (pacto pelo qual os contratantes acordam submeter à arbitragem eventual litígio que possa surgir). Portanto, ambos servem para afastar a competência do juiz togado, gerando a extinção do processo de qualquer das partes contratantes que busque a jurisdição estatal, antes de submeter sua pretensão à arbitragem.
53.1.8. DESISTÊNCIA DA AÇÃO (CPC, ART. 267, VIII)
O autor tem a disponibilidade do processo, podendo dele desistir, sem renunciar a seu direito material, até o oferecimento da contestação pelo requerido. A partir de então, a desistência da ação depende da concordância do réu. A desistência, por ser o ato pelo qual o autor abre mão de seu direito de ação, demanda homologação pelo juiz do processo, também participante da relação jurídica processual, para surtir efeitos, comportando retratação até que este ato judicial seja praticado.
53.1.9. INTRANSMISSIBILIDADE DA AÇÃO (CPC, ART. 267, IX)
Já visto que a morte de uma das partes gera a sua substituição, mediante a suspensão do processo. Entretanto, se o direito material não é transferível com a abertura da sucessão (morte), não há como falar-se em habilitação do espólio ou de seus herdeiros, ante a ausência de transmissão do direito objeto de discussão em juízo.
Como exemplos temos as ações de separação e de divórcio.
53.1.10. CONFUSÃO (CPC, ART. 267, X)
Autor e réu passam a confundir-se em uma mesma pessoa, seja por força de um contrato, seja por decorrência da sucessão. É forma de extinção de obrigação, geradora da extinção do processo sem abordagem do mérito, por fato superveniente que põe fim à lide.
53.2. EXTINÇÃO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO
Determinadas decisões geram efeitos sobre as relações materiais existentes entre as partes, com força imutável e definitiva de composição do litígio (mérito da demanda). Podem partir da aplicação, pelo juiz, do direito ao caso concreto (jurisdição propriamente dita), da autocomposição das partes no curso do processo ou da existência de um lapso temporal gerador da extinção do direito de ação ou do direito material do autor, cujas hipóteses estão previstas no art. 269 do Código de Processo Civil.
53.2.1. ACOLHIMENTO OU REJEIÇÃO DO PEDIDO MEDIATO
(CPC, ART. 269, I)
É a forma normal de extinção do processo: o juiz profere uma sentença definitiva, abordando a lide existente entre as partes e, mediante a aplicação do direito material ao caso concreto, afirma quem tem razão no conflito, pacificando-o socialmente. Para a obtenção desse provimento judicial, passou o processo pela prévia constatação da existência das condições da ação e pressupostos processuais, requisitos essenciais para que uma sentença de mérito seja proferida. Essa sentença aborda os pedidos mediatos e imediatos do autor, acolhendo-os, no todo ou em parte, ou, ainda, rejeitando tal pretensão.
53.2.2. RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO (CPC, ART. 269, II)
É forma de autocomposição de litígios através da qual o réu se submete livremente à pretensão do autor. Portanto, não é o juiz quem aplicará o direito ao caso concreto, sendo sua função limitada à homologação do reconhecimento da procedência jurídica da pretensão do autor, ato necessário apenas para outorgar força executiva à autocomposição e extinguir o processo. Ressalte-se ser o reconhecimento do pedido ato de disposição diverso da confissão.
Enquanto o primeiro diz respeito à submissão não forçada à pretensão do autor, gerando a extinção do processo, a confissão diz respeito apenas à admissão de veracidade dos fatos contrários ao seu interesse, narrados pelo autor como constitutivos de seu direito.
Pertence ao campo probatório, não dispensando o proferimento de uma sentença definitiva que acolha ou rejeite o pedido do autor pelo juiz.
53.2.3. TRANSAÇÃO (CPC, ART. 269, III)
Também modalidade de autocomposição pela qual ambas as partes fazem concessões recíprocas, pondo fim ao litígio. Ao juiz resta apenas a atividade formal, consistente na homologação da transação, não para que surta efeitos jurídicos materiais, pois, como em todo negócio jurídico civil, estes decorrem do simples acordo de vontade. Portanto, não é a homologação de nenhuma das formas de autocomposição ato essencial para a sua validade. Pelo contrário, elas têm seus efeitos gerados pelo simples acordo de vontades, funcionando a homologação como mero ato formal necessário à extinção do processo e para que se dê força executiva ao acordo realizado.
53.2.4. RENÚNCIA (CPC, ART. 269, V)
Última das formas de autocomposição, a renúncia é o reversodo reconhecimento jurídico do pedido. É o ato unilateral do autor da ação pelo qual abre mão do seu direito material. Sua validade no mundo jurídico não demanda, à semelhança do já visto, qualquer homologação judicial, sendo tal ato necessário apenas para a extinção do processo.
53.2.5. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO (CPC, ART. 269, IV)
A prescrição é a perda do direito de ação pelo seu não exercício no prazo estabelecido em lei, que atinge, indiretamente, o direito material da parte. Já a decadência é a perda do próprio direito material alegado pela parte, pelo seu não exercício no prazo legal.
O reconhecimento da decadência e da prescrição deve ser feito de ofício pelo juiz, possibilitando até mesmo o indeferimento da inicial (CPC, arts. 219, § 5º, e 295, IV).
Capítulo XV
PROCEDIMENTO
54 CONCEITO
Procedimento é a forma de exteriorização e materialização do processo, ou seja, a maneira pela qual o instrumento estatal de composição de litígios se mostra no mundo jurídico e que não pode jamais ser confundido com o termo jurídico “rito”, já que este corresponde a simples sequência de atos preordenados com a finalidade de obtenção da sentença.
55 PROCEDIMENTO COMUM
A jurisdição deve ser a mais célere possível, observada a ampla defesa assegurada às partes, criando diversas formas de procedimento para melhor amparar as infinitas modalidades de direito material passíveis de dedução em juízo. Trabalha o Estado com a determinação de um procedimento comum, aplicável a todos os casos em que a natureza do direito material alegado pela parte não demande a utilização de regras especiais, criadas em lei justamente para melhor tutelar tais situações peculiares. É o procedimento comum, portanto, o correto para todas as lides para as quais a lei não preveja um procedimento especial.
Encontram-se definidos em lei dois tipos distintos de ritos para o procedimento comum, o ordinário e o sumário. Existem autores que vislumbram uma relação de especialidade entre o sumário e o ordinário, por ter aquele sua competência fixada pela matéria e valor da causa. Tal distinção não foi acolhida pelo legislador, que fixa a natureza de procedimento comum a ambos os ritos.
55.1. RITO ORDINÁRIO
Neste rito do procedimento comum encontramos a nítida divisão entre as fases postulatória, ordinatória, probatória e decisória, com predominância da forma escrita. Ressalte-se que com o desenvolvimento da informatização dos tribunais e a implementação prática do processo eletrônico, a forma escrita materializada será gradativamente substituída pela forma digital.
É o aplicável quando não cabível o rito sumário ou qualquer procedimento especial previsto em lei, além de possuir natureza informativa de todos os demais processos de conhecimento encontrados no Código de Processo Civil (art. 272, parágrafo único).
O legislador fez nítida opção por regulamentar minuciosamente apenas o procedimento comum de rito ordinário, sendo que todos os demais têm estabelecidas apenas as regras diferenciadoras que lhes caracterizam.
A fase postulatória é composta da petição inicial, citação e eventual resposta do réu e corresponde à fase em que as partes vêm a juízo formular suas pretensões, trazendo os motivos de fato e de direito que entendem suficientes para a formação da convicção do julgador (CPC, arts. 282 a 318).
A fase ordinatória corresponde à verificação pelo juiz da regularidade e correção do processo, sendo composta das providências preliminares e do saneador (CPC, arts. 319 a 331).
Vencidas as duas fases acima pode surgir a necessidade de produção de prova testemunhal ou pericial, hipóteses nas quais o processo passa à fase probatória, correspondente ao estágio em que as partes irão demonstrar a veracidade dos fatos por elas sustentados na inicial (fatos constitutivos do direito do autor) ou na resposta do réu (fatos modificativos, extintivos ou impeditivos do direito do autor) (CPC, arts. 332 a 457).
Por fim, a fase decisória é aquela em que o juiz, estando o processo completo e devidamente instruído, profere sua decisão (CPC, arts. 458 a 475).
55.2. RITO SUMÁRIO
Ao contrário do rito ordinário, o sumário tem como principais características a oralidade, a celeridade e a concentração de atos processuais.
As hipóteses de cabimento do rito sumário estão previstas no art. 275 do Código de Processo Civil.
O primeiro critério de fixação é o do valor da causa, sendo o rito sumário aplicável em todos os casos em que ele não ultrapasse sessenta vezes o valor do salário mínimo, irrelevante a natureza do direito material versado nos autos (CPC, art. 275, I).
O segundo critério é o da matéria, aplicável independentemente do valor atribuído à causa, conforme previsões do inciso II do referido artigo. São as causas que versam sobre:
a) arrendamento rural ou de parceria agrícola (Leis n. 4.504/64 e 4.947/66 e Dec. n. 59.566/66);
b) cobrança ao condômino de quaisquer quantias devidas ao condomínio;
c) ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico;
d) ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre;
e) cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução;
f) cobrança de honorários dos profissionais liberais, ressalvado o disposto em legislação especial;
g) revogação de doação;
h) os demais casos previstos em lei, tais como a adjudicação compulsória (Lei n. 6.014/73), o usucapião especial (art. 5º da Lei n. 6.969/81), o procedimento discriminatório judicial de terras (Lei n. 6.383/76), entre outros.
Conforme se depreende do esquema a seguir, a concentração de atos do rito sumário foi alterada, de apenas uma audiência de tentativa de conciliação, contestação, instrução, debates e julgamento, na qual se concentravam as fases postulatória, ordinatória, instrutória e decisória, para duas audiências distintas. A primeira a ser realizada é a de tentativa de conciliação e apresentação de contestação (concentração das fases postulatória e ordinatória). Em sendo necessário prova oral ou pericial, mister se faz uma nova designação de audiência, em que se concentrarão as fases probatória e decisória.
Quer-nos parecer, portanto, que o legislador aproximou em muito o rito sumário do rito ordinário, na medida em que o juiz, frustrada a conciliação e apresentada a contestação, deverá analisar o processo de forma idêntica ao rito ordinário (fase ordinatória), decidindo-se por saneá-lo, extingui-lo sem resolução de mérito ou julgar “antecipadamente” a lide.
Entretanto, por ser mais célere e concentrado, não comporta o rito sumário utilização nas ações que versem sobre estado ou capacidade de pessoas, nem permite ação declaratória incidental ou intervenção de terceiro, salvo assistência, recurso de terceiro prejudicado e a intervenção fundada em contrato de seguro.
Cumpre analisar a facultatividade ou não do rito sumário. O questionamento sobre a existência de eventual nulidade quando da inversão do rito previsto em lei para o procedimento comum suscitou dúvidas na jurisprudência. A inversão do rito ordinário pelo sumário, considerando ser este último rito concentrado, com limitações às intervenções de terceiro, inquina o feito de nulidade absoluta (violação à ampla defesa). Já a escolha do rito ordinário no lugar do sumário, seja em virtude do valor atribuído à causa, seja pela matéria versada nos autos, não implica nenhum cerceamento de defesa ou nulidade, por ser o rito ordinário mais amplo e desconcentrado, sem qualquer limitação à amplitude do desenvolvimento da defesa das partes.
56 PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
Muito embora o processo seja instrumento único do Estado, os procedimentos vêm sofrendo cada vez maior especialização, conforme a natureza do direito material discutido pelas partes tenha ou não necessidade de receber tratamento diferenciado. A especialização dos procedimentos busca essencialmente facilitar a composição de litígios decorrentes da controvérsia das partes diante de um direito material especial cuja defesa demanda uma adaptação e diferenciação daquele procedimento normalmente utilizado em juízo para as lides comuns.
Os procedimentos especiais podem ser de jurisdição contenciosa ou voluntária, estando previstos no Livro IV do Código de Processo Civil ou em legislação extravagante. Sua especialização pode ser feita da seguinte maneira:
a) O procedimento especializa-se por alguma limitação às matérias de defesa, forma de execução de sentença ou por sua diferenciação completa do procedimento comum ordinário. São exemplos a ação de consignação em pagamento, o depósito, a anulação e substituição de título ao portador, a prestação de contas etc.
b) O procedimento inicia-se de maneira diversa do procedimento comum, com uma fase prévia de concessão de liminar, e segue posteriormente sob a forma do rito ordinário.
Com o advento da antecipação de tutela, no procedimento comum, perdeu força de especialidade esta última modalidade de procedimento, já que a simples concessão liminar de antecipação da tutela não mais torna as ações possessórias ou de alimentos, por exemplo, procedimento juridicamente diverso ou especial em relação ao comum.